Você quer uma receita rápida para ficar animado? Então anote aí os ingredientes: ½ lata de cereja, dois shots da sua vodca preferida, um limão espremido e uma colher de chá de açúcar. Bata tudo no liquidificador e desfrute! Ah, caso sua família seja apoiadora de Jair Bolsonaro ou Donald Trump, é permitido acrescentar mais doses de bebida alcóolica, combinado?
Antes que eu receba parabéns pela dica acima, adianto logo de cara que este drink não é ideia minha, e sim dela, a rainha que passou pela quarta temporada de The Boulet Brothers’ Dragula e atende por Merrie Cherry.
Monstra criada por Jason Ruth, um americano nascido no dia 25 de junho de 1983, em Berkeley, na Califórnia, Merrie é, segundo a própria contou à imprensa, ‘definitivamente uma extensão de quem eu sou e a única diferença entre eles é que um de nós faz mais dinheiro’, sendo assim, Who’s That Queen?
No decorrer de seu crescimento, uma pessoa em especial marcou sua vida profundamente: sua avó, que viveu mais de 92 anos e é justamente ela quem moldou a educação sulista tradicional de Jason. Dela ele também herdou boa parte de sua personalidade e, digamos, atrevimento, uma característica que o conduziria a uma descoberta inusitada.
Certa vez, aos seis anos de idade, a avó de Jason teve que ir ao supermercado e sua mãe estava entretida com a televisão. Ao perceber isto, ele então abriu o guarda-roupa dela, pegou um vestido roxo com estampa de leopardo, passou batom, numa cor que não combinava com o restante, e finalizou o look com ombreiras que, posteriormente, soube que eram absorventes.
Montado pela primeira vez, ligou o rádio e dançou. Ao final da música, uma nova pessoa havia nascido em Jason, alguém que sempre quis performar para quem estivesse interessado em vê-lo, um interesse normal quando sabemos de sua paixão pelo palco, e muito ainda lhe aconteceria, como você verá a seguir.
Durante a adolescência, Jason constantemente se envolvia em problemas. Seu excesso de energia, aliado a sua extravagância e facilidade de comunicação, acabaram colocando nele uma lupa, no entanto, mesmo tendo uma natureza expansiva, se sentia solitário no colégio, um sentimento que morreria mais adiante, com o passar dos anos e a chegada da faculdade, quando encontra outros “esquisitos” como ele mesmo se considera.
Na sequência, o ano de 2009 ganha destaque na vida de Jason, afinal, ele deixa sua cidade natal em dezembro e se muda para o Brooklyn, em Nova York, local no qual é radicado até hoje. Não satisfeito, começa a fazer drag no ano seguinte, 2010, desta vez, de forma bem mais séria.
O Metropolitan Bar, em Williamsburg, no Brooklyn, estava com uma vaga aberta para verificação de casaco. Jason conseguiu o trabalho, em pouco tempo conheceu muitas pessoas e, em determinada ocasião, perguntou ao gerente se poderia fazer um show de drag. Ele obteve a seguinte resposta: “Bem, você tem uma chance e apenas uma”.
E não foi preciso mais do que isto, porque o bar estava lotado e a noite fora um sucesso. A performance que fez, DRAGnet, uma competição amadora, acabou virando um rito de passagem, perdurou e se transformou numa apresentação mensal para, por fim, lhe conceder o título de “Mãe Drag do Brooklyn” devido a plataforma gerada pelo show abrir espaço para outras drags queen fazerem seus trabalhos e aperfeiçoarem suas habilidades. Scarlet Envy e Dahlia Sin, das temporadas 11 e 12 de RuPaul’s Drag Race, são algumas delas.
A cargo de informação: nesta época existiam poucas rainhas em atividade e basicamente as coisas estavam sendo feitas pela primeira vez, logo, Merrie é justamente considerada uma das fundadoras da cena drag do Brooklyn. Com um título tão importante, de onde será que veio seu nome, hein?
Jason estava em um encontro amoroso com um homem que não conseguia lembrar do seu nome quando ele virou e gritou: “Merrie Cherry”. A reação se deve a sua roupa, com chapéu, camiseta, short e sapatos vermelhos, todos os itens na mesma paleta de cor. A história inusitada rendeu tanto que virou seu nome drag.
Devidamente batizada, Merrie passou mais de um ano pensando em como colocar holofotes na vida noturna do Brooklyn, um lugar que ela chama de lar e, naturalmente, alimentava o desejo de representá-lo, mas não sabia como proceder, até ir a um show de prêmios da Glammy que a inspirou.
Em 2013, Merrie cria o Brooklyn Nightlife Awards, um show de premiação que homenageia artistas de destaque da cena noturna local, um projeto próspero com diversas edições, o que concretizou a vontade desta rainha de divulgar o seu novo lar.
Em casa, Merrie já leu para crianças no Drag Queen Story Hour, participou como convidada do High Tea, de Miz Cracker, além de encabeçar diversos projetos, executados solo ou em companhia.
