É muito importante colocarmos na pauta do dia, enquanto comunidade LGBTQIA+, a hierarquia no mundo drag e, por tabela, aquelas que vieram antes e pavimentaram o caminho para quem chega agora. Seguindo esta lógica, apresento a você a primeira edição da “Queen Sou Eu?”.
Quando pensei em qual convidada chamar para estrear esta coluna, diversos nomes vieram a minha mente, mas nenhum deles foi aprovado por minha intuição. Interessantes? Sim. Entregaram-me a história a ser contada agora? Não.
Pesquisa vai, pesquisa vem, contato ali, e-mail lá, tcharan: lembrei do sentimento com 12 sinônimos que, independentemente de qual deles você utiliza, uma coisa é certa: sempre aparecerá alguém para tentar tirá-lo de você. Alguns chamam de alegria. Isso mesmo, alegria. Substantivo feminino, bastante associado a nossa convidada, porém, muita TchaKa nessa hora… espera. Ainda não sabe de quem eu estou falando? Sério, leitor?
TchaKa Drag Queen é muito mais do que a drag persona criada por Valder Bastos Santos. Ao criá-la, este artista reinventou-se, pessoal e profissionalmente, bateu recordes nacionais e internacionais, colecionou prêmios, registrou participações em programas televisivos das principais emissoras brasileiras, virou apresentadora da parada LGBTQIA+ de São Paulo, além de outras capitais para, no fim, mas não menos importante, ganhar o eterno epíteto de “Rainha das Festas”.
“Faço 20 anos de carreira e mais de 5000 eventos e apresentações em todo Brasil e hoje disponibilizamos canais de Youtube com tutoriais, filtros babadeiros, produtos de makeup próprios para #TheQueens e uma vasta combinação de coragem, atitude e redes sociais”, afirma.
A jornada de Valder até aqui é digna de cinebiografia, com passagens distintas que merecem nota, como sua infância, também vivida nas cidades baianas de Sobradinho e Juazeiro. Nestes locais, cinco filhos foram criados por uma mãe feminista, fator decisivo para tornar este período menos difícil para ele, por um lado. Por outro, a profissão de seu pai, à época, mecânico de montadora de hidroelétrica, dificultou com mudanças constantes, além da lgbtfobia já sofrida por Valder por ser uma criança afeminada.
Até Valder furar a sua própria bolha, romper com o modus operandi do mundo heteronormativo no qual estava inserido, foi preciso investir na educação. Aos 15 anos, na casa de um dos irmãos, no Rio de Janeiro, começou a investir neste campo, porém, devido a uma repetência, no ensino médio, ganhou como prêmio de consolação uma passagem só de ida para Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, para morar com um irmão pastor. Uma curiosidade extra: no dia 29 de abril de 2018, TchaKa foi madrinha da primeira parada LGBTQIA+ de Mogi das Cruzes, São Paulo.
Ainda em Mogi, a terra do caqui, Valder alistou-se no exército, no Tiro de Guerra. Por lá, era conhecido pela habilidade com armas de fogo, sendo considerado uma espécie de campeão de tiro. Em paralelo a esta atividade, aderiu a religião evangélica, ao entrar na igreja “O Brasil Para Cristo”, e trabalhou, por cerca de dez anos, no comércio local.
Anos mais tarde, tornara-se bacharel em Direito, no Centro Universitário Braz Cubas, também em Mogi. No ambiente rígido e frio das leis e tribunais, TchaKa deu a primeira contração na mente fértil de Valder: no meio de um júri simulado, a professora virou e lhe disse: “Vai fazer teatro, isso não é pra você”. Pronto, semente plantada. Valder também estudou Artes Dramáticas no Teatro Escola Macunaíma, em São Paulo.
Em 2000, já formado, os amigos comentaram com Valder sobre um deles montar-se como drag na virada de ano para 2001. Ele hesitou em um primeiro momento, mas, voilà, quem estava, meses depois, montado, no réveillon?
“Meus amigos foram na Rua 25 de Março, compraram tecidos, makeups, ficaram 4 horas em cima de mim e o resultado ficou bem estranho. Por isso o apelido de TchaKa. A princípio não gostei mas hoje é chiclete, rs”, comenta sobre estar em drag pela primeira vez e ganhar o nome Tchaka devido ao ser metade humano metade macaco da série “O Elo Perdido”.
Ainda em 2000, dois acontecimentos definiram, para sempre, a vida de Valder: o encontro com o chef de cozinha Carlos, seu marido há 20 anos, e o início como drag queen, ao sabor do acaso, quando panfletava para a boate Nostro Mundo, nada mais, nada menos, do que a primeira boate gay do Brasil.
Em entrevista dada ao programa “Provocações”, na nova fase, apresentado por Marcelo Tas, TchaKa disse que, nesta época, lhe foi oferecida uma oportunidade para ganhar mais, porém, montada. Em um dos primeiros trabalhos já como drag, o dono da agência reconheceu o “star quality” dela, entretanto, assim como em toda novela, o destino havia reservado surpresas para ela.
