Anunciada em 2018, AJ And The Queen conta a história de Robert Lee, um homem gay de meia idade, que após levar um golpe de milhares de dólares do seu namorado, decide fazer uma turnê pelos Estados Unidos se apresentando em várias boates como a drag queen Ruby Red. Mas os planos precisam ser ajustados quando Robert descobre escondida em seu trailer uma garotinha chamada Amber Jasmine (AJ), que foi abandonada pela mãe.
E assim caímos neste que é um trabalho completamente diferente do que estamos acostumados a ver de RuPaul. Embora haja muita performance, dublagens e bate cabelo, não se trata de mais uma versão de Drag Race, mesmo que várias rainhas do programa apareçam no decorrer dos episódios. Por dez episódios vemos Robert tentando reerguer sua vida após ver seus planos de abrir sua própria boate destruídos, enquanto tenta levar AJ para morar com seu avô no Texas.
Não se deixem enganar pela premissa simples, a série é ótima e consegue tratar com leveza e humor temas sérios, como a solidão de homens gays mais velhos e o abandono parental. Mas até chegar nessa entendimento e cair de cabeça de vez na história enfrentamos alguns obstáculos.
A CHATICE DE AJ
O primeiro deles é com certeza a chatice de AJ. Por ela ser uma das protagonistas, tem bastante tempo de tela, o que é um problema se a personalidade irritante e malcriada dela te incomodar. E no meu caso incomodou bastante. Contudo, isso faz parte da construção da personagem.
AJ é chata? Sim! Mas com o tempo a gente consegue entender a razão. Amber Jasmine foi negligenciada e abandonada pela mãe, que é usuária de drogas e garota de programa, então ela desconfia de todos e vive tentando aplicar golpes em quem aparece na sua frente. A criança que se sente enganada pela figura adulta que deveria protegê-la não consegue confiar em mais ninguém, então é um desafio e tanto para Robert quebrar a dura casca que AJ construiu em torno de si para se proteger desse mundo tão cruel. E é nessas tentativas que a magia da série acontece, seja no acampamento que AJ se transforma em um homem para performar Grease ou quando ela vai parar num hospital após machucar o braço brincando num balanço com Robert.
Vários espectadores criaram uma grande resistência com a personagem infantil, sem se esforçar em entender de onde vinha tanta fúria e revolta com o mundo. Essa aversão à AJ de certa forma serve como uma auto-avaliação dos privilégios daqueles que foram criados em um ambiente seguro e saudável, o que não se aplica a Amber. O que ela faz, faz por necessidade e criança nenhuma devia passar pelas provações que AJ passou.
O que achei curioso é que se a RuPaul de Drag Race não tem paciência para conversar dois minutos com as rainhas do show se não for diante das câmeras, duvido que na vida real ela aguentaria uma criança insuportável como AJ é nos primeiros episódios. Mas isso são apenas suposições…
A INGENUIDADE DE ROBERT
A primeira vista Robert Lee, um homem de mais de 40 anos, parece muito ingênuo por ter caído na lábia de alguém que conhecia tão pouco e deixou em suas mãos todas as economias de sua vida. Robert não sabia onde Hector morava, não conhecia sua família e tão pouco sabia importantes informações da vida dele. Contudo, isso é tão comum entre pessoas LGBTs.
Ainda vivemos em uma sociedade muito é intolerante, muitos namoros entre LGBTS são sigilosos e quando o casal decide torná-lo público é depois de um longo tempo juntos. Se então adicionarmos nessa equação raça e idade as coisas são ainda mais complicadas. Um homem gay negro já na meia idade, tendo experimentado rejeição por toda sua vida, ao se deparar com um “príncipe” estilo Disney acaba se entregando para esse amor sem ressalvas, para poder viver o que nunca teve, tornando-se a vítima perfeita do príncipe que não passa de um sapo.
E no decorrer da série vemos as várias rejeições que Robert Lee sofreu: na adolescência, era o amigo gay que brincava escondido com a amiga hétero; nas boates sempre entrando em atrito com outras drags, tornando-se uma figura solitária; com AJ a certeza que nunca poderia ser seu guardião legal…
Mesmo com tanta negatividade AJ and The Queen é uma série sobre superar as adversidades com muito brilho e glamour. Como Robert sempre procura ver o mundo por uma lente de otimismo e positividade não temos tempo de embarcar numa onda de tristeza. Então nos entregamos a toda fantasia que o drama nos propõe. E essa magia ocorre graças a ótima química entre AJ e a maravilhosa drag Ruby Red.
LIPSYNCS
Em todos episódios temos a chance de ver Robert se metendo em alguma confusão e sendo salvo por seu alter ego drag Ruby Red, que quando não está se apresentando, está se passando por uma enfermeira da Jamaica. Há dublagens em, praticamente, todos os episódios. Mas não espere ver performances de tirar o fôlego.
Embora mama Ru faça sincronias labiais ótimas e use looks deslumbrantes, o peso da idade é perceptível, o que faz Ruby Red se manter em sua zona conforto, com simples passos de coreografia, balançando os braços e as pernas, sempre fazendo o carão que tanto admiramos.
E isso que importa, a confiança extrema que a drag passa em suas performances compensa a falta de acrobacias e death drops, afinal dublagem não é apenas malabarismos e revelações.
OS VILÕES
Na série temos basicamente dois vilões principais, Lady Danger e Ramirez/Damien Sanchez, a dupla que deu o golpe em Robert Lee. Os dois seguem no encalço de Robert para fazê-lo pagar por tê-los denunciado à polícia.
Porém não espere muito dos vilões, pois são muito canastrões e sem nenhum carisma. A gente nem torce para que eles se deem mal, apenas que sumam e não apareçam mais na tela, pois eles aparecendo tiram a chance de outras personagens mais interessantes de brilharem. FOi uma dupla completamente sem sal e perdida no roteiro.
As vilãs vividas pelas drags como Kennedy Daveport, Mariah Paris Balenciaga, Jade Jolie e Trinity The Tuck, foram de longe os melhores e mais divertidos momentos de vilania da série. Então fica a dica para uma possível segunda temporada.