Não, não se deixe enganar pelo que seus olhos veem: ela não usa peruca, muito menos sintética. Bata o pincel de olho três vezes na penteadeira de jatobá e diga: B-R-I-T-N-E-Y-S-P-E-A-R-S. Alice Frimes Nicolaevna Romanov tem cabelo natural, naturalíssimo, só babosa.
São-luisense multi-facetada, Frimes é compositora, produtora musical, artista 3D e, claro, webwhore, além de drag cantora há três anos, quando debutou com uma mixtape intitulada como “Kawaii Dildo”, em 2017. De lá pra cá, ela já lançou mais sete músicas próprias, destas, “Fadinha” é a mais bem-sucedida comercialmente: no Youtube, seu videoclipe oficial, dirigido por Lucas Sá, disponível desde 21 de maio de 2018, conta com 622.424 visualizações.
Nascido no dia 16 de junho de 1993, em São Luís, Maranhão, Rafael Paes é o geminiano com ascendente em gêmeos de 27 anos por trás de Alice Frimes. Alice é a personagem de Natalie Portman em “Closer, Perto Demais”: dela a artista pegou o primeiro nome e a cor rosa como característica assinatura de sua drag. O sobrenome homenageia à primeira-dama da Tesla, Grimes, também cantora, por sinal.
Formado pelo Centro de Artes Cênicas do Maranhão, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Rafael Paes tem a música no DNA. Seu pai era compositor e o avô, saxofonista, então, a sedução pela composição seria natural.
“Eu me inspiro em muita gente e muitas coisas para compor as letras, e nesse processo eu acabo visitando muitas referências… observo muitos comportamentos porque eu escrevo basicamente sobre isso: COMPORTAMENTOS, sejam eles de pessoas reais ou ficcionais, então começo a escrever sob a perspectiva desse ser em questão. Quando comecei na música as minhas letras eram sempre muito íntimas, sobre meus amores, dores e anseios… Com o nascimento da Frimes isso mudou um pouco. Eu não falo muito sobre mim enquanto out of drag, assumo a personagem e experimento esse outro lirismo”, diz.
Seu interesse pessoal pelo mundo musical – aliado a porção autodidata com boas doses de paciência e resiliência – lhe fez conseguir uma carreira que, se ainda não lhe dá a segurança de viver apenas dela, merece nota a partir de agora com o que eu vou te contar.
No último dia 16 de outubro deste ano, Frimes debutou com seu primeiro EP, “F1”, formado por cinco faixas autorais, assinadas e produzidas pela própria drag. Até chegar ao resultado final, o processo foi longo:
“Eu já fiz e refiz o F1 umas três vezes. A primeira vez eu perdi meu antigo computador e com ele foram junto todas as faixas. Da segunda vez acabei mudando de ideia, e as músicas que entraram na versão que todos podem ouvir são as que eu acabei fazendo por último. Eu produzo de duas a três músicas por dia, então ficou muito material de fora que pretendo lançar futuramente, ou vender, sei lá”, conta.
A seguir, até mesmo para ajudar a Mama na hora de comprar o arroz de todo dia, você pode conferir a minha entrevista com Frimes onde ela fala de preconceito com drag music, custos para fazer uma música, divulgação orgânica, grupo pop só de garotas, orçamento, sons que andou escutando e, para fecharmos com uma cereja no bico do peito de plástico, Frimes revela o que as pessoas precisam saber urgente sobre ela.
Frimes, quando eu falo de drag music com as pessoas, no geral, elas viram a cara e já dizem de pronto: “Não ouvi e não gostei”. Por que esse tipo de música é tão depreciada?
Eu realmente queria ter a resposta para essa pergunta, mas vou colocar a culpa no gosto, né? Acho que as pessoas acabam fazendo uma ligação direta ao famoso bate-estaca, o tribal clássico… Principalmente as mais novinhas da comunidade que não vivenciaram esse outro momento da cultura drag e não fazem ideia do quão importante foi a drag music pra cultura do lipsync e o nascimento do bate-cabelo aqui no Brasil… Nosso país tem um problema sério com história. Quando a gente sabe da história de algo nos tornamos mais sensíveis aquilo.
A Kaya Conky já afirmou em um vídeo que pagou 50 reais, no Youtube mesmo, pela base da primeira música dela. Quanto custou para você fazer o seu primeiro EP, “F1”?
