Vroom, vroom, bitches: vinde de uma galáxia distante, onde o fascismo foi superado e na qual as pessoas são celebradas pela beleza de serem o que são, pousa na terra à rainha alienígena que, além dos rastros espaciais, traz consigo o seguinte questionamento: quem te disse que o céu é o limite?
“Eu sou à Rainha Alienígena. Nós somos os esquisitos, os estranhos por fora. Não fazemos disso um segredo, mostramos ao mundo nossos dentes. Suportando, gritando, batendo nossas caudas. Tocando, coçando nossas unhas de 6 polegadas”.
Estas afirmações acima, caro leitor, não lhe causarão estranhamento quando você souber que elas são de ChelseaBoy, drag holandesa celebrizada internacionalmente ao participar da primeira temporada de Drag Race Holland, exibida de 17 de setembro à cinco de novembro deste ano.
Nesta versão da competição americana, a quinta internacional, ChelseaBoy conseguiu o grande feito de, no total de seis semanas em que permaneceu no show, em quatro delas ter ficado entre as melhores, sendo salva no segundo episódio. O sexto deles, “It Takes Two”, foi seu calvário: após o tradicional desafio do makeover [transformação], soldado espacial ChelseaBoy bateu continência, dublou “9 to 5”, de Dolly Parton, contra Janey Jacké, e despediu-se de Drag Race Holland.
Se por um lado ChelseaBoy não vencera a temporada, sua presença fora igualmente importante para mostrar ao público que sim, drag, como arte, não pode ser domesticada e se temos barreiras de gênero impostas, usaremos nossa plataforma para derrubá-las, uma por uma.
Tudo isto faz muito mais sentido quando sabemos que a ChelseaBoy de hoje, artista visual, cantora, performer, clubkid, entertainer e figurinista, literalmente viajou por muitos planetas até ficar confortável na própria pele de escorpiana. Nos primórdios de sua carreira, seu nome era Chelsea Brandy e sua persona drag focava mais em ser uma impersonator de mulheres.
Com o tempo e a maturidade natural que ele traz consigo, nossa drag rebatiza-se e passa a chamar-se como todos a conhecem atualmente: ChelseaBoy, nome derivado de “Chelsea Boys”, história em quadrinhos dos anos 90 criada por Glen Hanson e Allan Neurwirth.
A obra, publicada de 1998 à 2008, fala sobre três homens gays que vivem em Chelsea, no bairro de Manhattan, Nova York. Para esta artista, resume o que ChelseaBoy é. E já que estamos falando dela, sobre como sua persona nasceu, qual foi a reação de seus pais ao fato de Brian van der Heijden, o criador por trás da criatura, fazer drag?
Para eles, foi algo completamente novo. Eles não sabiam sobre do que trata-se drag. Aos poucos, Brian mostrou aos pais, com seu próprio trabalho e diálogo, o que é a arte drag de verdade. Valeu a pena: pai e mãe o apoiam e acompanham seu trabalho, trabalho este experimentado aos 16 anos, quando fora montada pela primeiríssima vez.
No mundo drag, sua mãe é a Snorella WC. Dando linhagem à família, sua filha é Secreet Seleen, a qual indica para a segunda temporada de Drag Race Holland. Ela também gostaria de ver no programa nomes como Darcvalac e, claro, mulheres que fazem drag pelo legítimo direito que elas tem de fazer isso e ponto final.
Saindo do mundo de Drag Race Holland e voltando para ChelseaBoy: outro de seus talentos notáveis é a música. No “Milk Shake Festival” ela cantou um medley de canções dos anos 80. Da década de 90, o clássico “Enjoy The Silence”, do Depeche Mode, também já ganhou seus vocais, assim como “Every Breath You Take”, do The Police, e “I’m Not In Love”, do grupo setentista 10cc.
E esta pluralidade musical de ChelseaBoy não resume-se apenas à música, não. Depois de ler esta matéria vá ao perfil dela no Twitter e veja os posts e comentários feitos pela própria em um bom e claro português. Português. Isso mesmo, a nossa língua, a qual ela acha interessante.
