Há três anos ela avisou para todos nós que veio aqui para lutar. Sobre a passagem de The Vixen por RuPaul’s Drag Race muito já foi dito e explorado a exaustão, então, não espere deste texto detalhes de brigas, fofocas mil e qualquer coisa do gênero. A história que eu vou contar é outra.
Musical, o segundo episódio deste reality show é significativo na trajetória pessoal e profissional de The Vixen: é justamente a música, presente em sua vida desde os primórdios, o tema central dele e de sua despedida da competição. Foram oito semanas sobre as quais você pode dizer muitas coisas, menos que ela não se fez ser lembrada.
Exibido em 29 de março de 2018, “PharmaRusical” inicia com um mini-desafio country vencido por Asia O’Hara e The Vixen. Como vantagem, elas formam duas equipes com as 11 drags restantes. Para o desafio principal, um musical homenageando comerciais de medicamentos com Alyssa Edwards ajudando na coreografia. The Vixen garante sua primeira vitória.
Salva na sequência, esta rainha começa a amargar um histórico irregular mais a frente, ao ficar entre as três piores no episódio cinco e dublar, consecutivamente, nos episódios seis, sete e oito, este último, “Cher: The Unauthorized Rusical”.
Sua personificação da cantora pop, retratando os anos 70, não foi bem recebida pelos jurados. Ao lado de Asia O’Hara, The Vixen foi parar na dublagem pela vida ao som de “Groove Is In The Heart”, de Deee-Lite.
A partir daqui tudo começa a ficar mais interessante ainda, afinal, como uma cantora foi eliminada em um desafio de música? Em qual momento a mais subjetiva das formas de arte a encontra? Saiba no próximo parágrafo.
Para descobrirmos, de fato, quem é a The Vixen, a deusa super-heroína de Wakanda, torna-se necessário começarmos falando de Anthony Taylor, a pessoa por trás da montação e, claro, de toda plataforma que vem com ela.
Nascido no dia 11 de dezembro de 1990, em Chicago, a cidade mais populosa do estado de Illinois, Anthony percorreu uma jornada peculiar até os dias de hoje, nos quais atua como drag queen, cantora, compositora, estilista e, por que não, ativista?
Tudo começou na infância, quando ele já exibia uma certa imagem andrógina. Anos depois, durante o ensino médio, o androginismo seguiu mais forte até tornar-se comum o revezamento de roupas masculinas e femininas. Esta liberdade sobre si mesmo representa o primeiro contato de Anthony, ainda que inconsciente, com a arte drag.
Ao lado das novas descobertas, enquanto crescia, Anthony nunca negligenciou um dos principais traços de sua personalidade: a política. Ativista social durante a adolescência, contribuiu com sua comunidade ao virar presidente de um centro de orgulho juvenil. Para ele, pautas socioeconômicas e políticas pró LGBTQIA+ nunca foram estranhas.
Neste mesmo clima de autoconscientização Anthony começa a ganhar experiência de palco, ao fazer apresentações ao vivo com rap, além de outras performances criadas a partir de seu estilo. Em uma delas, as mãos do destino agiram por, veja só, uma drag queen, que a convida para fazer um show no Jeffery Pub. Caso você nunca tenha escutado falar deste local, vamos fazer uma pausa para reflexão, dois pontos:
Patrimônio histórico da comunidade LGBTQIA+ americana, o Jeffery Pub passa longe de ser apenas um bar. É o único pub gay de Chicago cujos donos são negros e que também funciona desde 1965, o que lhe confere o título de “points gays” mais antigos dos Estados Unidos.
E foi justamente nele que, em 11 abril de 2013, Anthony estreou como drag queen. Para a ocasião, ele passou quatro horas fazendo a maquiagem. Naturalmente nervoso, temia pela pressão do apresentador da noite chamando-o para o palco. E se desse tudo errado?
