Dizem que o bom o filho a casa torna. Jorge Luis Flores Sanchez leva este ditado popular ao pé da letra. Por meio do Instagram ele anunciou seu último evento em Denver, capital do Colorado, Estados Unidos, antes de mudar-se para Dallas, no Texas. Mas espera aí: você não sabe de quem eu estou falando? Loca, please!
Nascido em 22 de fevereiro de 1974, em Bayamón, Porto Rico, Jorge é o criador da Nina Flowers, drag queen que, sim, você conhece de RuPaul’s Drag Race e o spin-off All Stars, logo, já sabe que ela é detentora de diversos recordes: primeira rainha a vencer um desafio principal na franquia, em sua estreia, em 2009; primeira a desfilar pela passarela; primeira a entrar no show através de votação popular e, por fim, mas não menos importante, a primeira a chegar à grande final sem nunca ficar entre as duas piores. Um histórico importante para o que viria a seguir.
Em 2012, no All Stars, Nina retorna à competição em dupla com Tammie Brown, no time Brown Flowers. Nesta nova tentativa, a dupla não fora tão longe: salvas no primeiro episódio, foram eliminadas na sequência, no episódio dois, do temido Snatch Game. Para ele Nina planejou fazer a cantora e compositora Cyndi Lauper, porém, no último minuto, mudou de ideia e optou por Lupe Victoria Yolí Raymond, conhecida como La Lupe, falecida cantora cubana.
Todos estes fatos apresentados até aqui, se você é um aluno aplicado na escola Drag Race, são de seu conhecimento, correto? Então agora eu te convido para conhecer a fundo a história de Nina Flowers, desde o princípio. Ou estamos falando do Jorge? Afinal, assim como no clássico da literatura mundial Frankenstein, a criatura tornou-se maior do que o criador, mas tudo tem um começo. E é sobre ele que nós falaremos agora.
Desde sua infância no município porto-riquenho no qual nascera, Jorge já era uma criança LGBTQIA+. O apoio familiar foi fundamental e existiu desde sempre. Depois de um ano como drag, sua mãe entendeu que seu filho não queria ser uma mulher. Ela, inclusive, foi a motivação para ele tentar uma vaga no elenco da primeira temporada de RuPaul’s Drag Race, porém, veio a falecer cinco anos antes da estreia do programa.
Enquanto crescia, Jorge comumente participava de shows de calouros, seja na escola ou em programas competitivos como o “Objetivo Fama”. Entre uma competição e outra, seu pai volta e meia acompanhava um amigo que era DJ em eventos. Jorge começou a interessar-se e juntou-se a eles para, logo em seguida, aos 16 anos, em 1989, conseguir sua primeira residência como DJ.
Nesta fase, ainda adolescente, o fascínio pela maquiagem é despertado. Em 1993, inicia sua carreira como drag queen. Seis anos depois, em 1999, debuta no mundo dos concursos de beleza e sagra-se como Miss Continental. É aqui que a Nina Flowers surge pela primeira vez: até então Jorge apresentava-se com seu nome de batismo, o que não é permitido nesta competição, sendo assim, para marcar esta nova era, ele homenageia à cantora alemã Nina Hagen pegando seu primeiro nome e unindo-o ao seu próprio sobrenome, Flowers, Flores em português, significado de Hagen.
Tempos depois, após um relacionamento vivido à distância por seis meses, Jorge sai de Porto Rico rumo a Denver. É nesta cidade que, em 17 de junho de 2007, ele começa a morar com Antonio Purcell, seu parceiro de vida até hoje, 13 anos depois. Nesta época nada foi fácil para ele: faltava trabalho, a língua inglesa dificultava todo o processo e seu mundo, até então resumido a suas raízes latinas, começava a causar-lhe estranhamento, mas o melhor ainda estava por vir.
Um amigo, conterrâneo de Porto Rico, lhe avisou de um novo programa, inédito na televisão, no formato de reality show, com inscrições abertas. Para participar, Nina teria que vencer uma competição online. Ela nunca tinha escutado falar de algo assim e, como tinha uma agenda flexível, resolveu ver no que daria. O programa era RuPaul’s Drag Race e o resultado você já sabe, não é?
De lá pra cá, Nina também, infelizmente, parou de performar ao vivo como drag queen. Aposentada dos palcos desde 2014, agora ela concentra toda sua energia criativa no ramo da produção musical e sendo DJ, além de ocupar-se como maquiadora artística e artista performática, funções que fazem sua agenda ser bem apertada, então, entre um trabalho e outro, aproveitei para entrevistá-la e saber como anda a vida dela. Confira a seguir.
Nina, pelas minhas contas, você começou a fazer drag em março de 1993, aos 19 anos, ou seja, você tem 27 anos de carreira. Nessas quase três décadas de drag, como você analisa o crescimento da aceitação das pessoas sobre esta arte?
É incrível o quão longe chegamos. Drag está no mainstream hoje em dia. Muito mais pessoas estão interessadas na forma de arte, e tem muito mais aceitação do que quando eu comecei. É uma coisa linda de se testemunhar e é incrível como ela evoluiu.
Se você pudesse formar um grupo pop só de garotas com mais quatro drag queens, quem elas seriam e por qual motivo?
