Aperte o cinto, escolha seu Teletubbie predileto e prepare-se: ela não vê as crianças andando na natureza e vai nos levar direto para Marte. “Eu sou Tammie Brown e eu vou fazer sua cabeça girar e girar”, afirma a participante da primeira temporada de “RuPaul’s Drag Race” (2009) e “RuPaul’s Drag Race All Stars 1” (2012).
Sobre Tammie muito já foi dito, mas a história que eu vou contar, esta você ainda não conhece. Quando entrei em contato com ela pela primeira vez, via e-mail, meu objetivo era fazermos uma entrevista sobre música. A dela e de outros artistas, claro. Após alguns e-mails, fui instruído pela própria a usar o WhatsApp para prosseguir entrevistando-a. Por lá eu recebi o áudio abaixo, poliglota e nonsense, tipicamente Tammie Brown:
“Olá, Arthur, como você está? Olá é legal. Nós vamos falar sobre… Nós não vamos falar sobre isso, nós vamos falar sobre Tammie Brown, HotSkunx/Zorrillos Calientes, Porta Potty Prostitute, a Little Bit of Tammie, Love Pinata, más fuerte, más duro, hola, tudo bem? Isso é um oi, how are you? C’est bon, c’est bom. Obrigado”.
Depois de ouvir esta saudação curiosa, para dizer o mínimo, preocupei-me em extrair, musicalmente, o máximo possível de Keith Glen Schubert, 40 anos, ator, cantor, compositor e ativista americano, nascido no dia 15 de setembro de 1980, na litorânea Corpus Christi, no estado do Texas.
Durante a infância, Keith começa a demonstrar interesse por elementos como vestidos, sapatos e maquiagem, muito associados a profissão que, anos depois, lhe daria dinheiro e fama: ser drag queen. Este mundo passa a ser melhor desvendado ao longo da infância e adolescência, vividas em cidades texanas como Rockport e Fulton: nesta última, na década de 90, no ensino médio, estudou moda na escola e participou do coral, o que lhe permitiu viver sua fantasia de, finalmente, ter uma drag persona. Atkinson, um de seus professores nesta fase, foi o responsável por tornar público o talento de Keith ao lhe proporcionar as primeiras experiências no palco, como ator.
No baile de formatura, Keith surgiu montado e chocou a sociedade conservadora da terra onde cresceu. Mesmo em um ambiente onde a diversidade não é bem-vinda, ele contou com o apoio de, inclusive, alunos e professores heterossexuais, o que o ajudou neste período. Aos 18 anos, na “Club Divas”, boate de sua terra natal, Keith dá os primeiros passos como drag. Anos depois, já na faculdade, tem aulas de maquiagem. Neste momento, o rosto conhecido pelo grande público de hoje inicia sua viagem até a Hollywood de ouro, marcada por nomes como Joan Crawford e Marlene Dietrich. Desta atriz alemã, Tammie pinta a boca de forma semelhante. Seus lábios e cílios são suas regiões preferidas para maquiar. Sua estética mistura o antigo e o contemporâneo, porém, com pitadas autorais, sem espaço para quem tenta padronizar a arte drag.
“Eu acho que é exatamente o que as pessoas querem, colocar rótulos em tudo e você tem que fazer do jeito que elas querem fazer. É apenas um traço humano que todo mundo precisa para colocar rótulos em tudo e julgar o que eles acham adequado”.
A estreia como Tammie Brown, de fato, aconteceu no Hamburguer Mary’s. Ali, no palco deste bar e restaurante, em Long Beach, coração da Califórnia, a Tammie nasceu. Ela também radicou-se neste estado em 2003 e, desde então, entre as muitas coisas que fez, uma delas tem sido constante: música.
No dia 28 de abril de 2007, Tammie lança “Whatever”, seu debute. Em 27 de novembro, é a vez de “Shaka Buku U”. Estes singles antecederam o álbum de estreia que estava por vir, “Popcorn”, de 18 de março de 2009. Formado por sete faixas, sendo quatro delas divididas com Stacey Lee Big, rendeu cinco singles para Tammie.
Disponível somente no iTunes e Amazon Music, “Hot Skunx/Zorillos Calliente”, é o segundo álbum de Tammie. Chegou ao mundo em 11 de março de 2014. Neste trabalho, Michael Catti faz participação especial em quatro músicas, mesmo número de singles: deles, o penúltimo lançado desta era, é “Walking Children In Nature”, de 14 de junho. A promoção encerrou com “I Stay Connected”, em 11 de maio de 2015. Antes disto, Tammie lançou, solitariamente, “Love Pinata”, também em 2015.
A carreira musical segue com o lançamento do EP “Little Bit Of Tammie”, em 27 de setembro de 2018, e “Schubert”, seu álbum mais recente, de 18 de outubro de 2019, também com diversos singles trabalhados.
Hoje em dia, Tammie pode orgulhar-se de seus 21 anos como drag queen, completados no último dia 19 de outubro deste ano. Para celebrar o aniversário desta virginiana, confira a seguir a entrevista abaixo, na qual falamos do começo de sua carreira musical, parceiros importantes, drag music, língua espanhola, custos para fazer um videoclipe, qual música brasileira ela escuta, quem são suas referências musicais, entre outros assuntos.
Tammie, desde sua estreia com “Whatever”, em 2007, você já lançou três álbuns de estúdio, um EP, vários singles e videoclipes. Quando tudo isso começou, você imaginou que esta indústria cresceria e mudaria tanto?
Sempre fui aberta à indústria musical, eu sempre soube de outros artistas e sempre estive disponível para estar em um nicho de mercado no qual eu estou… ou seguindo um culto. E eu sempre acreditei que a indústria seria acessível para mim, você só tem que continuar e acreditar.
