Se você, caro leitor, assim como eu, é uma pessoa que nunca antes tinha escutado falar de Céret, na região da Occitânia, na França, não tem problema algum. Durante muito tempo meus parcos conhecimentos de francês me resumiram a cantar apenas “Voulez-vous coucher avec moi, ce soir?
De qualquer forma, é nesta pequena cidade francesa que começa a nossa história de hoje. Nela Rémy Solé, a mente criativa, a pessoa que dá vida a Leona Winter, nasceu no dia 20 de março de 1995 e agora estrela a mais nova edição da Who’s That Queen?
Criado em uma família humilde próximo a cidade de Perpinhão, desde a infância Rémy teve o apoio dos seus pais para se expressar artisticamente, apesar de uma considerável resistência de seu pai para aceitar sua profissão, o que rendeu um ano de esforços de Remy para que ele entendesse que este é, de fato, um trabalho sério.
A mãe e sua avó são incentivadoras da drag de Rémy e lhe dão o suporte necessário no campo pessoal, o que, infelizmente, não o impediu de conhecer o pior violão de pessoas LGBTQIA+ na escola: o bullying.
Devido a sua androginia, Rémy sofreu o preconceito de duas formas, ambas dolorosas a seu jeito: insultos homofóbicos e, não suficiente, agressões físicas. Muito mais do que adiar sua jornada de descoberta da própria identidade sexual, estes momentos são dores e gatilhos de uma época que exigiu reflexão para o aprendizado necessário que vem em seguida.
Desta forma, ele acabara estudando, já aos oito anos de idade, no “Atelier Des Arts du Spectacle”, instituição focada em linguagens como a dança, canto, teatro e improviso. Dos 11 aos 15 anos o foco foi no teatro. A estreia solo, profissionalmente falando, aconteceu aos 16 anos, em um show em Arles-sur-Tech. Esta oportunidade o levou a outras apresentações em restaurantes nas cidades vizinhas. Em seguida, outro país o faria lembrar-se dele para sempre em sua biografia.
Após nove anos de estudos, Rémy, que também praticou tênis, rúgbi e judô na adolescência, radicou-se na Espanha com Laurent, seu então namorado. Nesta época ele tinha 17 anos e o calendário marcava o ano de 2012, um dos mais significativos de sua vida.
Vivendo no município de Sitges, Rémy e seu parceiro Lorenzo, melhor dizendo, Laurent, apelido recebido devido a este período na Espanha, organizaram, no bar do casal, o Le Backstage, um cabaré com temática invertida: homens vestidos de mulheres e mulheres vestidas de homens em um karaokê. É aqui que tudo fica mais interessante.
Em um certo momento, Lorenzo indaga o namorado sobre subir ao palco e cantar como mulher. Segundo ele, sua voz ficaria perfeita como cantora em uma festa cuja maioria do público era de mulheres caracterizadas como homens.
Neste instante, aquela magia que sela o destino das pessoas cutuca Rémy que, não hesitante, se apresenta para a plateia pela primeira vez como Leona Winter.
Leona vem da cantora Leona Lewis, um nome que ela adora. O sobrenome tem uma origem particular: quando se apresentava com a drag queen Lady Diamond, elas eram “The Lady & The Miss”, porém, para participar do Miss Europa Continental, concurso o qual venceu em 2017, não era permitido o uso do nome “Miss”.
Rémy adotou o Winter porque, além de combinar com as iniciais de seu parceiro, Laurent Werner, o permitia explorar o slogan “o inverno está chegando”, tudo a ver com a série Game of Thrones, em alta nesta época.
Já com os primeiros passos como drag devidamente dados na Europa, por exemplo, Leona também trabalhou na França, Bélgica e suíça antes de arrumar suas malas e mudar de vida de novo, mas agora no Chile.
Durante cinco meses de 2016, Leona gravou a segunda temporada da primeira franquia internacional de RuPaul’s Drag Race: The Switch Drag Race – Desafío Mundial, somente exibido a partir de 25 de março de 2018.
Em 31 episódios, Leona protagonizou uma jornada digna de coroa: com três vitórias em desafios principais, ela sagrou-se como a segunda e, por hora, última vencedora deste reality show, o que definitivamente não significa que fora sua última participação em programas do gênero.
Em 2019 Leona participou da oitava temporada da versão francesa do programa The Voice, o que por si só já é digno de nota, visto que ela foi a primeira drag queen da história a se apresentar neste programa. Nele, dois jurados viraram as cadeiras para ela: Jenifer e Julien Clerc. A primeira recrutou Leona para o seu time, após ouvir uma releitura incomum neste tipo de competição.
Logo em sua entrada no The Voice, Leona interpretou “La Voix”, anteriormente interpretada por Malena Ernman, no Eurovision, em 2009. Sua voz de contratenor barítono marcou uma versão operística que, se por um lado entregava uma influência da velha escola de canto, por outro a ajudava a executar agudos altos, associados ao cantar feminino. O namorado de Remy, que era seu professor de canto, é, novamente, o grande incentivador para que Leona tenha participado do The Voice.
Em seguida, encerrando sua trilogia particular de reality shows, Leona participa da décima segunda temporada de Les Anges, para o qual foi convidada, pela produção, depois de sua participação no The Voice. Coroando seu ano de 2020, Leona lança, no dia 30 de outubro, seu aguardado primeiro single, “Como Soy”. Depois de experimentar e conhecer diversas bases musicais, ela conseguiu chegar ao produto final, que você conhece melhor através do videoclipe oficial, disponível no YouTube desde sete de dezembro do ano passado.
