No último dia 19 de dezembro de 2019 a Alemanha e o mundo presenciaram uma rainha proferir suas primeiras palavras após ser coroada: “Por favor, respeite todas as pessoas. Sem respeito, você não pode entender diferentes tipos de pessoas. Somos todos iguais e nascemos nus. Ame seus semelhantes, respeite-os, trate-os bem e todos nós precisamos nos amar mais”.
A dona do discurso acima é Yoncé Banks, vencedora da, por ora, única temporada de Queen of Drags, reality show alemão, exibido pelo canal ProSieben, a partir de 14 de novembro de 2019, com apresentação de Heidi Klum, Bill Kaulitz e Conchita Wurst.
Logo na estreia desta competição, “The Art of Drag”, Yoncé entrega uma boa primeira impressão ao fazer uma dublagem de “El Anillo”, de Jennifer Lopez. Sua performance fora recebida com três dez, um deles de Olivia Jones, jurada convidada especial, e um nove, de Heidi Klum. Com 39 pontos, garante para si a vitória, mas seria somente esta?
Depois de ficar em segundo lugar na pontuação geral nos episódios dois e três, é no quarto episódio, “Divas & Icons”, que a estrela de Yoncé volta a brilhar: separadas em grupos, as seis drags restantes são divididas entre os grupos A e B para uma dublagem em grupo e outra individual.
Participante do grupo A, Yoncé dublou, junto à Bambi Mercury e Catherrine Lecrery, o hit “Independent Woman”, das Destiny’s Child. Sozinha, ela performou “Baby One More Time”, de Britney Spears. No final do dia, Yoncé acumulou 19 pontos e, com isto, sua segunda vitória. O fato curioso é que, de sua nota, seis pontos foram dados por Pabllo Vittar, jurada convidada da vez. Foi a maior nota dada pela cantora nesta ocasião.
Na sequência, no penúltimo episódio, “Horror & Halloween”, como o nome já sugere, as cinco drags tiveram que executar um número com base no mundo do terror. Yoncé dublou a música “I Fink U Freeky”, de Die Antwoord, o que lhe garantiu 15 pontos no placar e mais uma vitória, porém, empatada com Vava Vilde.
Finalizando sua jornada em Queen of Drags, Yoncé realiza, no sexto episódio, um número em grupo com Candy Crash, Catherrine Lecrery e Katy Bähm. Juntas, elas performam “Lady Marmalade”. Como último desafio, esta drag apresenta um lip sync de “Standing on The Sun”, de Beyoncé com Mr. Vegas.
Com 11 pontos, dois deles dados por Laganja Estranja, Yoncé colocou um ponto final em sua participação em Queen of Drags da melhor maneira possível: sendo dona do título de primeira Rainha das Drags com uma capa na revista Cosmopolitan, uma viagem paga para o Orgulho de Nova York e seu rosto em campanha da MAC Cosmetics, com três de seus produtos preferidos em destaque, além, é claro, de um generoso cheque de 100 mil euros. Como assimilar tudo isto e compreender a pessoa? Indo a fundo na história de Yoncé, claro.
Nascido em 1994, em Paderborn, Alemanha, Savvas foi criado por pais autônomos. Sua mãe dirigia o restaurante da família, porém, não pense que ela se resumia apenas a administração do negócio: além de cuidar das finanças, também assumia a organização familiar. Uma heroína, segundo o filho.
Mesmo com este apoio e incentivo dos amigos para ser quem quiser ser, Savvas não passou impune pela escola primária: é quando ele conhece a palavra bullyng e suas consequências nada amistosas. Quando era criança, algumas pessoas o ofendiam verbalmente na rua por pura homofobia e ódio, entretanto, o preconceito não consegue impedir o que precisa nascer, como veremos agora.
Enquanto crescia, Savvas, então com 17 anos de idade, em 2011, começa sua formação como cabelereiro em Paderborn. Quatro anos depois, em 2015, ele está sentado na cozinha na companhia do melhor amigo quando de repente toca a música “Yoncé”, de Beyoncé. Tcharan: nome drag escolhido, mas e o sobrenome? Banks, de Tyra Banks. Yoncé ressalta que adora o fato de ambos os nomes terem cinco letras e serem fáceis de escrever com potencial para o estrelato.
Ainda em 2015, é quando a vida de Savvas muda definitivamente, e para melhor. Uma drag queen de Hamburgo precisava de um dançarino de apoio para o palco devido a um imprevisto. Uma amiga lhe informou da oportunidade, Savvas aceitou e teve seu primeiro contato com drag queens.
Após a descoberta deste novo mundo, seduzido pelo processo de transformação das drags, Savvas resolve começar a se montar. Para ele, não se tratava de algo totalmente inédito: como cabelereiro, poderia cuidar de perucas e também se maquiar. Mais do que isto, como drag, conseguiria performar gênero, homenagear as mulheres e suas diversas facetas e, claro, entreter as pessoas e fazê-las deixarem os problemas bem longe. Um ideal de carreira estava sendo desenhado? Sim.
