Como prometido, as rainhas do Halloween, as Boulet Brothers, retornaram para salvar nosso feriado de 2020. O ano marcado pela pandemia e uma série de adiamentos de shows de TV pode ter atrasado a quarta temporada do programa apresentado pelas rainhas, The Boulet Brother’s Dragula, mas não as parou. Pela primeira vez temos um prequel do programa indo ao ar, descrito pelas apresentadoras como a maior experiência drag que vivenciaríamos na TV, e a melhor produção que elas já fizeram. Se acertaram, conseguiram cumprir com tantas promessas e prepararam o terreno para a quarta temporada você confere a seguir.
Antes de expressar qualquer opinião, é importante ressaltar que o formato escolhido e talvez até mesmo o projeto em si é uma reação direta à pandemia. Segundo as Boulet, todas as medidas de segurança foram tomadas e o filme é ambientado nessa realidade de 2020, a pandemia é citada por diversas vezes e serve até de inspiração para um dos looks. Essa decisão é importante pois mostra uma realidade onde é possível produzir conteúdo com segurança e seguindo protocolos.
Um especial de Halloween com duas horas de duração, parte filme, parte documentário e parte competição. O projeto do Resurrection, num primeiro vislumbre, pode parecer confuso e um pouco diferente das competições de drag convencionais e até mesmo da sua própria nave mãe: Dragula. Porém, com escolhas muito bem feitas e uma direção cheia de personalidade feita por Nathan Noyes, o mesmo diretor da terceira temporada. Sim, Nathan foi acusado pelos diversos buracos e pontas soltas que a terceira temporada deixou, como floorshows frenéticos demais, uma ambientação nada favorável para um look se destacar e introduções fracas comparadas às outras temporadas com orçamentos menores. Mas em seu retorno ele se mostra muito mais confortável e firme em suas decisões.
Podemos facilmente descrever o Resurrection como uma mistura bem feita de ingredientes de qualidade. As três roupagens incorporadas, filme, competição e reality, acontecem simultaneamente, de forma natural em um casamento orgânico com tudo o que já vimos durante as três temporadas. E aqui que encontramos outra peça que qualifica o especial: uma grande homenagem à Dragula. O retorno de participantes e a escolha dos desafios serem tirados cada um de uma temporada passada, sendo eles: o floorshow das bruxas da primeira temporada, da cidade fantasma da segunda temporada e dos vampiros, retirado da terceira, nos faz mergulhar em flashbacks, momentos e desafios já consagrados pelo programa. Esses fatores citados ditam a ordem dos acontecimentos, que se desenrolam de forma decente e organizada, principalmente por ter uma matriz de documentário muito forte, colocar os desafios entre os depoimentos fez com que cada ciclo tivesse seu começo, meio e fim bem definidos sem deixar a energia cair.
Nesta altura, chegamos em um ponto importantíssimo para a existência desse spinoff, podendo ser equiparado às montações e maquiagens horripilantes, as histórias de cada personagem e a revelação do artista atrás da obra consegue roubar os holofotes e se centralizar como, talvez, o principal objetivo dessa ressurreição acontecer: ‘conheçam melhor quem vamos trazer de volta, só assim será possível entender o motivo de tal personagem voltar à tv’. E bem, isso é trabalhado de forma poética, sem as intrigas e dramas planejados pela produção, sem a propagação de esteriótipos da ‘drag barraqueira’ ou coisas do tipo. São pessoas normais contando sobre os problemas de sua vida e como a arte fez parte do processo de cura e evolução pessoal. Isso fica muito claro em duas participantes específicas, Priscilla, nos contando sobre a transição e a importância de darmos lugar para artistas trans, e Kendra, relatando sua experiência recente em que sofreu um acidente em uma apresentação que envolvia fogo. A parte documental aqui se firma como um diferencial muito bem trabalhado, sendo o único filme do mundo em que é possível ver um zumbi cozinhando.
Agora, analisando os desafios, looks e performances, é possível afirmar que todas mereciam um pedacinho da coroa (caso alguma estivesse em jogo). Todas as concorrentes conseguiram brilhar e servir um visual memorável em pelo menos uma das categorias. O que sem dúvidas dificultou a escolha das Boulet Brothers, além da qualidade dos artistas presentes, foi a grande diferença entre eles. Disparidades de estilos e de recursos, o que é brilhantemente demonstrado quando Saint fala sobre usar materiais baratos em sua montação de bruxas e a câmera, logo em seguida, corta para Victoria construindo uma prótese super elaborada e cheia de detalhes com todos os seus aparatos de efeitos especiais. É claro, isso não desqualifica ou menospreza o trabalho de ninguém ali dentro, sabemos que para as juradas o ponto principal a ser julgado é a coesão.
Fechando a tríade de pilares da produção temos um ar cinematográfico que desde o primeiro segundo do especial se mostra impecável, como a cena inicial em que a Swanthula vampira participa de uma orgia na mansão Boulet e a escolha do estilo ”found footage” para fazer as transições de forma orgânica, uma vês que o Resurrection foi gravado em diversas cidades e dentro delas em diversas locações, o que envolve muitos cortes. O cuidadoso trabalho de ambientação se mantém durante todo o episódio e explode no lipsync de “In The Next Life”, música de outro grande nome do Halloween contemporâneo, Kim Petras, que se encaixa perfeitamente com a proposta e as batidas eletrônicas já canonizadas nos floorshows passados. Outro momento marcante é a forma em que anunciam quem venceu, voltando as raízes ‘filth’ e teatrais de Dragula.