Eu fui convidado para o espetáculo Insubmissas, Vai ter mulher preta protagonista sim! e fui lá prestigiar. Eu não sabia muito o que esperar da peça, mas o que assisti foi incrível e compartilho com vocês agora minhas impressões.
Vamos começar pelo lado negativo logo, para não deixar que ele fique à espreita atrapalhando a experiência final.
Achei a entrada caótica. Quem ficou responsável por isso errou e muito. Primeiro que se o evento está atrasado é essencial informar alguma coisa ao público. Ficar sem saber o porque da demora é chato. O início que estava marcado para as 15h foi rolar quase as 16h.
Na hora de entrar mandaram grupos de 15 por vez. Mas aí tivemos que esperar de novo, dessa vez na porta da arena. Aí chegou um rapaz falando para quem quisesse ir ao banheiro ou beber água que o acompanhasse. Aí quem o fez, tipo eu, perdeu o lugar na fila.
A sonoplastia da arena é muito ruim, dificultando entender muitas falas e letras de música. Sem contar a arquibancada desconfortável. Ao fim da apresentação de quase duas horas minha bunda estava dolorida.
Exposto isso, vamos ao que importa, ao espetáculo em si e toda sua grandeza!
Quando eu fiquei sabendo o que é o Valores de Minas eu fiquei encantado: uma escola de artes livres que ensina arte e profissionaliza jovens periféricos de BH e região metropolitana. Mas ver isso na prática é muito mais impactante.
Poder assistir aquele monte de jovens negros, LGBTs e periféricos me emocionou demais. Porque pra mim isso é algo revolucionário. É uma alternativa aos programas de “primeiro emprego” que só dão como opção ao jovem um trabalho administrativo cansativo numa empresa qualquer.
Como a arte por si só tem o poder de transformar as pessoas, ver esse grupo de novos artistas que tem tudo para mudar o mundo ao seu redor com sua arte me dá muita esperança de dias melhores, especialmente por vivermos numa sociedade que tem apoiado cada vez mais o fascismo e discursos de ódio.
Por isso me encantou conhecer o resultado do trabalho do Valores de Minas, onde se fala e se faz arte.
Tudo começa com o elenco se posicionando na arena: músicos, artistas circenses e atores. O tema da peça é super relevante e mais atual do que nunca: o protagonismo da mulher negra, sendo assim elas são as grandes estrelas.
Tem homens na peça também, mas eles estão ali como suporte, as grandes estrelas são as mulheres. E conforme a obra se desenrola somos transportados para um universo dominado por figuras femininas pretas poderosas, jovens, vibrantes, lindas, de corpos e gêneros variados, com múltiplas texturas de cabelo, que nos encantam a cada novo ato.
A carne da mulher preta é a mais barata do mercado
Em Insubmissas as mulheres negras reivindicam seu lugar e importância na construção do Brasil, desde quando eram rainhas na África e foram trazidas à força para cá, onde foram escravizadas e tiveram toda sua ancestralidade apagada.
Em vários momentos nos é jogado na cara as brutalidades das quais as mulheres pretas foram vítimas: dentes arrancados pelas sinhá, por terem o sorriso bonito; estupros constantes pelos sinhô; filhos recém-nascidos arrancados de seus braços… e chegando mais perto de nossa linha do tempo a falta de anestesia em procedimentos médicos, especialmente partos, afinal a crença popular racista fez acreditar que pessoas negras são mais resistentes à dor que as demais raças. Enfim, muitos exemplos das dores e sofrimentos do povo preto, com forte destaque ao nosso apagamento da sociedade.
Mas o espetáculo não é uma típica tragédia grega com final triste, ele é sobre a resistência da mulher negra no decorrer dos séculos e a celebração de sua existência. E é pela arte que as jovens pretas mostram isso.
Referências a mulheres negras históricas não faltam, desde Dandara à Rosa Parks, passando por Marielle (PRESENTE!).
E para ilustrar tudo isso vemos performances de tirar o fôlego, com artistas suspensos no ar em tecidos pretos ou artistas se pintando de branco, em referência ao auto-ódio histórico à própria raça preta que fez com que muitos negros tentassem em ato desesperados clarear suas peles para serem aceitos nessa sociedade racista.
Teve muita música, interpretada e tocada por homens e mulheres pretas, com suas vozes potentes que me arrepiavam a cada verso. Foi maravilhoso sentir as bastidas dos tambores, que me transportaram para um ritual tribal sagrado, então eu gritei a plenos pulmões: SOMOS HERDEIROS DE REIS E RAINHAS! SOMOS RESISTÊNCIA! MIRELLE PRESENTE!!! Neste momento todos congregamos juntos, conforme os tambores eram batidos, os dançarinos invadiam o palco e com roupas e maquiagens características de povos africanos dançaram ferozmente, nos inundando com sua energia e força ancestral.