De acordo com o dicionário Michaelis, a palavra rainha significa, entre outros, “soberana de um reino, de nação de regime monárquico”. De fato, todos sabemos que as rainhas detém poder absoluto, correto? Então, agora eu lhe peço, por gentileza, para você se curvar e saudar a mais nova majestade do mundo drag, Miss Envy Peru, vencedora da primeira temporada de Drag Race Holland.
Neste spin-off da franquia, o segundo europeu, Envy Peru garantiu um histórico digno de nota: foram quatro vitórias em desafios principais e duas em minidesafios. Quando não venceu, fora salva, como na estreia da competição, marcada por imprevistos:
“Meu primeiro look, o look Maxima, eu tirei aquele esboço e mandei para um designer, e tudo atrasou, mas quando chegou não foi como eu desenhei meu design! Eu não tinha um backup, então tirei o melhor proveito. Acho que coloquei 5.000 pedras naquele traje só para aumentá-lo um pouco”, explica, nas redes sociais.
Sobre este primeiro episódio, a própria Envy admite que, ao assisti-lo, estava nervosa e apreensiva pela pressão envolta em seu nome. Algo similar ocorrera mais a frente, no episódio cinco, quando o minidesafio foi um ensaio nu, uma tarefa delicada para quem sempre teve uma relação conturbada com o próprio corpo.
Em seguida, no antepenúltimo episódio, Envy tem a chance de viver o que ela considera um de seus dois grandes momentos na competição, além de vencê-la, claro: o desafio do makeover, feito com alguém especial. “O que eu posso dizer sobre essa mulher incrível que é minha #MamaPeru. Sua bravura e perseverança são realmente uma inspiração para mim. Parece que essa bela experiência nos aproximou mais do que nunca”, analisa.
De fato, o apoio materno exerceu papel fundamental para o que Envy ainda enfrentaria na competição. Para “Maxima – The Rusical”, o episódio sete, a produção sugeriu o tema primeira travessura, e a fantasia de Kylie Minogue, no clipe “Can’t Get You Out of My Head”, usada por Envy, foi a primeira que ela fez sob medida. “Coloquei 10.000 pedras nela porque era um pouco mais velha, mas tínhamos a coreografia e claro que não era o melhor traje para aquela coreografia, então eu estava lutando com os movimentos”, diz.
Mesma luta que lhe levou para a oitava semana em Drag Race Holland, na última passarela do show. Para tal, Envy usou um casaco de sua mãe drag, Vanessa Van Cartier, Miss Continental 2019: “Ela ganhou grandes títulos usando este casaco e me disse que ele ia me dar tanta sorte quanto lhe deu em sua carreira”, pontua. E Isto nos leva ao dia cinco de novembro de 2020, quando a competição chegou ao fim e a expectativa sobre Envy era grande, afinal, como seria sua dublagem?
O duelo com Janey Jacké, valendo uma coroa, um cetro, um vestido de 18 mil euros, um ensaio para a Cosmopolitan holandesa e, mais importante do que tudo isto, a realização do sonho de uma vida toda, aconteceu ao som de, curiosamente, “Born This Way”, da Lady Gaga. Justamente a canção conhecida por dizer: “Não seja uma drag, seja apenas uma rainha”.
Nossa winner levou estes versos a sério, afinal, se você, caro leitor, assistiu esta temporada, já sabe de tudo isto que eu lhe falei até aqui. Mas eu aposto que você não sabia que, ao filmar a coroação de Envy, o cetro e a coroa não chegaram a tempo ao estúdio, sendo substituídos por versões falsas, feitas de plástico. Os originais foram entregues a ela na sequência do término das filmagens.
Mas não pense que o reinado de Envy resume-se ao improviso. Para comemorar sua vitória histórica, seu namorado, um britânico do Condado de Gloucester, melhor dizendo, o parceiro de Boris Itzkovich Escobar, criador desta drag, lhe presenteou com duas garrafas de champagne. Uma para ele, outra para a vice-campeã, Janey Jacké. Natural, afinal, quando Boris soube que estaria no elenco de Drag Race Holland, ele estava de férias, no Peru, com seu namorado.
