Na quarta parte do especial Academia de Drags, você vai conhecer elas, as “Carterlicious”, a dupla que tem nível de afinidade unha e cutícula, Sindel e Kitana do Mortal Kombat em drag. Espera. Elas já não eram drags no videogame? Enfim, podem entrar, Hidra e Musa Von Carter.
HIDRA VON CARTER
Na mitologia grega a Hidra era um monstro com corpo de dragão movido a fome e raiva. Suas cabeças múltiplas podiam ir de seis a cem. Por sorte, aqui no mundo real, nossa Hidra tem uma cabeça, seu poder é ser drag queen e a única associação de seu nome a palavra mito é a conjugação do verbo mitar. Como diz a juventude: “mitou”.
Natural de São Paulo, capital, Hidra foi, das paulistanas, a que teve menos sorte na competição, sendo a primeira eliminada, porém, uma primeira eliminada privilegiada sim, afinal, no primeiro episódio – onde foi criticada por Alexandre Herchcovitch por não usar peruca com cor de cabelo real – não houve eliminação e ela foi salva.
“Eu me lembro que nós pegamos tudo que a gente tinha pra poder usar na academia, mas não era muita coisa, e não eram coisas super incríveis, exatamente por causa disso, porque a gente não fazia drag ainda”, afirma.
No segundo episódio, a irmandade drag é desafiada ao som de Lorena Simpson: juntas no bottom, Hidra e Musa dublam Brand New Day. Parafraseando a letra da música, um novíssimo dia começa para Hidra, agora não mais no Academia de Drags.
“Na época do Academia a gente começou a assistir RuPaul e não costumávamos sair muito. A Musa e eu fazíamos balé pra outras drags, dançamos com uma drag chamada Aysha Hold, com a Mariana Molina, que era drag na época, com Alexia Twister algumas vezes. Era Hidra, Musa e Vogue Von Carter, trio. Até então a gente não tinha feito nenhum show”, relembra.
De fato, a carreira drag de Hidra começou depois de sua passagem pelo Academia. O programa serviu como trampolim para o reconhecimento e, segundo afirma a própria:
“As pessoas olhavam pra gente e como o nosso foco sempre foi fazer shows inspirados em musicais, a maioria dos nossos shows, com muita rapidez as pessoas sabiam quem eramos nós. Falavam pra gente: tô louca pra ver o que vocês vão fazer hoje”.
No embalo da exposição a nível nacional e tudo que vem com ela, como fama, shows, entrevistas, novos projetos, compromissos, mais projetos… espera. Passaram-se cinco anos. Estamos no dia 19 de agosto de 2019, quando Hidra posta uma foto, no Instagram, ao lado de sua drag sister Musa e Pabllo Vittar. É sua última atividade online nesta conta que, apesar de estar desatualizada, tem 5.463 seguidores.
Hoje em dia Hidra vive num país muçulmano localizado na Ásia meridional. Ah, você já sabe qual é, não é? Aquele abaixo do Sri Lanka e da Índia. Isso mesmo: Maldivas. Hidra alugou uma ilha por lá e prefere não ser incomodada porque está descansando em poder. E beleza, claro.
A exceção fica por conta da entrevista que você confere mais abaixo, feita com Arthur Viana Calaguar, vídeo maker, fotógrafo, escritor e criador por trás da criatura, a senhora Hidra Von Carter. Com três nomes, como verdadeiras garotas de concurso de beleza da década de 90.
MUSA
Se Musa era uma baby queen em 2014, a Academia de Drags foi seu jardim de infância, uma espécie de “Xuxa Só Para Baixinhes Transformistas”. Na época, Flávio Ramos tinha apenas 18 anos e, assim como Hidra, sua carreira ainda não havia, de fato, começado.
Paulistana, Musa é cria de RuPaul’s Drag Race. Em seu Instagram, é fácil vê-la ao lado de Rugirls como April Carrión, Jessica Wild, Nina Flowers, Raja, Sasha Velour e Yara Sofia. No Brasil, seu primeiro ícone drag foi Uber Stripperella.
