Em março, postei uma reportagem traduzida da OUT em que extraíram um trecho de uma longa entrevista de RuPaul para o The Guardian. A reportagem da OUT destacava a declaração de mama em não aceitar em Drag Race mulheres trans/cis, pois aparentemente seus atributos físicos seriam uma vantagem na competição. Além do mais para mama o revolucionário em seu programa são homens se transformando em drags e rompendo barreiras de gênero numa sociedade dominada pelo machismo (leia completo aqui).
Certamente podemos discordar desse posicionamento de Ru, de não aceitar mulheres cis e trans em Drag Race, mas aqui está em questão o formato de seu show. Afinal o programa é dela, então as regras são dela. Quem aceita isso assiste, quem não aceita arruma outro passatempo ou tenta pressionar mama, de forma educada e não a mandando se aposentar ou morrer, para ampliar sua visão e dar espaço para mulheres em seu show, aumentando assim sua diversidade e representatividade.
Contudo, na reportagem publicada em momento algum RuPaul disse ser contra mulheres cis/trans fazerem arte drag, mesmo dando entender que quando o homem faz é mais impactante. Para quem não sabe, no passado mama Ru criou um spin-off (programa derivado) de Drag Race que teve três temporadas chamado Drag U. O programa tinha como objetivo trazer de volta o lado sensual, divertido e extravagante das mulheres, que por motivos pessoais deixaram de cuidar se si mesmas. Neste show era permitido somente a participação de mulheres, que eram assessoradas por RuGirls, como Jujubee, Raven, Mariah, Ongina, Latrice e por aí vai. Embora Drag U não tivesse tanto apelo popular quanto Drag Race, era divertido e emocionante, pois muitas mulheres chegavam lá desgostosas da vida e graças as interações com as queens de como se tornarem drags completas, saiam do programa com outro espírito, mais animadas dispostas a enfrentar a vida. Infelizmente o programa foi cancelado devido a baixa audiência, mas era visível como mama Ru gostava de participar dele, como adorava interagir com as mulheres e ser uma “terapeuta” para elas.
RuPaul já deu close errado no passado sobre a luta da causa trans. Além disso, recentemente, temos falado bastante sobre como Ru e sua produção tem tratado negativamente as queens negras no show, perpetuando o racismo da sociedade (leia aqui, aqui e aqui). Tudo isso me deixou bastante decepcionado com RuPaul e Drag Race. Porém me provou que todos nós, sem exceções, por mais desconstruídos que possamos parecer sempre temos algo novo a aprender, a desconstruir e evoluir… e isso também vale para Ru. Obviamente, mama por ser uma figura pública ao emitir uma opinião polêmica está suscetível a receber críticas, e nós sabemos muito bem como o fandom de seu show sabe criticar. E Ru não está acima do bem e do mal para não poder ser criticada, é preciso parar de endeusarmos nossos ídolos como se uma crítica feita a eles fosse feita diretamente a seus fãs, dai é aquela guerra de desconhecidos se ofendendo sem fim.
O que achei muito pesado foi que algumas pessoas após lerem a reportagem descreditaram toda história de RuPaul, desmerecendo sua imensa contribuição para a comunidade LGBT e para a arte drag no decorrer de sua vida. Não podemos colocar toda luta e representatividade de nossa causa nas costas de Ru, ela é somente um ser humano com suas falhas, que tem um programa de entretenimento que vez ou outra nos transmite mensagens bacanas. Num mundo cheio de diversidade e beleza, cabe a nós também buscar novas referências, propor novos programas, novas parcerias, que visem mostrar cada vez mais como a comunidade LGBT é plural, que seus homens e mulheres cis e trans não estão presos a rótulos e padrões. Por isso até me assustei que uma declaração de Ru, passível sim de crítica, a tenha tornado na nova pária midiática, apagando tudo que fez até agora. Ru não merece isso e nem a gente merece ficar se atacando e se odiando.
Achei muito válida a discussão levantada em torno da entrevista de RuPaul, pois assim trazemos para o centro das atenções as mulheres cis/trans que fazem drag e que ainda são muito marginalizadas e desvalorizadas em sua arte. Se nos gabamos tanto de sermos diversos e inclusivos passou da hora de fazermos isso com as mulheres cis/trans que fazem drag e tem imensa dificuldade em aparecer para o grande público e se tornarem tão prestigiadas e amadas quanto os homens drags.
Eu reconheço minha própria falha neste sentido. Posto por aqui só homens drags, enquanto poderia estar postando sobre as mulheres também. Por isso, assim que vi os rumos que a reportagem de Ru estava levando corri atrás da maravilhosa Vlada Vitrova e comecei a dialogar com ela, pedi dicas de outras mulheres que fazem drag para eu poder acompanhar seus trabalhos e dar espaço a elas por aqui.