Anders Bilberg tem uma história a ser contada que começa exatamente no dia 30 de dezembro, quando ele vem ao mundo na cidade de Copenhague, em Hovedstaden (região da capital), na Dinamarca. Radicado até hoje neste local, é onde canta, dança, atua e acessa sua memória afetiva o mais distante que pode, nos levando as suas origens.
Quando criança, Anders conheceu Copenhague ao descer do trem na estação Vesterport e, ao fazê-lo, subiu as escadas com seus pais e a primeira imagem que surgira em sua frente era a do Nordisk Film Biografer Palads, algo que o impactou profundamente.
A cargo de curiosidade: o Palads existe desde 26 de janeiro de 1918 e é um cinema da Nordisk Film com 17 auditórios. Sua estrutura é imponente e bela, uma imagem que impressiona ao ponto de Anders, até hoje, preferir assistir longas-metragens nele.
Deixada de lado a sétima arte, enquanto crescia, Anders investiu no setor acadêmico e se formou na escola de Artes Cênicas da Dinamarca e na The Royal Danish Academy of Music, em 2015, na Fredericia. Em seguida, trabalha como artista em navios de cruzeiro que o levaram a lugares díspares como África e Rússia, o que o faz voltar a morar em Copenhague em 2017.
Cria do teatro musical, Anders passou um bom tempo vivendo desta área, no entanto, algo faltava para a completude, ou, melhor dizendo, alguém: Betty Bitschlap, sua persona drag, o atalho mais rápido para explorar sua porção queer e retomar a liberdade de ser o que se é sem pedir desculpa por isto.
Megan Moore, também drag queen, esteve presente nos primeiros anos de montação de Betty, ajudando com a maquiagem, por exemplo, e outros truques no geral. Apesar do apoio, o começo de carreira foi marcado por dúvidas e inseguranças.
No começo da vida como rainha, Betty dizia as pessoas que fazia isto apenas como um trabalho temporário porque tinha medo da reação das pessoas, principalmente de seus julgamentos. A negação, entretanto, não mudava os fatos: a vocação falava mais alto e, claro, a possibilidade de empoderamento também era atraente.
Em paralelo a estes dilemas, nesta época Betty assumiu absolutamente todos os postos para manter a nova profissão, atuando como sua própria produtora, empresária, estilista, maquiadora, professora de canto, assistente e intérprete.
O empenho surtiu efeito e a dedicação trouxe consigo aparições na televisão, comerciais, teatro, shows ao vivo, o papel de protagonista em The Rocky Horror Show, no Teatro Aarhus, e uma participação na Dança dos Vampiros, no Det Ny Teater. Todas estas experiências seriam importantes para o próximo grande passo, a música autoral.
Decidida a não cantar apenas músicas compostas por outras pessoas e respaldada por sua drag, Betty passa a escrever suas faixas em 2015 e, além de ter sua criatividade renovada, começa a entender mais sobre si mesma, principalmente ao detectar que é a única rainha dinamarquesa que faz um som autoral.
Com ganas de se misturar ao mainstream, Betty tem um pé, quero dizer, os dois, na discoteca, e destaca, como canções prediletas, I Want Your Love, de Le Chic; Love Hangover, da Diana Ross, e God Control (Madonna), sem esquecer do combo I Want You/Focus on Me, da cantora Maruv. Escolhas que refletem a maturidade de quem ainda renderá, veja só.
Muito mais ciente de sua verdadeira personalidade, certa vez Betty fez um show de caridade num palco grande. No meio da performance, a tela e o som foram desligados e esta rainha se viu, sozinha, sem recursos tecnológicos, com a plateia. No improviso, passa a conversar com o público para remediar a situação, tentando ser espirituosa ao mesmo tempo em que sua maquiagem não colaborava com nada.
Como consequência, Betty ouviu de uma pessoa que ela tinha sido o destaque da noite e, corroborando estas palavras, um convite para um programa de TV surgira, logo, o que poderia ter sido um desastre pode ser considerado um sucesso, não é mesmo?