No programa, apesar da falta de experiência como drag, Musa garantiu aquilo que podemos chamar de “histórico curioso”. Venceu o mini desafio dos dois primeiros episódios, sendo salva ao final do primeiro; no segundo enfrenta Hidra na dublagem. Imagina dublar contra alguém que mora no mesmo condomínio que você? No terceiro episódio, ao som de “Acabou”, da Wanessa, Musa ganha o lip sync contra Laurie Blue. Ambas estavam no segundo bottom. Por fim, em sua quarta semana, Lavynia Storm manda Musa para casa após esta ter emendado três bottoms consecutivos.
Depois de passar por este web reality show, muita coisa aconteceu para Musa. E não me refiro só a seu primeiro death drop, feito em cinco de abril de 2019. O tempo e a estrada lhe trouxeram a maturidade e experiência para construir uma carreira que durou seis anos, mas foi interrompida por hora. No Making Musa, seu canal no youtube, o vídeo mais recente data de cinco de julho. No Instagram, sua última postagem ocorreu em 29 de julho, ambas as atividades neste ano.
“Realizamos nossos maiores sonhos artísticos, sonhos estes que chegaram a demorar dois anos pra acontecer como o show As Branquelas. Ainda há muitos sonhos para levarmos para o palco. Muito obrigada pelo carinho de todos vocês, fãs, amigos, parceiros. É por vocês e com vocês que continuamos sempre crescendo e evoluindo. Love wins”, diz.
Enquanto as atividades como queen não retornam, Musa aproveita para esclarecer, antes de algum desavisado perguntar, que ela também está nas Maldivas e deixou de caminhar na areia da praia para responder, junto a Hidra, amiga, parceira e irmã, esta entrevista lida por você na sequência. Como diria Silvetty Montilla, VAMOS LÁ?
Como foi o processo de entrada no Academia de Drags?
Gravei o vídeo no dia, chamei o Flavinho, falei: “Grava também”. Ele não ia poder gravar, só que ele deu um jeito lá na casa dele, não sei o que tinha no dia seguinte, foi, gravou também o vídeo comigo. A gente mandou, mas sem expectativa, só mandamos mesmo. Lembro que eu recebi um e-mail, ainda tenho esse e-mail da Academia de Drags, falando que eu tinha sido selecionado, que ela precisava de mais contatos pra poder falar comigo. Ela me ligou, a Lita, que era produtora na época, enfim, ficamos super animados.
E aí o sonho, infelizmente, durou pouco.
Tanto que eu fui desclassificado por um vestido que era um vestido extremamente simples que eu tinha, vermelho. No e-mail que a gente recebeu antes de entrar na Academia vinha o edital das roupas que seriam necessárias, só as roupas, não falava o que seria o challenge, só falava que tinha que ter um vestido de noite. Pra mim aquele vestido super ok e na real era muito simples. Depois que eu vi as meninas falei: “Bom, não tem pra onde correr, é isso mesmo”. Acabei batalhando com a Musa e fui a primeira eliminada.
Você é a nossa Cordelia Durango do La Más Draga, reality show drag competitivo mexicano. Ela foi embora no segundo episódio também e na primeira temporada.
Tive uma estada curta lá, o que acabou me botando na boca do Brasil foram os meus untuckeds. Quando eu fui gravar os depoimentos ele pedia pra dizer algo bom e ruim. Diga algo bom da roupa da Laurie, por exemplo: “Ah, é super bonita, traz uma estampa meio africana, aquele azul, acho que ela conseguiu compor muito bem o look”. Aí ele falou: “Diga algo ruim”. Eu tinha meu parecer ruim, o fato da roupa estar rasgada. Eles usaram na maioria das vezes as coisas negativas que eu disse, o que fez com que a galera me marcasse muito.
Os depoimentos seguiam instruções específicas, então?
