Tatuagens pelo corpo indicam algo, uma história a ser contada. É ali, entre a pele e o desenho, que moram algumas pistas para entendermos a pessoa, logo, quando estamos falando de uma drag queen, estas informações tornam-se mais preciosas ainda para respondermos a seguinte indagação: Who’s That Queen?
A tatuagem tributo à Vampira – ícone da década de 50 dos longas-metragens de terror B – de Louisianna Purchase, é o ponto de partida para entendermos esta artista, afinal, sua conexão com a atriz assustadora é a prova de que uma sensibilidade macabra, aliada com sabor de moda retrô junto a certa paixão por filmes de monstros e o Drácula de Bela Lugosi, é a equação que resulta no óbvio: uma rainha do horror e do glamour.
Nascida no dia 26 de dezembro de 1976, em uma pequena cidade na zona rural da Louisiana, ela desde criança se interessava pelo cinema de terror em preto e branco e outras produções como Frankenstein e a série sessentista Dark Shadows, sobre vampiros e bruxas, reprisada sempre que voltava da escola.
Entre suas influências iniciais também constam o Muppet Show e Debbie Harry, vocalista do Blondie, a qual ela viu na televisão, ainda muito jovem, e instantaneamente passara a ficar encantada por padrões de beleza fora do comum fundidos com sua reverência pelo macabro.
Quando tinha por volta de cinco, seis anos de idade, Louisianna estava com seus pais em uma cabana. Nela havia uma TV pequena, sem controle remoto que, ao ser ligada, exibia uma linda mulher, de cabelo escuro e nua, fazendo uma dança com grandes leques feitos de plumas brancas de avestruz. Neste momento, ela conheceu o glamour e, spoiler, gostou dele.
Em seguida, em meio as novas descobertas, Louisianna teve que ter nervos fortes em seu processo de crescimento. Muito afeminado segundo a censura pública da época, sofreu preconceito duplo por ser bem magro, do tipo com metabolismo alto, o que impede o ganho de peso. O bullying foi certeiro e constante, todavia, felizmente não forte o suficiente para impedir uma criança queer de realizar aquilo que ela tem de sobra. Sonhos.
Na ausência de amigos ou alguém que torcesse por ela, Louisianna debruçou-se sobre histórias em quadrinhos, desenhos, música, livros e filmes. Este mundo paralelo, responsável por aguçar sua imaginação, apesar do natural isolamento, transformou-se em mais do que uma técnica de sobrevivência, e sim em seu escapismo, o lugar no qual não existem dedos apontando em sua direção, indicando a homofobia de quem peca pela ignorância em vez de desfrutar da feminilidade de uma pessoa bem resolvida com algo a dizer.
Antes de chegar à maioridade, Louisianna ainda enfrentou a doença de Lyme, uma infecção causada por carrapatos, na adolescência, nos anos noventa. Foi nesta fase, com Nirvana e o movimento grunge, que ela aderiu aos brechós e o ressurgimento da moda vintage na companhia de, veja só, amigos. Estas compras e experiências seriam determinantes para o que aconteceria no futuro.
Sem ter como extravasar sua criatividade e cansada de não ter as rédeas de sua vida, Louisianna observou a chance de revolucionar sua existência bater na sua porta e lhe dizer: “Olá, posso entrar?”
O ano é 2013 quando, então aos 36 anos e radicada em Austin, no Texas, ela comparece, no mês de abril, ao show Poo Poo Platter para, na verdade, ter um encontro, marcado via aplicativo de relacionamento gay, com a drag queen Bulimianne Rhapsody, responsável por fazê-la assistir um show de drag pela primeira vez.
Louisianna, que só conhecia o documentário Wigstock, vislumbrou uma possibilidade inédita até então: ser drag queen. E entre pensar e executar foram precisos apenas seis meses, porque sua estreia como rainha aconteceu de forma convencional em solo americano, no mês do Halloween.
No dia 18 de outubro, Louisianna assim o fez, em uma performance na qual usou uma música de sete minutos, queimou uma bíblia, quebrou o pescoço de uma freira e vomitou sangue em seu rosto. O que ela achou deste debute? Péssimo, para dizer o mínimo. Mas é como diz a crença popular: “A segunda vez em drag é sempre a melhor”. Será?
Na dúvida, Lousianna repetiu a dose meses depois, no natal, em dupla com Summer Clearence. Como consequência, fora inserida no elenco de Poo Poo Platter, que ocasionou em duas apresentações distintas de variedades de terror, Die Felicia e Sad Girls Only, emendando com projetos feitos por trupes burlescas e outros eventos não menos interessantes.
Agora a bordo de uma nova carreira que só depende dela mesma para alçar novos voos, Louisianna tem algumas direções para seguir. Uma delas a levou a ser premiada como a melhor artista drag da cidade de Austin, uma nomeação que enterra definitivamente as dúvidas de outrora sobre os rumos de sua vida profissional.
Falando nela: foi como drag que Louisianna fez as pazes consigo mesma. O novo trabalho validou o que antes era motivo de deboche e escárnio para seus detratores. Agora eles é quem tem que lidar com a combinação de confiança instantânea e talento dela, uma rainha consciente, empoderada e única, como seu nome artístico.