No começo de carreira, TchaKa ouviu de uma pessoa importante da noite que ela devia decidir quem era, afinal, drag bonita não pode ser engraçada, caricata não é bonita e as ignorâncias seguem ladeira abaixo… Neste momento, Thália Bombinha surge com seu humor habitual e um conselho: “Se preocupa em ser a TchaKa, isso já vai te dar muito trabalho”.
No campo afetivo, a dificuldade da família de Valder para aceitar o combo bacharel mais drag assumido pelo filho, nem compara-se com uma relação do passado, tóxica e abusiva por natureza, na qual Valder, a cada desmunhecada, levava uma porrada. O ápice aconteceu quando, no meio de uma reunião despretensiosa de amigos, Valder quase foi atingido por um copo de whisky após agir como é de verdade: um homem gay cisgênero alegre, colorido e pintoso sim.
Todos estes acontecimentos, e mais alguns, foram fundamentais para a construção da TchaKa de hoje, a TchaKa de 2020. Drag queen? Sim, todavia, palestrante também, atriz, empreendedora, marketeira, empresária na “Agência de Animação TchaKa Eventos”, influenciadora digital e ufa… segundo a própria: “A Tchaka não é a mais engraçada (entre as drags), mas é a mais aceita”. Tá bom pra você?
Confira a seguir minha entrevista com ela. Convido-lhe para descobrir e deliciar-se, junto a mim, no fantástico mundo da TchaKolândia: nele TchaKa relembra do encontro com Marília Gabriela, a infância como criança veada, quem ela indicaria para RuPaul’s Drag Race Brasil, a vivência como evangélica e revela quais projetos estão vindo por aí. Confira:
No dia 23 de janeiro de 2014 você foi entrevistada pela Marília Gabriela no extinto programa do SBT, Gabi Quase Proibida. O que não foi ao ar que você gostaria que tivesse sido exibido? Já conhecia a Gabi?
Tudo que papeamos foi ao ar menos um bate-papo quando faltou energia no estúdio e eu pude quebrar o gelo brincando que entre meu maridão chef de cozinha, Carlito, e eu, ele era o velhinho do rolê porque eu sempre quero ir dançar, comer fora e ele cri cri cri. Marília afirmou que Gianecchini também era o velhinho do rolê porque ela sempre animada pra sair e ele preferia ficar em casa. Isso foi mágico pois ali estavam duas apaixonadas por seus homens mesmo eles sendo tão diferentes de nós.
“Me bateram muito porque eu era mariquinha”, você disse em um vídeo do canal “Guardei no Armário”, sobre ser uma criança veada. Sabemos que essa época foi difícil para você, mas quem te ajudou a torná-la menos difícil? O que as escolas devem fazer para evitar o bullying com crianças LGBTQIA+?
Sempre fui uma criança veada, sempre afeminada e muito comunicativa. Usei o humor para me salvar das surras no colégio, fiz esportes individuais (natação, atletismo, etc) para não ter que me relacionar com meus agressores.
Escolas precisam perceber essas crianças LGBTQIA+ e respeitá-las em suas diferenças. Sabemos que a educação no Brasil passa por um momento de desgoverno onde o próprio Ministro da Educação, Milton Ribeiro, fez afirmações contrárias aos direitos humanos fundamentais.
Ter estudado artes dramáticas no Teatro Escola Macunaíma, em São Paulo, contribuiu de qual jeito para a sua drag?
Me possibilitou perceber que formação, trupe, equipe e disciplina são fundamentais para a construção de uma carreira sólida. Tenho muitas lembranças dessa época. Dois nomes fortes que despontaram para o mundo de minha turma: Ricardo Sales, palestrante e presidente do Mais Diversidade; e a jornalista e apresentadora Maria Júlia Coutinho, nossa querida Maju, âncora do Jornal Hoje da Rede Globo de Televisão.
Nós infelizmente não temos, ainda, a versão tupiniqueen de RuPaul’s Drag Race. Se você pudesse escolher alguma drag para participar do programa, quem ela seria e por qual motivo?
[No] Reality Rupaul’s Drag Race brasileiro me vejo na posição de apresentadora por estar pronta e disposta e também na posição de jurada com a mesma vontade e tesão na alma. Caso a drag queen TchaKa pudesse escolher top 10 participantes para o reality seriam essas aqui:
- @denislacerdapiaf, grande drag queen cearense, ganhadora do Prêmio MultiShow de Humor, participante do grupo @astravestidas.
- @dragtiffan10, drag queen da nova geração, criativa e muito empenhada nas redes sociais.
- @frimes, direto de São Luís. Rainha Frimes brilha na capital do Maranhão, canta, dança, costura e tem uma presença de palco incrível.
- @mulherbarbada, cearense, essa poderosa é glamour e criatividade em forma de artista. Participa do grupo @astravestidas e canta divinamente.
- @reginadragqueen é versátil, dança, canta, interpreta e sabe militar com criatividade e força.
- @gysellapopovick, perfeita no visagismo, disciplinada, visionária e criativa.
- @valenttinidrag, humorista, roteirista e excelente presença de palco.
- @rayssabrevi, impecável no visagismo, maquiagem espetacular e excelente estilista.
- @dragstucujus, direto de Macapá, elas são perfeitas e resistência.
- @leonatopfluor, maquiagem impecável, colorida, dublagem e bate-cabelo perfeitos.