Seguindo em frente, as oportunidades profissionais surgidas até aqui prepararam Betty para o amplo leque de trabalhos que ela pode executar, afinal, de gravação musical à dublagem de desenhos animados, passando por apresentação de rádio e teatro, em conjunto com seu lado modelo, Betty configura uma potência facilmente reconhecível pela estética de sua marca: cabelo loiro e os lábios vermelhos de boneca a bordo de uma drag versátil, que vai da princesa de vestido rosa borbulhante para uma roqueira classuda e enérgica.
Com uma bagagem sólida, Betty, durante o Orgulho de Copenhague, viu um panfleto que anunciava uma nova competição drag, a saber, Queen of The Universe. Com pouco tempo disponível na agenda, gravou uma versão de Let’s Dance, de David Bowie, para sua fita de audição.
A tentativa mostrou-se frutífera, pois Betty é uma das 14 concorrentes da primeira temporada de Queen of the Universe, uma das rainhas que, após passar pelo crivo de Michelle Visage, Leona Lewis, Vanessa Williams e Trixie Mattel, poderá sagrar-se com o grande prêmio de 250 mil dólares.
Com apresentação de Graham Norton, as drags desta competição precisam servir vocais ao vivo no palco principal, com plateia, e convencer nas roupas mostradas em cena para não serem eliminadas. E assim aconteceu na estreia da edição, This is Me (Part 1), exibida no último dia dois de dezembro de 2021.
Quinta drag a ser apresentada para o público, Betty tinha como desafio mostrar sua essência através do canto e do look e, para tal, foi a segunda a performar, escolhendo o hit Dance Monkey, de Tones and I. Leona Lewis afirma que ela incorporou sua estética, todavia, pelo visto, mais era preciso, porque Betty acabou no grupo das seis primeiras eliminadas.
Cortada da competição pelos jurados no segundo episódio, This is Me (Part 2), transmitido junto ao primeiro, Betty infelizmente não poderá comprar uma casa de férias e investir na sua música e arte com o prêmio maior… Mas ela tem o colo de Matthew One Bailey, seu marido e parceiro criativo, e nós, brasileiros, por aqui na torcida sempre, concorda comigo?
Finalmente, você não precisa mais imaginar como seria uma entrevista com Betty porque é chegado o momento de eu compartilhá-la agora mesmo, na íntegra, logo abaixo. Confira!
Ainda não existe um Drag Race Dinamarca, mas se existisse, o que o público descobriria sobre as drag queens dinamarquesas?
Não há nenhum Drag Race Dinamarca neste momento, mas acho que o mundo enlouqueceria com a diversidade e rainhas incríveis esperando para serem descobertas pelo mundo. Estou tão inspirada pelo quão artísticas e diferentes são as rainhas dinamarquesas, e elas realmente me influenciam, me ajudam a crescer e me tornar a drag queen que sou.
Você participou do All Together Now. Como foi esta experiência?
Eu amo fazer televisão. Eu fazia o All Together Now, mas isso foi como jurada. Na verdade, eu realmente prefiro estar do outro lado da mesa, sendo uma jurada ou parte da produção. Eu sinto que tenho mais controle dessa forma e, mamãe, acredite em mim, eu gosto de controle, haha. Mas foi divertido fazer o All Together Now, foi meu primeiro trabalho na TV e desde então tenho feito um pouco disso. Uma das minhas formas favoritas de trabalhar é fazendo TV. É uma maneira divertida de ter que ser você mesmo, mas também estar ciente de que é TV e dar esse pequeno algo a mais. Eu amo isso!
O videoclipe de Disco Loving Bitch é o mais recente em seu canal no YouTube. Quando você se lembra do dia da filmagem, qual é a primeira lembrança que vem à sua cabeça?
Ai, meu Deus, quando gravamos Disco Loving Bitch, foi uma loucura. Foi a maior produção que eu fiz na época e naquela fase eu fazia quase tudo sozinha, produzindo e performando. Então eu tive que encontrar locações, custos, casting, dirigir coisas e pessoas, ter certeza de que havia comida e tudo mais enquanto me apresentava por dois dias. Foi tão difícil, mas estou orgulhosa do produto. Isso me levou ao limite e todos ao meu redor fizeram um trabalho incrível.
