Grandioso, venerável, vultoso, admirável, gigantesco, heroico e imponente? Se apenas estes são os seus sinônimos para a palavra grande, lamento lhe informar, mas ela terá que corrigi-lo agora mesmo, viu, caro leitor?
“Quanto maior, melhor. Mas Enorma, ela tem o tamanho certo. Ótimo é bom, mas Enorma é do tamanho certo”, disse esta Rugirl em seu Meet the Queens, para prosseguir dando pistas sobre quem é, ou, melhor dizendo, deixar mais perguntas no ar?
“Enorma é como se ela tivesse um transtorno de personalidade múltipla e cada personalidade múltipla tivesse um transtorno de personalidade, então, me colocar em uma categoria seria extremamente redutor”.
Rainha do tipo que trabalha, ganha, gasta e exige, Enorma Jean é uma das oito concorrentes da primeira temporada de Drag Race Italia, spin-off lançado no último dia 18 de novembro, com apresentação e júri de Priscilla, em companhia dos jurados fixos Tommaso Zorzi e Chiara Francini.
Ciente de que é uma das protagonistas da revolução LGBTQIA+ por ser selecionada entre mil drag queens que tentaram entrar nesta oitava franquia internacional de RuPaul’s Drag Race, algo incomum em um país onde ainda é subversivo um homem se vestir de mulher, Enorma pode ser entendida a partir do seguinte questionamento: Who’s That Queen?
O ano era 1975 quando, em Milão, na Lombardia, Itália, Davide Gatto, a pessoa por trás da rainha, nasceu. Aos 45 anos e radicado neste mesmo local, tem tanta história para contar que só nos resta mesmo ouvi-las, veja só.
Em 2003, o pai de Davide infelizmente teve câncer e veio a falecer no ano seguinte, 2004, quando o filho tinha 29 anos de idade. A rápida piora no quadro clínico o fez colocar na balança a relação dos dois, afinal, apesar de terem tido seus problemas e atritos, ele sempre representou o ideal de um super-herói para o filho.
A morte prematura do pai abalou Davide profundamente, que perdeu o equilíbrio pela primeira vez na vida, algo compreensível quando sabemos que tudo isto ocorreu sem ele nunca ter ouvido um eu te amo dele, por exemplo.
Passado este triste acontecimento, 2008 ainda reservava surpresas nada agradáveis para Davide. Confuso e com a saúde mental abalada, costumava ter relações sexuais sem o uso de preservativo. Em sua mentalidade, ele merecia se expor ao risco desta atitude e pagar pelas consequências que poderiam surgir. E elas viriam.
Certa noite, Davide notou um suor fora do comum, suas amígdalas estavam inchadas e, entre um pensamento ansioso e outro, cogitou o pior: HIV/Aids, em vez de um resfriado simples. Na dúvida, uma visita ao médico virou seu destino certo.
Dois dias depois, o hospital entra em contato com ele dizendo que o resultado dos exames estava num envelope, mas que Davide precisava ir até o local para recebê-lo, falar com o doutor e psicólogo. Lá, descobriu sua sorologia positiva para HIV, começou seu tratamento e atualmente vive com carga viral zero e muita saúde devido a terapia com antirretrovirais.
Em paralelo a estes acontecimentos, Davide namora Oliver e trabalhou como designer de acessórios para a Zara desde 1999, e para marcas como Pollini Aeffe, Versace, Gianfranco Ferré, Calvin Klein Jeans e Valentino Fashion Group. As investidas profissionais o levaram a um projeto pessoal valoroso, o Davide Gatto Milano, seu ateliê, em Milão.
Localizado no centro, na zona de Cinque Vie, o estúdio de Davide foca no desenvolvimento de coleção de artigos de couro em contato e colaboração com clientes locais e estrangeiros, algo de se esperar vindo de alguém que ama o mundo da moda e a utiliza para se comunicar e colocar seu ponto de vista no mundo. E mais estava por vir.
Em 2016, através de uma oficina de teatro e motivado pelo desejo de experimentar algo que reunisse diversas linguagens artísticas em uma só, além de ter um caráter político, Davide se monta pela primeira vez e, veja só, não é que a paixão engrenou?
Em drag, seu nome Enorma Jean tem alguns significados. Enorma, em italiano, significa enorme, o exato adjetivo que ela utiliza para definir sua drag e seu ego; ao lado disto, o nome de batismo de Marilyn Monroe é Norma Jeane Mortenson, então, trata-se de uma justa homenagem. E quem mais inspira esta rainha?
Divas que fazem sua cabeça são pessoas que vão de Grace Kelly à Margherita Hack, passando por Rota Levi Montalcini, Milly Mignone, Anna Magnani, Loredana Berté e Marta Marzotto.
Na ala musical, Enorma vive por Aretha Franklin, La Lupe, Whitney Houston, Beyoncé e Gabriella Ferri. Desta última ela ama performar a faixa Il Valzer Della Toppa, assim como também gosta de dublar as músicas La Foule, de Edith Piaf, e Don’t Go, de Yazoo.
No campo que lhe diz respeito, drag, Enorma tem como Rugirls favoritas Raja, vencedora da terceira temporada de RuPaul’s Drag Race, e Bianca del Rio, ganhadora da sexta edição. Quem diria que, tempos depois, ela poderia considerar-se irmã delas?
Tudo começou com a ligação da Ballandi, empresa que produz Drag Race Italia, confirmando seu nome no elenco. Com a boa notícia é chegada a hora de mostrar na televisão que Enorma Jean não é uma drag queen por causa dos vestidos que usa, e sim por ser uma artista com uma história a ser compartilhada no palco.