Também percebo, em sua trajetória musical, uma constância de parceiros, como Michael Catti, Kelly Mantle, entre outros. Como esses artistas influenciam e inspiram você?
Trabalho com Rodrigo Beroso desde o “Clam Happy!” e até no último álbum, “Schubert”. Michael Catti e eu ainda estamos trabalhando juntos e eu acho que influenciamos um ao outro. As pessoas amam a dinâmica entre Michael e eu. Nós gostamos de chamar de Brown e Catti. Há Kelly Mantle. Não estamos mais em uma banda juntas, mas nós nos divertimos na série The Browns.
Gostaria que você contasse sobre como “I Love You, I Love You, I Love You” nasceu. Desde que a escutei pela primeira vez, ela não saiu mais da minha cabeça.
Essa música foi apenas uma música divertida que eu escrevi um tempo atrás. Michael Catti estava um pouco hesitante em trabalhar nela sendo que é tão inocência romântica, mas eu me inspirei em The Ronettes e os anos 60. Sinto que eu escrevi a letra e Michael ajudou a compor a música.
Quando a drag music estava engatinhando, por assim dizer, você e alguns outros já estavam lançando músicas, desenvolvendo trabalhos musicais. Com a popularização do drag, como você vê seu papel nesse cenário? Claro que tivemos nomes inesquecíveis como Divine, mas há uma clara retomada da música drag de uma década atrás.
No que diz respeito à música, eu gosto de entreter e sempre quis ser uma grande artista musical entertainer como Tina Turner. Eu amo a música da Divine, eu até gostei de “Supermodel (You Better Work)” da RuPaul e músicas como “Snapshot”. Não importa para mim se a música é popular ou não, eu só gosto de transmitir boas mensagens, música divertida, letras peculiares, às vezes exageradas, algo que você tem que ouvir, na verdade. Eu até escrevo músicas em espanhol. Eu também gostaria de mencionar a diva disco, ele mesmo, Sylvester.
Fiquei impressionado com os primeiros discos dele. Ouvi no Spotify e, aproveitando o momento: quando comento sobre drag music as pessoas viram o rosto no geral. Quase sempre optam por: “Eu não ouvi e não gostei”. O que você acha de reagirem tão estranhamente a uma arte feita por nós, merecedora de registros e aplausos, por sinal?
Bem, eu acho que as pessoas precisam relaxar porque eu sempre ouvi música drag. Havia uma drag chamada “Pussy Tourette”, havia também “Kiki and Herb” e tantos outros. Eu acho que é importante relaxar e, quero dizer, às vezes há alguma música que não é realmente palatável e eu entendo isso também.
Sua relação com a língua espanhola me chama atenção. Você pretende um dia gravar um álbum em espanhol?
Aprendi meu espanhol no México. Morei no México por cinco anos. Eu estudei e fui para a escola e aprendi muito sobre a arte do México, então, é uma grande influência na minha vida, meu coração está no México. Sim, eu estou atualmente escrevendo duas músicas em espanhol que eu vou trabalhar com Michael Catti. Elas são um pouco mais no gênero folk, mas vamos ver. E sim, um dia eu tenho a fantasia de lançar um álbum de estilo mexicano latino-americano espanhol.
Hoje em dia, um vídeo ajuda uma música a acontecer na internet. Tornou-se uma tendência e algo que você tem feito em sua carreira. Foi gosto pessoal, intuição de mercado? O que te motiva a registrar as músicas dessa forma?
Pelo contrário, eu não diria que hoje em dia um vídeo ajuda essa música, eu acho que os vídeos sempre ajudaram as músicas, é que a indústria musical mudou drasticamente. A MTV não toca mais videoclipes, então, eu não diria que os vídeos ajudam a empurrar a música junto. Às vezes você paga mais dinheiro para fazer um vídeo do que você fazer essa música.. Quanto aos direitos autorais da minha música, acho muito importante que eu possa ter os royalties a que tenho direito para criar minhas pequenas obras-primas. Todo mundo deveria publicar suas músicas se eles escreverem uma música parte do negócio.
Quando comecei a ouvir drag music, imediatamente notei a cultura do coletivo, com pessoas colaborando entre si, sejam em feats ou participações especiais em vídeos. Concluo que uma cultura que sempre foi subjugada, precisa desse tipo de atitude para sobreviver. O que acha disso?
Algumas drag queens podem fazer todas as suas próprias músicas, como a Kelly Mantle, mas é bom sempre trabalhar com outros artistas e colaboração é uma coisa maravilhosa a se fazer. Eu sempre fui aberto à colaboração. Eu vou continuar a colaborar também elevando outros artistas. É muito importante para mim e para a minha marca.
Em suas músicas e vídeos, a referência a outras épocas e estilos é notável. Em que década a cabeça da Tammie cantora vive ou gostaria de viver? Por qual razão?
Eu fui influenciado por todos os tipos de música de todos os tipos de tempo. Eu diria que os anos 70 e 80, até os anos 90, têm sido uma grande influência na minha música e atualmente estou sempre criando novas músicas de acordo com o tempo, mas com meu próprio toque, minha própria originalidade. Eu diria, no entanto, que certos gêneros de música eu consideraria mortos, além dos fatores independentes, como música independente, que eu não sei o suficiente, mas eu gosto. Eu também me consideraria um artista que, por acaso, faz drag, misturado ao fato de ser uma pessoa de negócios. Meu próprio império que é administrado por uma equipe nossa.
Quando você acessa na sua memória, qual é a primeira lembrança de quando você estava no palco e percebeu: eu sou uma estrela?