Você lançou seis singles. Quando você olha para sua trajetória musical, que análise você faz? A Betty do primeiro single é muito diferente da Betty do último single?
Minha música mudou muito desde meu primeiro lançamento. Eu sempre tento mudar meu som toda vez que vou para o estúdio para realmente explorar o que é possível. Agora estou trabalhando em algo mais coerente, talvez seja um EP, talvez um álbum. Isso também acontece porque eu me descobri e minha voz muito mais do que quando comecei a fazer música. Eu amo meu primeiro single Hot Dog e é um dos melhores videoclipes que já fiz, mas a música é muito diferente do que eu estaria fazendo hoje, porém, é ótimo assim, eu gosto de ter trabalhos por aí, posso olhar para trás e pensar: “Aha, eu costumava fazer isso, eu não sou mais assim”. Mas a única coisa que minha música sempre teve é humor. Drag para mim está no cerne, para entreter.
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por qual razão?
Se eu fosse formar um super grupo pop de drag queens, acho que seria muito louco, haha, porque vou escolher apenas três rainhas que acho incríveis! Eu vou com um super grupo drag que consiste em: Jujubee porque ela é divertida, de Nova York e pode cantar; Alaska Thunderfuck porque ela é louca e meio que me inspirou a começar a fazer drag; e então a drag queen brasileira Grag Queen porque nós também precisamos de alguns vocais babado. Iríamos dominar o mundo, isso com certeza.
O ano é 2021, mas a música feita pelas drag queens ainda é alvo de muito preconceito e desinformação. O que você acha disto?
Eu acho que as pessoas rotulando a música de drag queen como um gênero em si mesmo é tão chato, desagradável e cansativo. Música é música, não importa se é feita por uma drag queen, Madonna ou uma banda de swing Schlager com metais e flautas. Música é música e se você ouvir algo de que goste ou encontrar um artista que o inspire, vá em frente. Música é música, fim. Música boa é boa e música ruim é ruim. Existem músicas boas e ruins em todos os gêneros, de todos os artistas. Algumas drag queens fazem músicas excelentes e outras menos incríveis, mas o mesmo vale para todos os músicos, estrelas do rock, divas pop, etc.
Anos atrás, Simon Cowell afirmou que drag queens não deveriam cantar, um pensamento que infelizmente muitas pessoas ainda compartilham. Em dezembro de 2021 estreou Queen of the Universe, uma competição drag focada no canto. Quem mudou mais? As drag queens ou o público, que agora quer que as rainhas cantem?
Me deixe dizer a você: as 14 rainhas em Queen of the Universe são super estrelas. Literalmente. Não apenas o canto, mas as personalidades, as roupas, a confiança, em tudo. Todas nós podemos cantar, então é claro que devemos cantar! Simon Cowell falou de um lugar de ignorância, ele provavelmente não tinha visto muitas drag queens se apresentarem, logo, provavelmente não sabia nada sobre nós. E ele representa o mundo dessa forma. O mundo não sabia que existíamos e o que poderíamos fazer. E se o fizessem, não estariam prontos para nós. As futuras mega estrelas são queer porque vamos ser claros: somos as mais criativas, as mais destemidas e as mais fabulosas, mas temos vivido num mundo que não estava pronto para nós, um mundo que não reconheceu nossos talentos por medo. O medo de que se você gosta de algo gay, você também deve ser gay. O medo está ficando cada vez menor, portanto, agora emergimos. Agora conquistamos o mundo com nossos talentos. Então, para responder à sua pergunta, as drag queens não mudaram. O mundo sim.
Você pode regravar um single seu com uma cantora pop. Quem você escolhe e por que motivo?
Para meu single Disco Loving Bitch meus vocais nos versos foram super inspirados por David Bowie, que geralmente me inspira todos os dias, e eu imagino como seria transformar essa música em um dueto com ele. Isso seria irreal não apenas porque ele está morto, mesmo se ele estivesse vivo, isso teria sido maravilhoso!