Que sortuda a Kaya, essa pessoa realmente queria dar a base pra ela.
Uma música custa muito caro e são muitas etapas até que ela ganhe o mundo das plataformas digitais, e cada etapa dessas custa um valor X. A produção do beat em si, a composição da letra/melodia, mixagem e masterização… fora a parte de captação de vocais (que é cobrado por hora em qualquer estúdio). Felizmente eu mesma produzo as minhas músicas, tenho um little home studio. Mas se fosse fazer isso com uma outra pessoa, dependendo de onde e com quem, por música, eu poderia gastar entre 600,00 a 1.500,00 reais. O F1 me saiu “de graça” porque eu tenho todo esse conhecimento e aplico em meu benefício, mas vejo muitas das irmãs penando pra lançar uma música, porque é um investimento alto.
Uma curiosidade sobre seu primeiro EP é que a divulgação foi orgânica, inclusive com as pessoas indicando o seu nome para essa entrevista. O público substituiu, de certa forma, o papel das gravadoras para o artista independente da atualidade?
Sim, sim e sim! Os maiores parceiros dos artistas independentes são as pessoas que os acompanham, principalmente quando não se tem grana pra impulsionar as publicações nas redes ou muitos contatos na mídia. Eu ainda tô muito surpresa em como o F1 foi bem recebido pelo público. Não que eu não acreditasse no meu trabalho, mas achei que ele atingiria um nicho um pouco menor. Felizmente as pessoas se mostraram super abertas não só a sonoridade como o conteúdo explícito ali presente, enxergando para além da putaria. E bom, tem artista de gravadora que ainda sim não tem o apoio que precisa, né? Então, com gravadora ou sem, a parte mais importante para um artista são seus acompanhantes: o público.
FRIMES – F1 (EP)
disponível em todas as plataformas digitais
acesse a sua favorita e ouça a vontade:https://t.co/FfZzKgd6HC pic.twitter.com/xVqWixF43L— F1 OUT NOW! (@frimesss) October 16, 2020
Se você pudesse formar um grupo pop só de garotas com mais quatro drag queens, quem elas seriam e por qual motivo?
A primeira integrante dessa drag band seria a Divine; ator, performer, e pra mim, uma das mais lendárias queens que já passaram pela terra. Eu definitivamente a traria de volta a vida pra essa banda. Logo após, pegaria pelo braço a Reddy Allor, essa drag maravilhosa do interior de São Paulo que canta um sertanejo com uma voz hiperdelicada mas com uma potência de tirar o fôlego! Chamaria também a Maddax, pois ela é criativa, das redes, nordestina arretada e com um milhão de palavras na cabeça. Seria uma ótima compositora e letrista pra banda. E então chamaria a minha conterrânea e amiga pessoal, Butantan! Todo grupo precisa ter uma rapper, de atitude, porra loca, que fala manso fora dos palcos mas que em cima dele brilha mais que qualquer refletor ali presente, e definitivamente essa queen é a Butantan.
Algumas melodias das músicas novas me remeteram a um certo tipo de sonoridade feita por americanas, no geral. Essa “textura internacional” foi proposital ou os arranjos foram tomando este caminho?
Por muito tempo, enquanto produtor, tentei deixar a minha música parecida com a de artista A, ou de artista B… e isso no começo é normal, a gente tá se encontrando ali no meio, tudo o que conhecemos é o trabalho de outras pessoas. Mas para esse EP eu simplesmente sentei e pensei: “Vou fazer minha música”. Não tô fazendo nada que seja extremamente muito novo, porém quis experimentar outros sons. Em “Culito”, por exemplo, nunca tinha feito uma música dessa forma, e nem em espanhol. Foi um tiro no escuro que deu certo.
Quais artistas, discos ou músicas você ouviu enquanto planejava seu primeiro EP?
Eu ouço muita música, ouço tanta música que comecei a fazer música!
Esses últimos meses ouvi muito as rappers dos anos 00’s como Trina, Lil’ Kim, Missy Elliott… Da atualidade ouvi muito, muito mesmo a CupkakKe (que tem umas letras bem explícitas), Ms. Sancha e Ayesha Erotica. Aqui no Brasil eu fiquei viciada em Linn da Quebrada, MC Carol e Kelly Key.