Influenciada por Josephine Baker e Oprah Winfrey, o dia perfeito de Merrie em Williamsburg pede um Blood Mary, uma livraria e um pôr do sol na varanda com amigos. Sentimento semelhante surge quando se apresenta no Metropolitan Bar e reconhece os rostos das pessoas que revolucionaram sua vida.
É com esta bagagem que Merrie aterrissou em Dragula e, após ser a primeira monstra a ser apresentada e também ser a primeira a ficar salva três semanas seguidas junto com Jade Jolie, acabou exterminada no quarto episódio (Monsters of Rock), de alta voltagem emocional, diga-se de passagem, não apenas pelo desafio de extermínio, uma terapia de choque no Electrocutioner Dreadnaught, mas por outros motivos também.
Inclusa no grupo de rock Glam Rot, com Sigourney Beaver, Bitter Betty e Jade Jolie, esta monstra foi nomeada para ser eliminada por todas as suas irmãs e disse: “Eu posso não ser a vadia mais polida em cena, mas eu sou 100% eu e ninguém pode tirar isso de mim”. Minutos depois, ela é enforcada até a morte em sua exterminação.
Apesar do tom extremo do que foi narrado até aqui, Merrie se divertiu muito dentro e fora do set de filmagem com sua parceira no crime, Bitter Betty, por exemplo, o que gerou problemas com a produção do programa. Mais velhas do elenco e “problemáticas”, segundo Merrie afirma em entrevista, fizeram uma dupla do barulho.
Em paralelo a isto, sua avó tinha acabado de falecer. O funeral ocorreu em três de junho deste ano e a quarta temporada havia sido gravada a partir de 25 de junho, o exato dia do aniversário de Merrie, ou seja, não preciso dizer que representa uma experiência real, intensa e estranha, mas que ela não mudaria nada.
E o que mais Merrie tem a dizer sobre Dragula, arte drag e outros assuntos não menos interessantes? É o que você descobre logo abaixo, na íntegra, na nossa entrevista. Confira!
Feliz Halloween, Merrie Cherry. Entrevistá-la me deixa muito feliz, especialmente em um dia como este. Qual é a sua relação com o Halloween?
Halloween é o começo de todos os feriados legais do ano. Eu amo o Halloween, vivo para o Friendsgiving (Ex-Ação de Graças), e o Natal é o meu favorito. Com um nome como Merrie Cherry, como não poderia ser?
RuPaul elogiou você em um artigo no New York Times. É possível descrever a sensação causada por isto? Imagino que funcione como uma “validação” do seu trabalho como drag queen, não é?
Com certeza! Ele retuitou vários artigos sobre mim. Senti como se tudo pelo que trabalhei fosse validado pela Rainha Mãe. Eu não era o ajuste certo para o programa, mas Mama Ru me vê. Era tudo o que eu precisava.
Muitas pessoas na internet insistem em fazer uma comparação infundada sobre RuPaul’s Drag Race e The Boulet Brothers’ Dragula. Elas elogiam Dragula falando mal de Drag Race. Por mais óbvio que pareça, você pode explicar por que isto não é bom? O público pode gostar dos dois sem ser chato.
Eu sinto que ambos oferecem algo diferente para as massas. Drag Race é um rolo compressor que deve ser respeitado pelos holofotes que trouxe para drag pelo mundo. Dragula deu aos espectadores uma visão do mundo do drag alternativo. Eu gostaria que as pessoas percebessem que o programa não é apenas sobre ser assustador, mas todos os elementos de glamour, sujeira, terror e até mesmo camping. Precisamos de ambos os programas e ainda mais. Drag é uma verdadeira carreira agora, devemos ter mais oportunidades de mostrar nossos talentos de entretenimento.
Quando você pensa sobre sua história com o Brooklyn em Nova York, quais foram os momentos que ajudaram a definir seu futuro como uma drag queen/monstra?
Em primeiro lugar, não acho que uma monstra seja feita pela roupa. Acho que o que faz uma monstra é como você vive. Sou uma monstra pela vida que tenho. O momento que mudou minha vida como rainha foi quando eu saía muito e conhecia muitas pessoas, mas não tinha decidido o que fazer na vida noturna. Fui a um show de Natal produzido por Murray Hill, o drag king mais famoso do mundo. Fui puxada para o palco para uma dança com a participação do público. Eu estava competindo com várias outras pessoas e eu matei minha performance. Os aplausos da plateia, as luzes batendo em meu rosto, a sensação que tive mexeu. Uma estrela nasceu!
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por que motivo?
Lucy Stoole no baixo porque ela é uma estrela do rock; Queef Latina na guitarra porque ela é caminhoneira e poderia enlouquecer no palco; Astrud Aurelia nos vocais, sua voz é além deste mundo; e eu na bateria porque o ritmo está sempre no meu coração.
Qual será o nome deste grupo?
O nome do grupo seria That Got Me Gur, depois de minha declaração sobre Dragula.
Infelizmente, muitas pessoas ainda não deram a Dragula uma chance devido a um “preconceito” inconsciente com monstros drag. Se você pudesse convencer esta parte do público a assistir Dragula, o que você diria?
Pare de ser mente fechada e abra sua mente para todos os níveis de drag. Você vai gostar disso.