De origem histórica, a compra da Louisiana consistiu na aquisição do território da Nova França na América do Norte pelos Estados Unidos em 1803. E, com o perdão do trocadilho infeliz, Louisianna nasceu e foi criada na Louisiana. Para ela fez todo sentido chamar-se assim, ainda mais quando verificou no Google que ninguém mais usava este nome, elogiado, por sinal, por Dita Von Teese após um show dela em que Louisianna, junto de Bob, seu mentor burlesco, levou um pôster para a estrela autografar e, depois de descobrir para quem seria, ela afirmou ser um dos melhores nomes de drag que tinha escutado.
Com este certificado de qualidade e mais bagagem de vida, Louisianna encarou a terceira temporada de The Boulet Brothers’ Dragula, disponível de 27 de agosto à 28 de outubro de 2019. Nesta competição ela saiu na quarta posição e, entre o pódio e o começo deste novo capítulo, muito aconteceu.
Dragula deu à Louisianna a oportunidade de aumentar sua família, com Priscilla Chambers, que se soma a mais outras 25 filhas drags suas, porém, o programa também testou seus limites de outra forma, como quando ela não almoçava por estar usando espartilho ou para não bagunçar sua maquiagem, lhe restando apenas a opção de tomar água, entretanto, permanecendo linda, afinal, a beleza cobra uma comanda.
Brincadeiras à parte, em se tratando desta competição, temos que destacar sua participação no episódio quatro, The Demons Blood, de 17 de setembro. Única vez loira em Dragula, Louisianna raramente usa este tipo de peruca e já confessou à imprensa não ter nenhum conhecimento sobre Dungeons and Dragons, base do floor show onde ela entregou uma roupa feita para o desafio, na pele de Elf Priestess. Inspirada em Galadriel, da franquia O Senhor dos Anéis, conseguiu ficar entre as três melhores da semana.
A façanha fora repetida no episódio seguinte, No Throw Aways, Not Recycled, que exigia uma roupa de rainha trash. Louisianna havia recebido uma crítica de Dracmorda Boulet que ela devia adotar uma silhueta maior em seus looks, então, esta monstra colocou a dica em prática e registrou mais uma rodada entre as melhores.
Findada sua viagem no universo de Dragula, Louisianna passou a viajar e se apresentar com maior frequência, aperfeiçoando sua mistura de drag com burlesco e pitadas de horror. Neste caminho, abriu shows locais de King Princess e Orville Peck, em 2019. E fez mais.
Entre seus novos trabalhos, um deles chama atenção pela adesão popular: fotos polaroides estilo pin-up, picantes. A primeira leva esgotara em menos de 15 minutos e o que nasceu minimalista caminha para o mundo real, com a edição de um livro que compila estas fotografias, ainda sem data de lançamento.
E saindo do mundo fotográfico para o musical também temos novidades. Louisianna toca theremin e lançará um álbum eletrônico instrumental, sua segunda investida musical, a contar com o single e videoclipe de estreia, Whip Crack, dirigido por Chique Fil-Atio e disponível desde 30 de outubro de 2020 nas plataformas digitais. Tudo muito coerente com a rainha nomeada duas vezes, em 2016 e 2018, como a melhor drag performer pelo Austin Chronicle.
Por fim, no campo pessoal, Lousianna casou em Las Vegas, no dia seis de julho, com o tema Mars Attacks. Logicamente, um desdobramento comum para um relacionamento que começou em fevereiro de 2013 e descamba em sua carreira, claro.
Com oito anos como drag queen, Louisianna pode desfilar sua monstruosidade à vontade, porque seu desejo de criança, de ser uma estrela e não cair no esquecimento, foi devidamente atendido pelo universo. Tanto que, por conta disto, você pode ler, na íntegra, logo abaixo, a nossa entrevista. Confira!
Você integra um grupo formado por 39 pessoas: os drag monsters que participaram de The Boulet Brothers’ Dragula. O que fez as Boulet Brothers escolherem você para se juntar à família?
Não sei exatamente por quê. Elas escolhem a dedo todos os concorrentes, então as Boulet obviamente viram algo em mim que elas queriam para Dragula.
Eu acho que a verdadeira competição, a corrida real, começa depois de Dragula, afinal, é quando você tem uma plataforma à sua disposição, mas você precisa inovar para permanecer em evidência, se atualizar para durar neste negócio. Como fazer seu trabalho ser reconhecido em um mundo cheio de drags?
Sendo eu mesma. Permanecer autêntica com minhas musas e inspirações é a maneira como eu crio. Existe apenas um você, então seja fiel ao que lhe traz alegria em sua arte.
Que interação sua com as Boulet Brothers não foi mostrada na terceira temporada e você adoraria que o público visse?
Infelizmente, não posso compartilhar nada dessa natureza devido ao meu contrato com as Boulet Brothers.
Se você pudesse escolher alguns nomes para o elenco da quarta temporada de Dragula, quem faria parte do programa com certeza?
Estou tão empolgada que minha irmã da 3ª temporada, Saint, vai competir na 4ª temporada. Ela tem todo o meu amor e apoio!