O ano era 2015 quando ela ganhou as telas de TVs por todo o mundo, lhe convidou para dividir uma taça, se apresentou e disse: prazer, Kristina La Veneno. Se você não sabe de quem eu estou falando, só resta uma pergunta. Who’s That Queen?
Kristina é a drag queen ou, vá lá, transformista de Camilo Aqueveque, um alemão nascido em quatro de julho, com apreço especial, desde criança, por videogames e, mais tarde, perucas e saltos altos. Antes disto estudou violino, assim como teatro, canto e música clássica.
Ainda pequeno, aos dez anos de idade, Camilo vive uma fatalidade que o marca para sempre: um abuso sexual cujas sequelas, além das psicológicas, influenciaram em parte de sua juventude, agitada e conturbada, com problemas que atingiram inclusive sua vida escolar, mas sabemos que toda tristeza tem seu fim.
Anos depois, radicado em Concepción, território na região central chilena e capital da região de Biobío, Camilo começara sua carreira artística como violinista, na rua. Certa vez, ele participou, em outubro de 2014, de um concurso de transformismo no pub Farinelli, local conhecido por lançar artistas famosos. Até então, nem desconfiava, mas este seria o primeiro passo rumo a um futuro que trazia consigo, no mínimo, possibilidades. Quais seriam elas?
No dia oito de outubro de 2015 estreou, através da emissora Mega, com direção de Ricardo Durán e produção executiva de Jaime Sepulveda, a temporada inaugural de The Switch Drag Race: El Arte Del Transformismo, com 17 rainhas no elenco e 24 episódios disponíveis. Kristina entre elas, então aos 21 anos de idade.
Considerado um primo de terceiro grau na árvore ‘dragalógica’ das franquias de RuPaul’s Drag Race, esta versão chilena, apesar do que dizem muitos fãs que não a assistiram, porém, a odeiam ou desprezam, tem valor histórico por ser a primeira interpretação internacional da maior competição drag de todas, no entanto, isto não lhe impede de ter, digamos, a sua própria cara.
Em The Switch Drag Race a dinâmica já se mostra particular com as drags sendo comumente separadas em dois grupos. Ao lado disto, são exibidos vídeos em formato documental onde suas biografias são esmiuçadas, o que, em termos de televisão, é ótimo para aproximar o público, especialmente quando este mesmo público é o do Chile, um país no qual LGBTQIA+ não podem adotar crianças e a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi permitida apenas em 22 de outubro de 2015, coincidentemente, duas semanas após a estreia de The Switch.
De qualquer forma, lições de diversidade devidamente anotadas, voltemos ao programa. Formado por desafios artísticos, de imitação, canto e duelos de eliminação, devidamente orientados pela apresentadora Karla Constant na companhia dos jurados Nicole Gaultier, Íngrid Cruz, Oscar Mediavilla e Patricia Maldonado, The Switch, para Kristina, durou 12 episódios.
Estranhamente eliminada por Laura Bell no dia 22 de novembro de 2015 em um desafio de comédia, área na qual Kristina se considera forte, esta drag, devido a um plot twist, acabou sendo a sexta colocada com um precoce décimo quarto lugar no histórico geral, com o adendo de ter voltado para a competição no episódio 17, mas sem prosseguir nela.
Mesmo assim, não foi o suficiente para impedi-la de vencer um desafio, no episódio seis, homenageando o musical Chicago, sem contar os episódios em que, ao cantar, mostrou muito de si mesma e de sua relação com a arte e a cultura. Vale lembrar que nada disto impediu Kristina de levar uma enxurrada de críticas negativas que, a certa altura da competição, a deixaram saturada.
Em paralelo ao esgotamento mental que se anunciava, na época das gravações deste reality show, Camilo estava desempregado e morando há dois meses em Santiago, na casa de um tio. Em um dos episódios fora mostrado o dia em que ele foi para o centro da cidade procurar emprego em salões de beleza. Mas não pense que esta experiência se resume a drama e batalhas. Em uma das semanas seus avós lhe fizeram uma visita surpresa no programa. Mais do que validarem o trabalho do neto, para o qual cumprem um papel semelhante ao paterno e materno, mandaram para milhares de lares a mensagem de aceitação e amor que deveria imperar na sua casa, por exemplo.
Por fim, mesmo não levando para casa o prêmio principal de CLP$ 10.000.000, algo em torno de R$ 66.000, e um ano de mercadorias da AnyHair, Kristina pode se orgulhar de ter tentado mostrar que seu forte é o canto, com ênfase nos ritmos negros como o jazz e blues. E o que mais faz a sua cabeça atualmente?
Para entender a Kristina de hoje é preciso, primeiro, aposentar a Kristina que você agora conhece. Sim, esta mesma artista que, apesar do que tudo indica, não se chama assim pela icônica La Veneno. Não totalmente.
Na verdade, desde que era criança, ali pelos quatro anos de idade, os familiares de Camilo diziam que ele era um veneno devido a seu temperamento. O sangue italiano da avó ajuda nisto? Provavelmente, entretanto, é bom lembrar que o Kristina vem de Christina Aguilera, cantora que, com Amy Winehouse, a despertaram para o burlesco e jazz. Quanto à Cristina atriz, bom, ela é uma de suas referências em termos de atitude. Finalmente, dito isto, Kristina saiu de cena para a Veneno Drag entrar. E reinar. Diretamente de Santiago.
Apresentação feita, quero dizer, reapresentação, vamos direto ao assunto, caro leitor. Logo abaixo você lê, na íntegra, a entrevista que fiz com Veneno. Confira!
Como você ouviu sobre as audições para a primeira temporada de The Switch Drag Race? Os testes foram difíceis ou fáceis?
Bem… na verdade eu nunca assisti as audições. Eu nem sei nada sobre o projeto chileno de Drag Race na TV. Eu estava fazendo compras com minha mãe e minha avó e recebi um telefonema do Mega, o canal de TV que faz o programa, então a produtora me disse que eles estavam trabalhando em uma versão chilena de RuPaul’s Drag Race e começou a falar sobre os requisitos: “Preciso ter que fazer parte disso”. Ela me disse que precisaríamos cantar ao vivo para vencer o desafio principal todas as semanas e eu amei isso.
Há quanto tempo você faz drag? Em que ponto você viu que este seria o seu verdadeiro trabalho, que você pagaria suas contas com drag?
Comecei a fazer drag há 8 anos, mas simplesmente aconteceu. Eu entendo que vai ser o começo do resto da minha vida. Peguei esses sapatos de salto alto e comecei a andar. Me lembro de pensar sobre isso e minha família, meus amigos, meus círculos sociais, com um grande medo, porém, eu tomei a decisão de viver minha vida de cabeça erguida, não importa o que os outros pensem de mim e do meu estilo de vida.
Já se passaram cinco anos desde que a primeira temporada de The Switch Drag Race foi ao ar. Que análise você faz da sua trajetória no programa?
Drag Race me dá a confiança de que preciso para viver minha vida com honestidade e dignidade. Eu era tããão jovem e inexperiente naquele momento, mas foi a plataforma para eu começar minha própria carreira drag.
Quais são, por ordem de importância, seus três momentos favoritos em The Switch Drag Race?
O primeiro momento neste grande e enorme palco. Esta é a melhor memória que eu tenho no meu tempo no Drag Race. Então temos a ocasião em que Nicanor Bravo me dá imunidade no meu primeiro desafio de canto. Finalmente, adorei o instante em que Pati Maldonado abriu a porta do dress room e me mostrou para minha avó atrás da parede de cristal. Foi tão emocional!
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais quatro drag queens, quem você escolheria? Por qual motivo?