E é neste país que ele nasceu, no dia 22 de abril de 1989, em Trujillo, terceira cidade mais populosa do Peru. Aos quatro anos de idade, em 1993, junto à mãe, muda-se para a Holanda. Seus primeiros anos neste novo país aconteceram no município de Hilversum. Em seguida, se radica em Amsterdã.
“Eu tinha 4 anos e ela [mãe] 24 quando viemos para a Holanda. Não tínhamos muito e éramos imigrantes ilegais. Mesmo quando as coisas ficavam difíceis, ela sempre ficava positiva e continuava sorrindo. Ela lutou tanto e conseguiu para que pudéssemos ficar neste incrível país para construir um futuro para nós. Com o pouco que tínhamos, ela estava sempre lá para os que precisavam de ajuda”, afirma, no Instagram.
Nesta mesma rede social, Envy relembra um episódio marcante entre seus altos e baixos com sua mãe a respeito de sua sexualidade e profissão como drag queen, afinal, até hoje ser LGBTQIA+ é problemático na cultura latina:
“Tive que educar minha mãe para que ela pudesse entender nossa comunidade. Um dia eu a convidei para me ver performar em uma noite latina onde eu faria 2 de suas músicas latinas favoritas. Ainda era um pouco estranho para ela, mas ela decidiu vir e me comprar um vestido para usar durante o meu show. Fiquei espantado, mas essa era a maneira dela de me mostrar apoio. Aquela noite mudou tudo! Alguns meses depois, perguntei o que tinha mudado. Ela disse: “Ver você infeliz por causa do meu preconceito me deixou triste. Você é tudo para mim e eu quero vê-lo feliz! Eu vim aqui para te dar uma vida melhor. E se é nisso que você sente que vai se destacar, quero experimentar isso ao seu lado“.
Este apoio foi fundamental para aquela criança que, desde sempre, era obcecada com as supermodelos da década de 90, o que lhe fez querer ser uma delas também, porém, a altura não ajudava. Mas o tempo passou, os anos avançaram e, em 2012, aos 23 anos, Boris fez drag pela primeira vez.
Os amigos e ele fizeram uma grande festa em Nova York. Nela podemos dizer que a Envy Peru apareceu pela primeiríssima vez. Quatro anos depois, em quatro de dezembro de 2016, começa oficialmente sua carreira como drag. No ano seguinte, 2017, vence o concurso internacional “Miss Fish”, vencido em 2013 por, veja só, Janey Jacké.
Ainda em 2017, ao lado das drag queens Miss Abby OMG e Ivy-Elyse Monroe, funda a Mermaids Mansion. Antes do Drag Race, também apresenta, ao lado de Hoax LeBeau e Lady Galore, o programa “De diva in mi”, conhecido aqui no Brasil como “Drag Me as A Queen”.
Todas estas experiências, sem exceção, tiveram sua importância para a grande virada na carreira de Envy Peru. Até aqui são quatro anos de drag. Parece pouco para você? Experimente, neste mesmo período de tempo, estrelar o maior reality show LGBTQIA+ da atualidade, e ter êxito nele; excursionar por diferentes cidades europeias, fazer cinema e televisão, interpretar um papel principal em videoclipe de rap e fazer outro vídeo com sua casa de drags; e por fim, estampar capas de revistas e campanhas variadas. Ficou impressionado? É como Envy mesma diz: “Que viva los latinos, carajo”. E é neste clima de latinidade autêntica que eu te convido para ler a minha primeira entrevista com uma vencedora de RuPaul’s Drag Race. Confira!
Com sua vitória, você agora faz parte de um pequeno e restrito grupo formado por cinco rainhas: as Rugirls coroadas nas franquias internacionais de “RuPaul’s Drag Race”. Pode descrever como é esse sentimento?
Estou tão orgulhosa de ser a primeira vencedora latino-americana da franquia. É muito importante para mim representar minhas raízes na competição para que a comunidade latina se sinta representada e para que o mundo possa ver o quão rica é nossa cultura. Fazer parte deste círculo de vencedoras é mais do que eu poderia sonhar.