Entre as trivialidades que RuPaul costuma usar para promover seu reality show de competição, ela enfatiza que RuPaul’s Drag Race é sobre a tenacidade do espírito humano. A declaração está em consonância com a marca da psicologia pop que RuPaul frequentemente demonstra no programa, mas depois de décadas como a mais famosa drag queen do mundo, ela tem uma perspectiva.
RuPaul’s Drag Race se incorporou como um farol do moderno zeitgeist*. As participantes do programa se consolidaram como nomes familiares para platéias que se apegam a suas personalidades, celebram seus talentos e se irradiam do triunfo das rainhas sobre suas, muitas vezes trágicas, histórias de vida. Então, sim, os fãs de RuPaul’s Drag Race amam suas rainhas, e uma grande parte disso é porque elas representam a tenacidade do espírito humano.
Pelo menos este é o alicerce no qual RuPaul’s Drag Race foi construído. Dez temporadas e quatro All Stars, o programa descobriu o truque para um nível de popularidade normalmente reservado para franquias como Harry Potter ou Star Trek. Isso pegou um nicho de singularidade e conseguiu atingir um nervo cultural decisivo, o suficiente para se tornar uma indústria de entretenimento. RuPaul’s Drag Race é um programa sobre ambição, engenhosidade, visibilidade e, claro, a tenacidade do espírito humano. Mas a história do seu crescimento centrou-se em torno do dinheiro.
RuPaul’s Drag Race e suas rainhas são o olhos do furacão em uma tempestade de potencial econômico.
Listar todas as oportunidades que trouxeram as rainhas de Drag Race para a consciência popular – ou pelo menos vizinhas à popularidade – seria uma tarefa substancial. Mas para citar alguns: As fanfavorite Willam e Shangela tiveram papéis no filme de Lady Gaga e Bradly Cooper, A Star is Born. A vice-campeã da 9ª temporada, Pepperminta, pareceu em Head Over Heels, tornando-se a primeira atriz abertamente trans a ter um papel principal na Broadway. Kim Chi, Detox e Shea Coulee estrelaram uma recente campanha de feriado para a gigante de cosméticos Lush.
Para completar, há o RuPaul’s DragCon semestral, onde os fãs distribuem centenas de dólares pelas mercadorias de sua rainha favorita, além dos preços de entrada já caros, e esperam horas na fila para coletar selfies cara a cara. O mais recente Los Angeles DragCon, realizado no LA Convention Center, atraiu mais de 50.000 participantes.
Como a arte drag continua a tornar-se cada vez mais popular, a VH1, o canal que exibe RuPaul’s Drag Race, capitalizou o interesse crescente no programa e nas rainhas que ele exibe. Até o final de 2018, a VH1 terá transmitido três temporadas de RuPaul’s Drag Race, com a terceira temporada do All Stars, a 10ª temporada e a quarta edição do All Stars, todas em um único ano.
Abrangendo desde os dias do cinema simplório até Paris Hilton vivendo uma vida simples, reality show é uma das galinhas dos ovos de ouro da TV. Estes são programas que podem ser produzidos de forma rápida e barata, e quando as estrelas se alinham e um programa ressoa com o público, uma rede atingiu o ouro, assim como a VH1 fez com RuPaul’s Drag Race.
Tem sido animador ver o programa atingir seu nível atual de sucesso, mas ainda é chocante imaginar isso nesse contexto. Como evento anual, cada temporada de RuPaul’s Drag Race era motivo de comemoração. Cada All Stars foi um marco. Agora, como a frequência do show triplicou, é difícil imaginar que o programa não perderá parte de seu brilho. A indústria do entretenimento tende a expor demais suas estrelas mais brilhantes até que elas diminuam e se esgotem.
VH1 exibiu consecutivamente o All Stars 3 e a 10ª temporada, levando a 22 semanas ininterruptas de Drag Race. Depois de apenas alguns meses fora do ar, o show retornará para sua quarta temporada de All Stars, com a décima temporada do reality esperado para ser exibida logo em seguida. Com este nível de produção, é inteiramente possível que o mundo sofra com a fadiga da “corrida drag”. Mas, as consequências de Drag Race perder seu público principal, sendo um programa que proporcionou oportunidades econômicas sem precedentes e transformou as estrelas em um elenco de pessoas marginalizadas, vão além de uma mera queda nos índices de audiência. Uma perda de interesse em Drag Race é potencialmente prejudicial para a comunidade queer (LGBTs) como um todo.
Com o show sendo produzido em seu novo ritmo de trabalho, Drag Race arrisca sacrificar sua capacidade de elevar adequadamente as histórias e talentos de suas rainhas. Essa é uma perspectiva assustadora, já que a televisão ainda está nos estágios iniciais de entender como representar adequadamente as pessoas LGBTs.
A magia do show sempre se escorou nas especificidades da comunidade LGBT. Foi, e continua sendo, um dos únicos programas na televisão com muitos gays, mulheres trans e indivíduos não-binários, em toda a sua vibrante complexidade. Uma identidade outrora marginalizada arrancada dos bastidores e trazida à atenção nacional, as rainhas de Drag Race surgiram como celebridades, modelos e deusas da comunidade, como personificações da alegria queer desinibida. No pior dos casos, muito Drag Race levará o show a perder seu poder de inspirar.