Em meio a dúvidas e o que RuPaul gosta de chamar de “sabotador interno”, começa a chover e Anthony reconsidera se deve mesmo ir performar. Sua mãe aparece e diz: “Você já se vestiu bem! Apenas vá”. Encorajado, ele faz o show acontecer, um medley com suas músicas prediletas de Beyoncé, que incluiu “If I Were a Boy” e “End of Time”. Neste processo, Savannah Westbrooke, sua mãe drag, fora fundamental: no meio da plateia lotada ela estava lá para apoiar sua filha e encorajá-la nos primeiros passos.
Feito este rito de passagem, o nome The Vixen surgiu quando Anthony pesquisava fotos de pinups. Em uma delas a palavra Vixen apareceu e, tcharan: uma drag é nomeada, um passo a mais para quem tem consciência política desde o começo da carreira e, inclusive, temeu por isto, porque, segundo conta a própria, os contratantes dizem que as drags estão aí para entreter, logo, ela se perguntava: terei que deixar meu ativismo em segundo plano?
Sim, The Vixen recuou por um momento, porém, ao presenciar o racismo no meio drag, viu que era chegada a hora de agir. Quando morou em Boystown, a vizinhança gay de Chicago, ela notou um fenômeno no mínimo estranho e injusto: drags negras praticamente não tinham espaço na programação, com no máximo uma rainha sendo escalada por noite em comparação com o restante do elenco majoritariamente branco.
Motivada, The Vixen lança, no outono de 2016, a “BlackGirlMagic”, um show tributo as mulheres negras que, além de elevá-las, reúne muitas drags de destaque de Chicago que não necessariamente já tinham trabalhado juntas, por exemplo. Uma curiosidade é que este projeto nasceu no mesmo ano em que Donald Trump foi eleito.
Ciente de que a luta não para e está longe de acabar, The Vixen quer de você uma coisa: que você assine quantas petições forem possíveis. Se estivermos falando com uma drag queen, ela recomenda que você ultrapasse a figura da glamazon e lembre: a dublagem é nosso ganha-pão, mas é a nossa voz que faz a mudança acontecer. Em qual volume você está usando a sua? Para quem?
Politicamente, você já conhece a voz de The Vixen, sabemos. E musicalmente? Até hoje são quatro feats, cinco singles do álbum “Commercial Break” (01/08/20) e outros dois lançados de forma avulsa, fora os diversos videoclipes destas faixas. A maioria delas são faladas na entrevista disponível logo abaixo, na íntegra. Confira!
Sua estreia musical foi no single colaborativo de Dorian Electra, “Drag”, lançado em 5 de dezembro de 2016. Como o convite aconteceu?
Eu sempre executei meus próprios versos de rap ao vivo quando eu me apresentava em drag, então, quando Dorian estava procurando rainhas que pudessem fazer rap, eu fui recomendada.
Musicalmente, Shea Couleé é uma das artistas com quem você colabora consistentemente. O que te faz querer trabalhar com ela?
Shea e eu somos irmãs drag, logo, muitas de nossas vibrações são as mesmas. Nós amamos house music, voguing e excelência negra! Gostamos de nos encontrar e mostrar o Orgulho de Chicago.
Se você pudesse formar um grupo pop de meninas com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por que razão?
Shea Couleé, Dida Ritz, Lucy Stoole e Bambi Banks. Além de serem a minha coisa mais próxima de uma família drag, sinto que representamos uma bela mistura de magia negra. Seria um grande álbum!
Como foi o processo de criação da música Tea Party?
Tea Party é uma canção que escrevi quando tinha 20 anos, assim, a letra está na minha cabeça há dez anos. Foi ótimo finalmente ter uma batida que se encaixou no incrível B. Ames e gravar com meu produtor Mike Jones.
Seu trabalho musical tem uma marca autoral bem forte, com muitas letras escritas por você mesma. Quando surgiu o interesse pela composição?
Tenho escrito letras e melodias toda a minha vida. Eu sempre fui capaz de transformar minhas experiências em músicas ou cantar sobre minhas fantasias de uma forma que meio que previu minhas realizações. Minhas músicas são como mantras que se manifestaram. Isso é muito assustador!
Acho a sua participação na canção do Roy Kinsey muito interessante. Quando você se lembra das sessões de gravação, qual é a primeira coisa que vem a sua mente?