E assim foi em Ciao Italia, a estreia da temporada. Sexta a entrar na sala de trabalho, acabou safe após o primeiro desafio principal, de costura, com materiais não convencionais recolhidos de uma mala escolhida por Elecktra Bionic, a vencedora do mini desafio que, como tal, designou a mala com o tema Nonna Claudia para Enorma.
Passada a primeira semana competitiva, chegamos a Divas, episódio dois, que começou estranho para Enorma, afinal, ela não ganhou nenhum tema para o desafio principal e teve que criar um infomercial do zero. O que tinha chances de acabar mal deu certo, pois esta Rugirl venceu o desafio e ainda prestou tributo a Sophia Loren na passarela com a categoria Grandi Dive.
Como se não fosse muita emoção para um episódio só, é aqui que Enorma revela ser soropositiva, uma confissão precedida por uma conversa com suas irmãs, em particular, num almoço, uma atividade corriqueira para elas, visto que conviveram quase 24 horas por dia durante as gravações de Drag Race Italia.
Sendo assim, o depoimento que nós, o público, vimos neste dia, fora uma consequência natural para Enorma e funcionou como uma terapia para a mesma que, vale lembrar, teria seus nervos testados ao extremo com o que ainda lhe aconteceria no futuro…
Night of a Thousand Raffaella Carràs, o terceiro episódio, trouxe consigo um Rusical em homenagem a esta cantora, junto com a passarela como forma de tributo. Se por um lado Enorma ficou salva e teoricamente estava garantida na próxima rodada do jogo, sabemos que o Ruverso tem suas armadilhas.
Na sala de trabalho, Luquisha Lubamba, Farida Kant e Ava Hangar teceram críticas a roupa de Enorma e a sua personalidade em si, o que gerou um arroubo dela, com críticas sendo disparadas a produção do programa e as suas irmãs. O barraco foi generalizado e, devido a estes acontecimentos, o desfecho só seria conhecido na semana seguinte, a do Snatch Game.
Depois de personificar Rita Levi-Montalcini, Enorma recebeu uma ação disciplinar, teve que dublar Champion, de RuPaul, contra Ava Hangar, o que resultou em seu Sashay Away e o posto de segunda eliminada, no sétimo lugar geral, e a já icônica frase de despedida: “Drag é um artista com bolas, as minhas não são grandes, são enormes”.
Como é de se esperar, toda Rugirl fala com à imprensa depois de ser eliminada, e com Enorma não foi diferente. Em entrevista recente, fora informada que suas companheiras suspiraram aliviadas quando ela deixou a competição. O repórter a pergunta se isto fez com que se sentisse mal, e ouve que não, que a medida disciplinar doeu mais.
Ainda segundo seu relato, Enorma afirma que sua relação com os produtores e rainhas estava delicada. A tensão tomou conta do estúdio e dos 40 profissionais envolvidos na feitura do reality show. Somado a isto, situações desconfortáveis nos bastidores foram vistas e, pior, vividas.
Tudo isto ajudou a ocasionar o que foi visto durante o episódio. Enorma gostaria que os produtores tivessem parado as gravações na mesma hora e resolvessem o problema internamente, porém, tudo foi ao ar. Ela ressalta que não fez nada ilegal e que coisas piores acontecem no programa americano.
Quieta nos bastidores, Enorma só “explodiu” fora do ar e sabe que perdeu a paciência apenas quando a gravação acabou, entretanto, é ciente que tudo foi feito para ser visto e os telespectadores que tirem suas conclusões, afinal, ela entrou no programa como um talento e perdeu num reality show, sem estar nas piores, mas com fama de impopular.
Findando o capítulo Drag Race Italia, Enorma não gosta de times e acredita que uma equipe é feita com tempo. Em comparação com suas companheiras, ela afirma ter tido muito mais trabalho para aprender a coreografia e música do Rusical devido a sua idade e limitações naturais impostas por ela.
E o que mais Enorma tem a dizer sobre os últimos acontecimentos de sua vida, arte drag, Itália e outros assuntos não menos importantes? É o que você descobre logo abaixo, na íntegra, com a entrevista exclusiva que fizemos. Confira!
Olá, olá, olá, Enorma Jean. Boa tarde! Como você está hoje? Aqui no Brasil parece o verão, com altas temperaturas. Como está o tempo agora em Milão?
Está ficando mais frio à medida que avançamos para o Natal, mas como todos sabemos, o tempo frio é ótimo para a pele e na minha idade, preciso de toda a ajuda possível.
Existe beleza nas rugas?
As rugas nada mais são do que os sinais deixados pela experiência de vida – a história do riso, da tristeza, dos dias de verão ao sol e das madrugadas passadas a se divertir. Elas são tão únicas quanto uma impressão digital, como uma autobiografia facial. Anna Magnani sempre disse que não queria suas rugas cobertas porque ela as merecia.
Drag é uma arte livre onde você pode ser quem quiser ser, no entanto, existe um eterno culto da juventude no mundo drag. Como você lida com estes opostos?
Como você disse, é um mundo, há espaço para todos. Desde as belas coisas jovens até aquelas de nós com mais experiência. O que possa me faltar na juventude, compenso de outras maneiras.
Você tem feito drag por cinco anos. O que te motivou a seguir carreira como rainha desde que você se montou pela primeira vez, em 2016, numa oficina de teatro?