A minha entrevistada de hoje tem uma história de vida cujo enredo é digno de série dividida em partes na Netflix. Você provavelmente foi apresentado a ela no dia primeiro de fevereiro de 2010, com a estreia da segunda temporada de RuPaul’s Drag Race em Gone With The Windows.
Na ocasião, a primeira rainha a entrar na sala de trabalho fora Nicole Paige Brooks, de Atlanta, Geórgia. Salva na primeira semana, esta drag nem imaginava o que viria na segunda. E última.
Em Starrbootylicious, episódio dois, Pandora Boxx e Sahara Davenport vencem o mini desafio, o que lhes dá o direito de escolherem membros para suas equipes. Nicole não é escolhida por nenhuma das duas e, por isto, vai parar no time de Pandora como última opção. Elas terão que fazer uma performance burlesca para a música Tranny Chaser, de RuPaul, na boate Dragonfly Hollywood.
Se isto não é suficiente para você, pegue aí o plot twist do desafio. Além de se apresentarem para, por exemplo, a jurada convidada Dita Von Teese, todas as 11 drags restantes tiveram que vender tickets de torta de cereja do Café Audrey para pessoas aleatórias na rua. E é aqui que começa o calvário de Nicole.
Junto a Raven, elas foram as duas drags que arrecadaram menos dinheiro após esta tarefa, o que as levou direto para a dublagem pela vida, ao som de My Lovin (You’re Never Gonna Get It), do En Vogue. Neste ponto, exatamente em oito de fevereiro de 2010, RuPaul dá Sashay Away para Nicole, que acaba como a segunda eliminada da segunda temporada de RuPaul’s Drag Race.
Findada sua participação no programa, é redundante dizer que Nicole, infelizmente, faz parte do grupo de Rugirls que as pessoas não puderam conhecer como deveriam devido ao pouco tempo de tela gerado naturalmente pelas primeiras eliminações, então, fica a pergunta no ar: Who’s That Queen?
Nascido no dia nove de julho de 1972, em Marietta, no estado da Geórgia, Estados Unidos, Bryan Christopher Pryor é o caçula de três irmãos, os demais sendo Ângela e Steven. Aos dois anos de idade, o pai deles, há mais de três décadas servindo na Força Aérea, teve que se mudar, por motivos profissionais, para a Alemanha. Neste país eles permaneceram até os 16 anos de idade de Bryan, que troca o euro pelo dólar ao voltar a morar nos Estados Unidos, desta vez em Nashville, Tennessee.
Nesta fase, afortunadamente, de um lado os pais de Bryan se separaram, porém, do outro, ele estudou na McGavock High School, instituição pública de ensino, na qual conheceu Kim, sua melhor amiga, e também uma aluna chamada Nicole, sua namorada. Guarde bem este nome, leitor, porque ele será importante mais a frente, viu? Mas voltemos ao texto.
Em 1992, aos 20 anos, Bryan morou em Oklahoma City, capital onde, pela primeira vez, teve acesso a um universo que o tornaria uma rainha: o bar gay Angles. Ao fazer um desfile como parte de um trabalho, ele ganhou mais do que o cachê. Ganhou o entendimento necessário que existia um lugar para pessoas como ele, LGBTQIA+.
Entretanto, não nos deixemos levar pela mágica da descoberta. Pelo menos não totalmente. Neste dia Bryan teve que sair do bar as escondidas, afinal, nos Estados Unidos, o consumo de bebidas alcoólicas e entradas em pubs e boates só é permitido aos 21 anos de idade, mas ele logo, logo faria aniversário.
Meses depois, em julho de 1993, já maior de idade segundo a lei americana, Bryan tornou-se cliente assíduo do Angles, que continha em sua programação um espaço reservado para shows de drag queens. Naturalmente, amizades começaram a surgir com elas e, claro, tentativas de persuadi-lo a também fazer drag. Em uma delas o argumento usado foi o de arrecadar fundos para a pesquisa do HIV/Aids. Ele aceitou, mas enfatizando que seria somente desta vez.
