Eu já fui um daqueles caras que ofendia os amigos chamando de “viadinho”, é sério, se você é hétero e nasceu antes da década de 90 você provavelmente já foi ou continua sendo um babaca desses. Esse conceito de masculinidade é tão tóxica quanto frágil, daqueles que se quebra com uma simples demonstração de afeto ou mesmo com um elogio, como pudemos ver recentemente com o Nego do Borel.
Quando você reproduz esse pensamento vive preso em uma máscara de macho que lhe impede de se tornar um grande homem, mas a narrativa machista/patriarcal ocupa um espaço gigante na sociedade e acontece de muita gente viver em lugares onde ela é uma bolha impenetrável, pois o preconceito afasta essas pessoas de conhecer qualquer pessoa que possa ser taxada de “gay”.
Eu vivi a adolescência em espaços assim, que me cegaram a ponto de não perceber o drama de meus próprios parentes que fazem parte da comunidade LGBT. Dizem que a vida ensina, mas isso é uma grande farsa, é bem possível passar a vida sendo idiota e preconceituoso se ninguém te chamar e dizer “cara você está sendo babaca”.
Eu comecei a escrever o Estilo Black em 2013 e comecei a me envolver com assuntos que eram estigmatizados para um homem hétero: a moda. O público que construí aqui ajudou a desconstruir meus velhos conceitos, quando estamos próximos a gente pode perceber a vida que se esconde por trás dos estereótipos, suas histórias e suas dores, isso foi importante no meu aprendizado. Estar na linha de frente do confronto racial também me construiu. Talvez vocês que estejam lendo não tenham essa noção, mas se você começa a produzir conteúdo com foco na beleza negra em um país que finge não ser racista é opressor – eu não sabia disso, mas comecei a perceber o tamanho da opressão vigente e isso me fez pensar também em como era difícil a vida de outros grupos sociais “minoritários”.
Enfim, alguns anos atrás eu percebi que o que me torna mais homem não é o quanto eu evito parecer gay, isso é uma besteira sem fim. Aliás, desde que decidi blogar sobre moda eu estava envolvido com aqueles programas que são indispensáveis para você não passar feio, tipo Esquadrão da Moda e Project Runway que maratonei todos na Netflix ao lado de minha noiva, foi quando terminei America’s Next Top Model que a própria Netflix me sugeriu um programa que seria parecido, o RuPaul’s Drag Race.
Nunca tinha ouvido falar e minha experiência com qualquer participação de uma Drag na TV era dos tempos em que o Silvio Santos levava algumas para fazer perguntas constrangedoras, sempre ressaltando a diferença com os héteros.
Algumas Drags são rainhas da comédia e isso é bem diferente de ridicularizar suas vidas
Essa é uma das principais diferenças da forma com qual a TV retrata Drags. Na década de 90, por aqui, era muito comum você ver personagens que ridicularizavam as Drags – o que acontecia principalmente quando um homem hétero atuava como um personagem gay nas novelas ou quando uma Drag participava de um programa que virava motivo de chacota.
Quem nunca assistiu alguma apresentação Stand Up da Shangela não sabe o que é a comédia. Ela manda muito melhor do que vários nomes famosos brasileiros e tem uma atuação impressionante que rendeu participações em vários filmes e em seriados como Glee.
Outras que se destacaram na comédia são Jinkx Monsoon e Bianca Del Rio que é um fenômeno a parte. Bianca tem um talento para escrever piadas e um timing para reproduzi-las consolidados em mais de 10 anos de carreira no teatro. Após a participação em Drag Race ainda estrelou dois filmes com seu nome. (Tem na Netflix, não são grandes produções mas vale pra passar a tarde e rever algumas Drags que fizeram sucesso juntas).
A orientação sexual não faz de ninguém uma pessoa melhor nem pior
Se você é um homem hétero e branco isso vai ser um choque, mas você não é melhor nem pior que ninguém. Só que o mundo te bajulou, fez você acreditar que tinha uma moral ilibada (quando foram pessoas como você que no passado promoveram guerras e genocídio de outros povos para poder ditar as regras do que seria “moral”) e então você se acostumou a olhar para pessoas LGBT e atribuir promiscuidade aos seus comportamentos. A verdade é que pessoas são boas e ruins independentemente se são gays, lésbicas ou héteros. Não podemos esquecer que homens héteros no mundo todo assassinaram milhões de pessoas quando estiveram no poder.
Se você se permitir, vai encontrar histórias de uma humanidade tão elevada em Drag Race que apenas as pessoas mais insensíveis no mundo não vão se comover. Uma dessas é a história de Latrice Royale, que já foi presidiária, entrou em Drag Race e exibiu um coração tão grande que caiu nas graças do mundo todo e hoje se tornou uma empresária dona da Latrice Royale Inc que gerencia a carreira internacional de várias artistas drags.
As drags de RuPaul conseguem te sensibilizar de várias formas, algumas vezes elas exibem amizades tão verdadeiras, dessas que falta no mundo moderno das grandes capitais. São pessoas que conseguem manter círculos íntimos que atuam como uma proteção emocional rara, nem precisa de muitas demonstração, parecem ser aquelas que sempre estarão lá pensando umas nas outras. Claro que também rola muita inveja, cobiça e vergonha. É disso que pessoas são feitas – algumas como a Gia Gunn, tem mais 😜