Nesse quesito, Renato Zamagna, seu amigo e empresário há alguns anos, foi fundamental. Renato é brasileiro e acabou assumindo a função de professor de língua portuguesa para ChelseaBoy. Ela, que já viajou para Lisboa e adora aprender novas línguas, é realmente alguém de olho em nosso país, afinal, não esqueça de sua amizade com Miss Abby OMG: as duas são amigas de longa data, já performaram juntas e mantém uma relação de irmandade, de fato, que estende-se ao programa que as tornou famosas em todo o mundo.
Para falar sobre esta experiência singular e outros feitos daquela pessoa que ama comer milho e odeia pizza de abacaxi, a “Who’s That Queen?” fez sua primeira entrevista interplanetária com ela, a rainha do universo, aka ChelseaBoy. Confira logo abaixo:
Para começar, gostaria que me explicasse por que toda vez que penso em você a primeira imagem que me vem à mente é o seu Miss Holland Look? Como esquecer?
É interessante você pensar sobre isso. Nesse visual eu realmente saí da minha estética conhecida para verdadeiramente mostrar algo hiperfeminino. Simultaneamente, é exatamente o meu objetivo com a minha drag, apelar para pessoas diferentes de maneiras diferentes e despertar nelas uma faísca como: ‘Agora que vejo esse visual específico, eu posso me identificar com ChelseaBoy e, portanto, comigo mesmo’. Andar naquela passarela foi meu momento mais divertido no show.
Reunindo todas as Rugirls das versões internacionais de Drag Race, temos 56 drag queens. Como é chegar a essa nova família?
É brilhante fazer parte desta família. Cada rainha, cada RuGirl, tem algo único para oferecer e a oportunidade de possivelmente trabalhar com algumas delas realmente me excita.
Em termos de desafios que você participou no programa: quando lembra deles, quais são os seus três momentos favoritos por ordem de importância?
Meu mais divertido foi o Snatchgame, no qual eu superei meu último medo de falar em público e apenas vomitei palavras que vieram à mente. Segundo seria o desafio de vogue, no qual eu realmente estava no meu elemento. Eu sou uma dançarina e enquanto ensaiava aquela coreografia, esqueci por um momento que estava em uma competição. Por último, a experiência mais divertida teria de ser o desafio do tanque de água, mesmo que eu tenha falhado tão horrivelmente! Haha.
Mulheres cisgênero/trans, homens trans e pessoas não-binárias em geral, infelizmente, ainda não são bem recebidos como merecem na comunidade drag. Por que você acha que isso acontece?
Ser banido e condenado ao ostracismo é algo que frequentemente acontece com qualquer pessoa no cenário LGBTQIA+ e, infelizmente, este é um ciclo vicioso. No entanto, acredito que esse estigma está desaparecendo rapidamente, à medida que as pessoas se educam e mostram que drag realmente não tem limites. Nós nascemos livres, então, todos devemos realmente ser capazes de sentir que somos livres.
Entrevistei Sederginne recentemente e quando falamos sobre música, ela disse que você tem uma voz muito boa para cantar. Você pretende lançar um single? Falando nisso: a drag music pode ser mainstream?
Haha, isso é tão doce da Sederginne! Eu sou cantora e já me apresentei ao vivo muitas vezes, eu posso estar cozinhando algo! A drag music pode ser absolutamente mainstream, assim como drag em si pode. Nós estamos realmente vendo uma rápida mudança do drag ser underground para algo que é bem-vindo pela indústria da moda, beleza e música. Olha a Pabllo Vittar, ela foi além de ser uma drag queen para uma superestrela internacional. METAS!
Como você relaciona-se com a música aliada à performance?
Acredito que todos devem performar números com os quais possam se relacionar de alguma forma. Eu não acho que existem certos números que todos deveriam fazer pelo menos uma vez, faça o que faz seu barco flutuar! Eu realmente amo Private Dancer da Tina Turner e as músicas de Kate Bush e Cyndi Lauper.