Nos anos seguintes, enquanto aperfeiçoava sua drag, a sorte bateu a porta de Yoncé: através do Instagram ela foi contatada para fazer parte da primeira temporada de Queen of Drags. Anteriormente, ela e mais 19 drag queens que participaram do “Drag Walk” foram inscritas para o programa, todavia, pouco fora revelado e as candidatas achavam que seria, de fato, uma versão alemã de RuPaul’s Drag Race. Mas não era.
Com dinâmica própria, em Queen of Drags as rainhas são confinadas em uma mansão em Los Angeles, o que permite ao público vê-las em atividades corriqueiras, como cozinhar e limpar a casa. Segundo Yoncé, não existem instruções prévias da produção sobre como o elenco deve se portar ou, melhor dizendo, o que devem falar.
Para esta competição, as participantes puderam preparar antes suas performances, escolher músicas e editá-las como bem entendessem. Esta liberdade se estende naturalmente aos tópicos levantados, como bullyng, homofobia e racismo. Aqui as drags, mais do que disputarem entre si, levaram representatividade LGBTQIA+ para as famílias alemãs, junto a uma mensagem de respeito, amor e aceitação.
Estes sentimentos foram bastante utilizados por estas drags, oriundas da Alemanha, Áustria e Suíça. Todas já se conheciam antes de Queen of Drags, mesmo que apenas online. Fora do mundo virtual, a vitória de Yoncé repercutiu, inclusive, no campo político: o prefeito Michael Dreier a convidou para um café na prefeitura de Paderborn. O tema do encontro? Sua carreira como drag queen e a relação especial que mantém com esta cidade.
Deusa bronzeada da dança banhada em glitter, Yoncé transformou sua participação neste reality show em um caixa eletrônico: desde então ela recebe mais e mais pedidos de aparições e propostas publicitárias. A vida de drag consome sua agenda, o que a obriga a trabalhar como cabelereira somente por meio período, mas não lhe impede, por exemplo, de lançar músicas. São dois singles até aqui. O que mais falta fazer, Yoncé? O que vem por aí? É o que você descobre logo abaixo, na íntegra, na entrevista que fizemos. Confira!
A segunda temporada de Queen of Drags já foi confirmada. Quando você pensa na sua temporada, a primeira, quais foram seus principais acertos como reality show?
Nossa temporada foi tão boa! Claro que houve alguns erros de comunicação sobre as apresentações, por exemplo, é por isso que nem todas as rainhas pediram dançarinos ou mais adereços. Para mim, o corte do programa às vezes era um pouco chato e poderia ter sido muito melhor porque demos a eles muitas filmagens boas. Nós tivemos um tempo tão bom e nos divertimos muito em Los Angeles. Mas nós ainda escrevemos história na Alemanha. O drag não é tão grande na Alemanha quanto nos Estados Unidos e tínhamos um dos maiores e mais populares canais de TV alemães, “ProSieben”, e o mais importante horário de TV na Alemanha: 20:15 – 8:15 PM. Inspiramos muitas pessoas aqui e isso é algo de que temos muito orgulho. Infelizmente, a 2ª temporada do Queen Of Drags foi adiada por um tempo desconhecido por causa da pandemia.
Vamos supor que o Drag Race Germany acontecerá. Se você pudesse escolher as drags do elenco, quem definitivamente estaria no programa?
Para ser honesta, todas nós dez, garotas do Queen of Drags, seríamos o Drag Race Germany, mas elas fizeram seu próprio conceito. É claro que todas nós dez teríamos sido incríveis em RuPaul’s Drag Race, mas nós temos rainhas alemãs muito boas. Essa é uma pergunta muito difícil que eu realmente não posso responder.
Todo mundo sabe da sua relação com Beyoncé: seu nome é Yoncé e você é fã dela desde criança. Imagine, então, a seguinte situação: você pode performar quatro músicas dela no aniversário da própria, no dia 4 de setembro, em uma festa exclusiva, mas essas músicas não podem ser as que todos conhecem. Quais são elas, Yoncé?
Sou fã da Beyoncé desde os 6 anos, haha. Isso é muito difícil!!! Suas canções são conhecidas de forma diferente em diferentes países. Se eu pudesse performar músicas que não são muito conhecidas na Alemanha, eu performaria:
- Standing on the Sun
- Partition
- 6 Inch
- Dance For You
Se eu tivesse que executar músicas inéditas dela que não estão em nenhum álbum, então:
- Forever To Bleed
- Waiting
- Back up
- Control
Entrevistei sua irmã brasileira de temporada, Catherrine Lecrery. Como foi sua convivência com ela durante o programa? O que você sabe sobre o Brasil além dela?
Eu amo Catherrine. Ela sempre nos chamou de suas filhas e nós a chamávamos de mãe. Nós nos divertimos muito juntas e ela adorava quando eu cozinhava macarrão para ela. Ela me falou muito sobre o Brasil e como cresceu como um garoto gay aí. Eu também sei por vários documentários da Beyoncé que os fãs no Brasil são tão enérgicos e ferozes. A política e a homofobia aí me deixam muito triste e espero que isso mude logo para melhor! Fiquem fortes, rapazes.
Você pode mudar de corpo e personalidade com uma drag queen por um dia, esteja ela viva ou não. Quem você escolhe? Qual é a primeira coisa que você faria no lugar dela?