Indicado em seis categorias do Oscar, Infiltrado na Klan arremata a nova roupagem de filmes fora dos padrões que invadiram a premiação esse ano. O longa trata com ironia e bastante humor ácido a desigualdade enfrentada pela comunidade negra e a naturalidade de como as entidades racistas eram criadas e circulavam no século passado.
Dirigido por Spike Lee, já conhecido por lidar com a temática racial em outros filmes como Malcon X, o longa conta a história do primeiro policial negro de Colorado Springs, que já cansado de ser subjugado no almoxarifado tem a oportunidade de expor a Ku Klux Klan e evitar um ataque ao movimento negro. Para isso ele se infiltra na irmandade com a ajuda do policial Flip, tudo isso envolto do charme dos anos setenta.
Na hora de mostrar o ódio e repúdio dos membros da sociedade americana contra negros o filme não dá voltas, escancara com falas racistas e atos que chegam a gerar revolta. Logo na introdução deparamos com um discurso racista fortíssimo e cenas de blackface em interpretações reais que já ditam o tom que o longa vai lidar com o assunto. Outro ponto marcante é a maestria que o humor é trabalhado, mostrando que é possível fazer piada com racismo sem ser algo ofensivo. Em várias cenas onde o protagonista se passa por um membro branco da KKK e insulta sua própria raça, essa é uma lição de consciência e timing incrível do diretor, ainda somos surpreendidos com uma brilhante atuação do John David, que enquanto fala seu texto consegue transitar entre repúdio, dor e ironia só com o olhar.
São mostradas representações de cada lado da história de forma exagerada, mas o clima bem humorado que rodeia o filme permite que isso seja algo natural, enquanto temos verdadeiros ignorantes dentro da polícia, com insultos e tentativas de sabotagem ao nosso herói, o lado dos representantes “Black Power” é encarnado por pessoas já cansadas de sofrer e prontas para fazer de tudo para terem voz na sociedade. Do lado do Ku Klux Klan são três representantes bem diferentes que o longa escolhe incorporar: um completo idiota, um vilão nazista quase cartunesco carregado de ódio e um dócil participante que vê a klan como um grupo de amigos com algo em comum.
As críticas são assertivas durante toda a história, entre elas duas são acentuadas diversas vezes e chamam bastante atenção: a naturalidade da circulação dos movimentos que representam ódio as minorias, possivelmente encobertas pela liberdade de expressão tão protegida nos Estados Unidos, essas entidades racistas e antissemitas contam com cartões de assinatura e precisam ser denunciadas várias vezes para que a autoridade tome alguma atitude, isso leva a narrativa para um tom de solidão com o protagonista que serve de canal para identificação que o público não negro possa ter com ele, outra decisão fantástica é uma autocritica ao movimento revolucionário negro, que desmerece as escolhas individuais de luta entre os demais e se segrega várias vezes dos seus comuns.
A ambientação é super necessária e o filme faz de forma pontual, logo após a apresentação dos personagens entendemos que estamos um pouco antes das manifestações negras que aconteceram nos anos 80, na verdade, elas estão sendo preparadas pelos movimentos revolucionários. Tudo isso permite que o tom irônico e divertido do filme se justifique e não desqualifique as dedadas na ferida que ele dá.
Enquanto a montagem do filme acrescenta mais ainda ao tom que ele se propõe apresentar, com inserts de cartazes de clássicos da época, telas divididas durante telefonemas um longo efeito vertigo nas cenas finais, propriedades clássicas do cinema setentista que incluem o filme na fila de indicados conceituais do Oscar, a trilha sonora acompanha a viagem no tempo, com blues e jazz no fundo nos arrebatando para um bar artístico de um bairro negro de Colorado Springs. A escolha de deixar a trilha silenciosa durante diálogos que levam ao sentimento de inconformismo baixa sobre a cena o tom realista que ela precisa para ser levada a sério.