Mais a frente, na dita festa beneficente, adivinha quem conseguiu somar mais dinheiro e sagrou-se campeã? Ela mesma, Nicole. Ironicamente, foi um desafio deste mesmo tipo que a mandou para casa em Drag Race, mas já falamos disto. O foco é na Nicole Page, aqui sem o I e com Porsha como sua mãe drag.
Após esta primeira vitória Nicole recebeu diversos convites para performar por Oklahoma até se mudar de novo, em 1995, aos 23 anos, agora para Memphis, no Tennessee. Montação? Nenhuma. Seu namorado deste período não aprovava o trabalho como drag queen. E agora?
O impasse se resolveria em 1999, com outra mudança, para Atlanta, na companhia de William, sócio e novo namorado; e o melhor amigo de ambos, Damon. Trabalhando na loja de departamento Rich’s, do Shopping center Lenox Square, Bryan foi vivendo sua vida até que um dia seu relacionamento acabou e ele arrumou as malas novamente, rumo ao bairro Midtown, ao lado de Damon, um apoiador genuíno de sua drag desde sempre.
E já que estamos falando de pessoas que incentivaram Nicole, é justo ressaltar Shawnna Brooks, sua mãe drag, a figura responsável por poli-la e lhe apontar o caminho a seguir. Um ano depois que se conheceram, Shawnna a pediu para que acrescentasse seu sobrenome ao Nicole Paige, completando o nome usado por ela até hoje. Nicole é uma homenagem a namorada da escola citada no começo deste texto, lembra? Paige é de ninguém menos do que Bettie Page.
Com sua drag devidamente batizada, Bryan ainda conciliava sua agenda como vendedor de shopping, durante o horário comercial, com seu outro trabalho, na lendária casa noturna Backstreet, de Charlie Brown. Depois de anos de revezamento, drag falou mais alto e finalmente uma carreira nesta área começava a se desenhar, com oportunidades chegando.
Em Atlanta Bryan se viu convencido por amigos a se apresentar na noite amadora Drag on the Edge. É quando ele entende quem é, de fato, a sua drag, uma descoberta que seria importante para sua próxima aventura, a maior de todas: RuPaul’s Drag Race.
Arman, um amigo de Nicole, a indicou para assistir o programa que mudaria sua vida de cabeça para baixo. Ele a ajudou a se inscrever no site para concorrer a uma vaga no elenco da primeira temporada. Ligações, entrevistas e um teste depois, a tentativa acabara sendo infrutífera, mas na segunda vez, para a segunda temporada, os esforços foram recompensados. Mas até que ponto?
Ao ficar confinada para gravar Drag Race, Nicole não reagiu tão bem a distância da família, chegando a passar noites em claro pensando nos familiares e, principalmente, em seu filho Lukas, cuja mãe biológica é Shannon, uma de suas melhores amigas. A parceira dela faleceu logo depois do parto. Com o tempo, a adoção surgiu naturalmente no caminho.
Findando o capítulo de paternidade/maternidade, em 2010, quando sua temporada foi veiculada originalmente, Nicole se policiava devido a pouca idade do filho. A tensão era quebrada com o companheirismo de sua amiga de antes do programa, Kylie Sonique Love, fora a amizade que se aprofundou com Mystique Summers Madison, por exemplo.
No campo da amizade e irmandade Nicole também pode contar com Tara Nicole Brooks e Destiny Brooks, suas irmãs drag e conterrâneas, pessoas importantes na vida de quem, certa vez, teve o próprio apartamento invadido por um suposto fã que a perseguiu como consequência de ter sido expulso de uma boate.
Mas nem só de episódios tristes vive Nicole. Longe disto. Criando um adolescente de 16 anos de idade, ela admite que teve dificuldade para se adaptar as mudanças impostas pela pandemia, porque, segundo diz, é como se não houvesse público e, no final do dia, um comentário no Instagram não é como um aplauso na vida real, não é? E é fora das redes que Nicole reina.
