Lá em 2014, quando as RuGirls começaram a vir em peso para o Brasil, Latrice e Milk foram anunciadas como atração em São Paulo. Eu fiquei louca de alegria e tristeza ao mesmo tempo. Feliz pela minha rainha favorita, Latrice, vir ao Brasil pela primeira vez e arrasado por não poder ir, afinal era em São Paulo e eu sou de Belo Horizonte e para piorar não tinha grana. E para me arrasar ainda mais, ela veio na época do meu aniversário, em fevereiro.
Na época eu já administrava no Facebook o grupo DRAG | Deluxe e os membros mais assíduos de lá sabiam da minha devoção por Miss Royale. Varios sugeriram que eu fizesse uma vakinha online para juntar grana e ir conhecer Latrice, mas eu descartei a ideia. Tinha causas mais nobres a serem ajudadas do que me levar a São Paulo.
Infelizmente não pude ir. Contudo, algumas almas maravilhosas me deram presentes incríveis. Primeiro foi o vídeo surpresa que a queen Malonna gravou para mim com Latrice e Milk me desejando Feliz Aniversário. Olha que amor!!!!
Depois foi o presente que o Robson Lopes, membro do DRAG | Deluxe, me enviou: um pôster do show autografado pela Milk e uma camisa autografada pela Miss Simpatia da S4.
Obviamente todos esses presentes me deixaram muito feliz. Mas ainda não tinha conhecido minha razão de viver em RuPaul’s Drag Race.
Avançamos no tempo e chegamos em 2015. Dessa vez é anunciada a vinda de Latrice a Belo Horizonte, MINHA CIDADE, CARALHO!!! Mas aí o problema era o primordial de todos, falta de grana…
Um breve resumo sobre minha situação em questão, sou formado em publicidade, mas só passei raiva na área: precarização da mão de obra, baixa remuneração, exploração ao máximo e muito racismo. Ser preto e veado é foda em qualquer área. Até mesmo no meio publicitário dito tão “inclusivo e diversificado”. Tudo isso é balela para iludir a massa, a realidade é dura e cruel. Então desisti da profissão, logo sem trabalho com renda fixa, sem dilmas (o golpe não tinha rolado ainda, então a nossa moeda vigente era a dilmas) para poder ir ao show.
Mesmo assim, fazendo uns freelas consegui comprar meu ingresso de Meet & Greet para ir ao show de Latrice. E fui!!!
A data do show era 5 de setembro, uma sexta-feira. Claro que cheguei cedo à boate e fiquei na fila na rua esperando para entrar. Esse foi meu primeiro show de uma RuGirl, desde que comecei a interagir com fãs de Drag Race na internet e foi uma delícia conhecer pessoalmente a galera que eu, somente, conhecia virtualmente. Lá em 2015 o perfil do fandom do show era outro, embora o shade reinasse, não tinha esse ódio característico de hoje. Então mesmo que a gente se zoasse online, na fila ao nos conhecermos, finalmente, foi uma festa só. Ver aquela diversidade de corpos, belezas, tamanhos e gêneros foi de aquecer o coração. Estava me sentindo em casa com meus semelhantes.
De repente a fila ficou muda, pois parou um carro preto na entrada da boate e quem saiu de lá? MISS LATRICE ROYALE. Fomos à loucura. E gritamos horrores para a rainha: LATRICE! LATRICE! LATRICE! Ela deu uma olhada para a gente e era perceptível sua alegria com a recepção. Mandou um beijo para a fila e entrou. Isso simplesmente nos contagiou. Ahhhh!!! Depois o, até então, namorado de Latrice, hoje noivo, apareceu e começou a tirar fotos e fazer vídeos da fila, interagindo conosco. Ele é uma gracinha de pessoa. Latrice está muito bem amparada no amor.
Finalmente liberaram a entrada para a boate. E aí na porta éramos separados em dois grupos, os que iriam para a pista e os que conheceriam dona Latrice, indo para o segundo andar do lugar. E lá fui eu…
Quando entrei na área em que Latrice estava fiquei maravilhado. A queen tem uma presença que irradia por todo ambiente. Sua risada é, literalmente, CONTAGIANTE. Esperei pacientemente na fila e quanto mais ela andava, mais tenso eu ficava. Será que vou gaguejar? Será que vou esquecer como se fala inglês? Vou ofendê-la sem querer?
Então chegou minha vez e a primeira coisa que fiz foi abraçá-la forte. Latrice não faz ideia de como assistir sua história em Drag Race me ajudou, me fez ver como nós pretos LGBTs somos capazes de fazer o que quisermos. E que não importa nosso passado e sim o que fazemos com nossas vidas agora.
Por um bom tempo, após as decepções no meio publicitário, eu achei que o problema do meu “fracasso profissional” era eu. E assistindo Latrice sendo sincera sobre seu passado, de que ser presa não a definia me motivou a trilhar um novo caminho na minha vida. Eventualmente ter criado a Draglicious, que também nasceu em 2015, e focar minhas habilidades na geração de conteúdo online sobre arte drag e comunidade LGBT me mostrou meu novo propósito. No fim das contas continuei usando, e muito, do que aprendi no curso de comunicação social, mas naquilo que acreditava. Hoje, amo criar conteúdo e me sinto privilegiado por ter uma plataforma que posso dividir com vocês meu amor à arte drag. Além do mais representatividade importa e muito. E nada como um LGBT produzindo para LGBTs conteúdo em que LGBTs são os protagonistas.