Um segundo single, sonoramente similar a estreia, será lançado em breve, mas não se deixe enganar pela estética electro-pop feliz deste trabalho. Um EP está sendo produzido e nele canções inéditas e lentas, como baladas, estarão presentes, por representarem um lado que Leona gosta de exercitar: da cantora intensa com coração na garganta que, sim, até sofre, mas sem borrar a maquiagem.
Fora do campo musical, atualmente Leona está casada e, se você for verificar no Instagram dela, a última postagem data de 27 de janeiro deste ano, ou seja, quase quatro meses de silêncio. Será que algo acontece? É o que você descobre logo abaixo, na íntegra, na entrevista que fiz com ela. Confira.
Como uma drag queen francesa foi parar na versão chilena de RuPaul’s Drag Race, a primeira franquia do programa, a propósito?
Em primeiro lugar, The Switch é realmente semelhante a RuPaul’s Drag Race, mas não é a mesma franquia, então há muitas diferenças entre essas duas franquias.
Concordo com você. A dinâmica é bem diferente.
Eu tinha apenas 20 anos quando me chamaram para fazer parte do The Switch 2, e eu estava começando a trabalhar cada vez mais na Europa. Eles estavam procurando uma drag queen, cantando ao vivo e falando espanhol, que também pudesse dançar e atuar. O artista mais completo possível. No início, decidi não participar do The Switch porque não tinha certeza de ser tão completa como uma drag queen, mas meu marido me convenceu a experimentar e viver uma experiência inesquecível e construtiva. E ele se saiu bem, risos!
Quais são, por ordem de importância, suas quatro performances favoritas no The Switch Drag Race: Desafío Mundial?
Uma pergunta tão difícil. Em primeiro lugar: adorei poder cantar My Way para a minha música final, essa performance tem sido tão intensa emocionalmente. Vivo pelo look e pela apresentação que criei. Segunda escolha: La Voix. Essa música é uma das minhas favoritas e a parte operística é tudo! Salvei minha vaga na competição graças a esse momento, então me lembro como uma música vibrante no The Switch. Para a terceira escolha, hesito muito entre On the Radio, Caruso ou Simply the Best…
Ótimas escolhas. Também as destacaria.
Digamos Simply the Best pelo poder da música e a incrível apresentação com fogo no palco.
Há rumores de que uma versão francesa de RuPaul’s Drag Race está chegando. Se você pudesse selecionar algumas drags para o elenco, quem estaria no programa?
Não conheço tantas drag queens francesas, mas adoraria ver La Grande Dame ou Cookie Kunty nisso. Por que não ver um artista como Chez Michou ou Madame Arthur, as instituições de drag francesas ?
Exato. O grande público precisa conhecer os grandes nomes das cenas drags locais de cada país.
Poderia me interessar também experimentar a versão francesa de RuPaul’s Drag Race.
Acredito que faria muito bem para você, além de ampliar bastante a sua plataforma.
Acho que pode ser uma experiência diferente, para aprender mais sobre minha drag e os outros.
Já comentei com meu marido e alguns amigos que até antes de morrer, vou me lembrar desta sua performance. É totalmente visceral, profunda e tecnicamente acima da média. Como foi a preparação para ela?
Essa performance é, com certeza, uma das minhas favoritas. Essa música fala sobre meu pai e o quanto tem sido difícil para ele entender quem eu sou. Também me lembra dos meus momentos de faculdade e de todo o bullying que sofri. Sobre a preparação, tenho trabalhado para transmitir minha mensagem e minha experiência com essa música, mais do que cantar bem. E é por isso que esta apresentação é tão poderosa, eu acho. Eu não consegui conter minhas lágrimas.
Você participou da segunda temporada de The Switch Drag Race, da oitava temporada do The Voice e só então, em 30 de novembro de 2020, você lançou seu primeiro single. Por que demorou tanto? Estou esperando por isso desde o final de The Switch.
Bem, primeiro eu não demorei tanto, apenas 2 anos do The Switch, e apenas 1 ano do The Voice não é tão longo, eu acho.
É sim, haha. Mas foi lançado e é isso que importa.
O maior motivo é que não tive tempo de fazer um single. Tudo aconteceu muito rápido, competições internacionais como Miss Continental e tenho viajado muito ao redor do mundo pela minha arte. Então não estava em minhas prioridades fazer um single ou um álbum depois do The Switch, eu estava mais concentrada na minha drag e não na minha voz. Neste momento não me considerava uma cantora, mas sim uma transformista, e eu queria estar mais baseada na França; The Voice mudou meu ponto de vista, pois percebi que tinha mensagens para entregar em canções. Mas custa muito encontrar a equipe que irá segui-lo em suas ideias malucas e é muito dinheiro para fazer uma boa música e colaboração. Depois disso, fiz outro reality show 3 meses depois, em Hong-Kong e Tóquio, o que me permitiu conhecer um time maluco que me segue nas minhas ideias.
Como foi o processo de criação de Como Soy e como funciona o seu relacionamento com os compositores desta música? De que forma você os encontrou?
Os compositores de Como Soy têm trabalhado com artistas internacionais como Kylie Minogue e celebridades francesas. Eu os conheci em Hong-Kong, graças ao Les Anges, um outro reality show que fiz em 2019-2020. Quando falei com eles estava muito nervosa, mas eles me seguiram pelas mensagens de tolerância e respeito que represento, e também pela minha gentileza e, claro, pela minha voz. Procurava uma música electro-pop, com uma mensagem forte: isso é o que sou. Então, trabalhamos juntos na música e no texto e estou encantada com o resultado final!
O videoclipe de Como Soy foi lançado em 7 de dezembro de 2020. Como fazer uma música acontecer nos tempos de hoje?
Se eu tivesse a resposta para essa pergunta, Como Soy e todas as músicas poderiam ser famosas em todo o mundo, risos!
Justo da sua parte.