Atualmente aos 26 anos de carreira como drag, iniciados oficialmente em 22 de fevereiro de 1995, o que ela tem feito ultimamente? É o que você descobre logo abaixo, na íntegra, na entrevista que fizemos. Confira!
São surpreendentes 11 anos desde que a segunda temporada de RuPaul’s Drag Race foi ao ar. Como é a vida depois de Drag Race? Melhor do que você pensou ou mais difícil?
Eu estive na segunda temporada e fui a rainha número dez a entrar em RuPaul’s Drag Race. Naquela época eu não tinha certeza de como as coisas iam acabar. Estar no programa definitivamente mudou minha vida, tanto quanto ser capaz de viajar por todo o mundo e ser reconhecida pelo meu talento e minha arte.
Shawnna Brooks é uma de suas duas mães drag. Quais foram as três coisas que ela te ensinou sobre drag e que você gostaria de passar como conselho?
Shawnna se tornou minha mãe drag em 1999 e um dos melhores conselhos que ela me deu foi para ser muito autossuficiente. Para se destacar como indivíduo, você realmente deve ser capaz de fazer seu próprio cabelo, sua própria maquiagem e criar suas próprias fantasias. Dessa forma, ninguém mais andará com a mesma coisa que você. Se você fizer tudo sozinho, é muito improvável que você encontre uma cópia carbono. Ela sempre diz para ser legal, mas acima de tudo, divirta-se.
É um clichê, mas preciso te perguntar: você já recebeu um convite para voltar ao All Stars? Sempre fico pensando em tudo que você daria ao público que nunca pudemos ver devido à sua eliminação precoce.
Ainda não recebi um convite para estar no All Stars, mas é claro que adoraria.
Quando você vê o que RuPaul’s Drag Race se tornou hoje, sabendo que esteve presente no início de tudo, como você se sente? Por causa de sua importância hierárquica, não deveríamos vê-la mais no programa?
Estou muito confortável com minha experiência no Drag Race. Eu sou parte de um legado. Sendo a primeira rainha de Atlanta de todos os tempos no programa, primeira rainha a entrar na segunda temporada. Estou muito contente com minha exposição.
Como foi crescer na Alemanha?
Morei na Alemanha até os 16 anos em uma base militar. Eu não saí do armário quando era criança, então realmente não tive uma experiência gay até ser adulta.
O que seu filho Lukas acha sobre você ser uma drag queen? Fico aqui pensando nisto e lembro que é muito importante que as crianças tenham acesso à diversidade desde cedo.
Lukas realmente não pensa sobre isso. É algo normal na vida dele. O pai dele, uma drag queen, não é grande coisa, não parece afetá-lo de forma alguma.
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais três drag queens, quem você escolheria e por que motivo?
Meu grupo de Rugirls seria Sonique, Mariah Paris Balenciaga, Violet e eu. Somos todas rainhas de Atlanta muito diferentes umas das outras e somos todas amigas.
RuPaul disse uma vez que drag nunca alcançaria o mainstream. Bem, desta vez ela cometeu um erro. Na sua opinião, o que ajudou a arte drag a se tornar tão popular quanto agora?
Eu acho que drag é tão popular hoje só porque é arte. Tem beleza, glamour, comédia, dança, música, tudo em um.
A modernidade tornou o trabalho das drag queens de hoje mais fácil, não é? Hoje temos vários filtros, Photoshop e ferramentas tecnológicas que ajudam quem faz drag, porém, tudo isto não garante nada, então o que faz uma drag continuar em cena? Sorte? Talento? Ambos?
Eu realmente não sou muito de Photoshop. Eu acho que você pode colocá-lo e transformar-se com maquiagem. É muito estranho quando as garotas aparecem e não se parecem com as fotos. No que diz respeito à longevidade, acho que enquanto você estiver gostando do que faz, isso se reflete no seu trabalho e é isso que vai mantê-lo por tanto tempo quanto quiser.
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