A gente dava um parecer bom e um parecer ruim, mas eu vou dizer pra você: eles editaram e pegaram leve com os meus pareceres. Lembro quando eles falavam bem assim: “Agora um ponto negativo”. Nossa senhora, tiveram uns que eu falei pesadíssimos. Só depois que foi ao ar a Academia de Drags eu pensei: “Meu Deus do céu, se ele colocarem aqueles que eu falei no segundo episódio, o povo vai me execrar, acabou pra mim”. Graças a Deus eles não colocaram, dosaram, e o pouco que eles colocaram, causou.
Não imaginava que o processo de edição fosse assim, estou surpreso.
Acabei sendo a bitch, a má, a mean girl da primeira temporada. Inclusive me lembro que no encerramento, que teve aquele show na Blue Space, fiquei com muito medo do momento de entrar no show, por causa disso.
Você já estava sendo vítima da cultura do ódio seis anos atrás. Incrível como a prática do ódio não cai em desuso. Triste!
As pessoas me atacavam bastante nas redes sociais. Me lembro que na época eu fiquei bem chocado porque tinham blogs que falavam das meninas e tinham alguns que colocavam bem assim: “Da Hidra não vamos comentar porque não gostamos das atitudes, não apoiamos esse tipo de pessoa”. Sou super legal, cara, eu não sou chata. Aquilo foi a edição, obviamente a edição, mas tem que dar essa apimentada. Tanto que depois que eu saí a galera até comentava: “Nossa, queria ver os comentários da Hidra nesse episódio. Nossa, que incrível seria se a Hidra tivesse até esse episódio”.
E falando em episódios: o último deles foi sensacional.
Quando eu entrei no palco da Blue Space na final da Academia de Drags a boate foi ao delírio, foi tão ensurdecedora a gritaria. No vídeo é nítido, tão ensurdecedor que na hora eu fiquei em choque. Falei: “Cacete”. Não esperava o calor do público e depois tirei muita foto. A galera vindo falar: “Olha, não gostei nada de você, mas eu quero uma foto, porque você ficou icônica, ficou marcada”.
O que fazer depois do fim da Academia?
Depois disso, a nossa meta quando entramos na Academia de Drags, por a gente já ter dançado com a Alexia, com várias drags, era fazer parte do elenco da Blue Space. Depois que a gente saiu da Academia em alguns meses já estávamos dentro. A Marcia Pantera nos chamou pra fazer um show com ela, surgiu a oportunidade de um show na Priscilla, que seria a Broadway. Fizemos A Família Addams. A gente começou a viajar o Brasil, fazer show na Blue, nos tornamos parte do elenco, foi incrível.
No final das contas, pesando na balança, Academia de Drags foi uma experiência boa para vocês?
Academia de Drags foi super simples a primeira temporada, no entanto, quando eles lançaram a segunda temporada, não falaram que seria toda, ah, diferentona! A galera em peso se inscreveu, o Brasil todo. Se eu não me engano, acho que foram 18 mil inscrições. Muita gente, muito artista, ou seja, disso que eu tenho orgulho…
Nossa, um número bastante expressivo!
Não me lembro com exatidão, mas eu me lembro que foi muita gente, foi muito impressionante. Eles trouxeram até drags de outros estados, foi incrível. As pessoas mandavam mensagem pra mim e pra Musa, porque até então a Popovick não fazia Blue Space. Só quem saiu da Academia de Drags e fez Blue Space imediatamente foram Musa e eu. A galera mandava mensagem pra nós duas falando bem assim: “A gente quer fazer igual a vocês, quer pegar oportunidade e fazer acontecer, a gente quer fazer Blue Space também”. Meio que a gente acabou sendo de primeira o exemplo do que fazer, entre aspas, para conseguir chegar no palco da Blue que até hoje é o principal palco drag brasileiro. É muito importante pra cultura drag do Brasil a Academia de Drags, foi muito importante.