Eu escolheria minhas irmãs drag porto-riquenhas, Jessica Wild e Yara Sofia, e minhas irmãs da primeira temporada, Bebe Zahara e Ongina. Eu simplesmente amo essas rainhas. Jessica e Yara eu as vi nascerem como drag queens e testemunhei como elas se tornaram drags superstars. Bebe e Ongina se tornaram minhas grandes irmãs desde a primeira temporada e, até hoje, continuamos amigas e nos comunicamos. Eu amo as duas em um nível pessoal e profissional.
Seu sobrenome drag homenageia Nina Hagen. Quando você conheceu o trabalho dela e quais três músicas você indicaria para quem não a conhece passar a amá-la já?
Me tornei uma grande fã dela através do meu primeiro namorado, Diego Ocasio. Diego e eu crescemos na cena punk e ele era um grande fã do trabalho dela. Ele me apresentou a ela e imediatamente eu estava fisgada. Nina Hagen é a mãe do PUNK ROCK. Algumas das minhas músicas favoritas são Nunsexmonkrock (álbum), Future is Now, So Bad, Revolution Ballroom (álbum), e Return of the Mother. Comecei a performar as músicas dela e as pessoas adoraram porque era completamente diferente do que as outras rainhas estavam fazendo. Ela é ÚNICA e até hoje eu ainda vivo por ela.
Infelizmente, Alex Soto, sua mãe drag, faleceu em 10 de abril de 2015. Quando você pensa nela, qual primeira memória vem à sua mente?
Há lágrimas de ALEGRIA em meus olhos ao responder a esta pergunta. Alex e eu tínhamos muitas memórias, ambas boas e ruins. Como qualquer família, tivemos desentendimentos, mas na maior parte fizemos muitas lembranças felizes juntas. Ela era a Rainha da Comédia em Porto Rico, mas também era uma artista muito versátil. Ela me levou sob sua asa quando eu comecei a performar e eu aprendi muito com ela. Me lembro de visitá-la em Porto Rico antes dela morrer e ela estava tão orgulhosa das minhas conquistas. Ela costumava dizer que eu era o Orgulho da Casa. Nunca a esquecerei e acredito que estaremos juntas em outra vida.
Sobre o All Stars 1, gostaria que você nos contasse algo que, junto a Tammie, vocês fizeram mas não foi ao ar e ninguém sabe até hoje. Um fato curioso, particular, engraçado.
Eu amo Tammie e a respeito tanto. Ela é uma artista única. Tenho um respeito louco por qualquer artista original e único. Eu realmente pensei que poderíamos arrasar essa competição juntas. Infelizmente, não era para nós. Não fizemos boas lembranças suficientes, já que saímos no segundo episódio. Tammie é como fogos de artifício. Ela só explode. Ela tem tanta energia, que às vezes era difícil chegar a um acordo com ela, mas não quero dizer isso de uma maneira ruim. Foi um desafio para mim me comunicar com ela.
É comum ver depoimentos onde você fala, afetuosamente, da sua mãe e família no geral, porém, como nem todos tem esse privilégio do apoio familiar enquanto LGBTQIA+, o que você diria para as pessoas da nossa comunidade que são forçadas a sair de casa cedo devido aos pais que não aceitam a sexualidade dos seus filhos?
Se mantenham firmes, irmãos e irmãs. Às vezes, nossas famílias biológicas não são necessárias como as pessoas para ter ao seu lado quando elas têm suas próprias lutas para lidar. Encontre sua própria família, faça seu próprio círculo. Eles certamente estão lá fora. A parte mais importante a reconhecer é que você sabe que não está sozinho neste mundo. Vivemos em uma sociedade que tem níveis de aceitação. Se você está sozinho, procure ajuda, busque grupos de apoio, faça amigos através de conexões e experiências positivas. Se você olhar, você vai encontrá-los.
Muitos desconhecem o fato de que sua carreira começou como DJ, e não como drag. Qual foi o momento que, enquanto tocava como DJ, você parou e pensou: “Porra, eu sou uma estrela”?
Tudo começou quando eu era criança. Eu tinha 12 anos quando tive meu primeiro conjunto de toca-discos. Comecei muito simples, fazendo pequenos eventos na escola e no bairro. De lá me mudei para eventos corporativos e festas privadas, como casamentos e aniversários. Até que fiz meu primeiro teste para um novo nightclub que estava abrindo em San Juan. Eu tinha 16 anos quando consegui o trabalho. Tive muitas residências como DJ na ilha, até me mudar para os EUA em 2007. Em 2008 foi o mesmo ano em que fiz o teste para RPDR 1ª temporada. Usei minha exposição no show para levar minha carreira de DJ para o próximo nível. É realmente o que eu sempre quis e o que eu estava destinado a fazer. Eu tenho discotecado por 31 anos, mas nos últimos 10 anos eu estive no radar onde eu posso dizer, eu fiz isso, eu sou uma estrela.
Suponhamos que uma pessoa não saiba nada da cena drag de Porto Rico e você terá que apresentá-la. Como é o drag latino, Nina?
Sem dizer isso porque venho de Porto Rico, mas algumas das rainhas mais fabulosas que já encontrei vieram de lá. Drag é ENORME em nossa ilha. Elas levam isso tão a sério. Todo mês há um concurso ou uma competição, e essas crianças não jogam, elas trabalham. Elas são realmente insanas com talento. Qualquer um que visite Porto Rico deve definitivamente conferir a cena drag. É espantoso.