A forma mais econômica e rápida de viajar da Espanha para a Alemanha, atualmente, é aérea, porém, aqui na coluna eu vou aliviar para o seu lado e lhe poupar mais de R$ 2.000 da passagem, afinal, é de Barcelona que vem o protagonista desta edição da Who’s That Queen?
Jan Sabater Viñals nasceu no dia 11 de maio de 1993, em uma pequena aldeia catalã cuja população é de quase 18 mil pessoas. De um lado, seus pais e sua irmã sempre formaram e formam seu núcleo de apoio, uma torcida importante para um inimigo que ele conheceu desde cedo, a homofobia.
Mesmo a Espanha sendo considerado um país progressista no que diz respeito as pautas e demandas das minorias, isto não impediu Jan de receber ataques verbais e físicos. Agredido por ser homossexual, também sofria preconceito por ser o único ateu de seu bairro em um local onde, desde 2019, a maioria da população identifica-se como ateísta. Neste mesmo ano ele também foi insultado, com seu namorado, por serem gays.
Ainda no campo pessoal, Jan tem um número considerável de amigos que passaram pela mesma situação, com o agravante de terem sido espancados. Tudo isto é estranho para ele que, desde sempre, fora uma criança criativa, daquelas que são instintivamente seduzidas pela arte.
Aulas de dança eram um objetivo, entretanto, a família não tinha dinheiro para pagar por elas, então, como canalizar a vontade de se expressar que urgia cada vez mais? Certa vez, Jan viu o bailarino Michel Williamson dançar. Em cena, seus movimentos os lembravam de uma mulher e, mais do que isto, lhe faziam ficar encantado. Ele o apresentou a um mundo desconhecido até então: drag.
Seduzido por esta forma de arte, Jan começa uma nova carreira que, claro, precisava de outro nome: Janisha vem de Anisha, uma mulher que o fez lembrar de uma conhecida catalã que fazia dublagens no YouTube de outras pessoas. Jones vem de Grace Jones e Samantha Jones, personalidades marcantes de duas mulheres fortes.
Indo mais a fundo em sua drag, a estética de Janisha não se baseia em parecer uma mulher. Entre o masculino e feminino, prefere fluir entre eles em vez de escolher apenas um. Na maquiagem, opta por rostos mais pesados, extremos e, porquê não, espaciais? No final do dia, para ela, fazer drag é sentir-se livre. Seria assim em sua estreia como rainha?
Aos 25 anos, em 2018, Janisha performa pela primeira vez como drag queen em uma festa promovida pela boate Harry Klein, de Munique. Nela aconteceu o concurso “Queen of The Night”, do qual esta drag sagrou-se como vencedora, contudo, nem só de alegrias viveria sua carreira nestes primórdios.
Um dia, Janisha usou o metrô, junto a uma amiga transexual, para irem à uma festa. Uma mulher desconhecida seguiu ambas e disse para elas: “Você é tão bonita”. Em seguida ela se direciona para Janisha e diz: “Você ainda tem que praticar com a sua maquiagem, não parece tão bonita”.
Opiniões à parte, sua maquiagem costuma causar mesmo reações particulares. Nos locais aonde se apresenta, Janisha é frequentemente indagada sobre estar irritada devido a aparência que compartilha com o público, porém, seus familiares pensam diferente.
Ao visitarem Munique, os pais de Jan ficaram sabendo, através do próprio, que agora ele trabalhava como drag queen. Depois de explicar para eles a diferença entre drags e transexuais, obteve duas respostas completamente inesperadas.
A mãe achou ótimo e afirmou que o importante é se divertir. O pai perguntou: “Onde estão os sapatos mais altos que você tem?”. Na sequência, quem estava na sala, usando saltos de 23 centímetros? Ele mesmo, o pai de Jan. Junto ao filho e filha, e a esposa, todos dançaram juntos.
Cientes da seriedade da nova paixão de Jan, seus pais vão além: sempre que viajam para a Alemanha, aproveitam para ver shows do filho. A mãe já o assistiu no NiL Café & Bar, Call me Drella e o já citado Harry Klein, onde trabalha desde 2018.
Esta normalização do fazer drag é um ponto importante para Janisha. Para ela, o encontro, a rotina, contribuem para que as pessoas percebam que drag queens são seres humanos normais a bordo de perucas enormes. Nada de demais. É por isto que ela faz questão de usar o metrô como transporte. E não para por aí.
Sabe o que Leya Kandt Jones, Luna Jones, Cassie Stacy Princess of Genovia e Janisha Jones tem em comum? Todas estas rainhas formam a House of Jones, espaço particularmente importante para Luna, por exemplo, que teve que lutar para fazer drag.
Criada por pais não muito tolerantes, ela estudava balé e, quando começou a se montar, guardava seu arsenal de drag no apartamento compartilhado pela irmandade que se instaurava. O imóvel, mais do que um lugar para viver, virou um safe space para Luna que, neste momento, começava a sentir o gosto da liberdade de ser quem é de verdade.
O bom relacionamento de Janisha com outras drags também lhe rendeu frutos profissionais, como o podcast semanal Meatgirls, apresentado às quintas-feiras por ela mesma na companhia de Pasta Parisa e Dean DeVille. Juntas elas abordam o mundo drag de forma geral e questões pertinentes ao universo dos homens.
Ainda no campo da amizade, a carreira de Janisha lhe permitiu conhecer, em novembro de 2018, Aria Addams. Guarde este nome, porque ele é importante para a próxima grande aventura dela.
Em 14 de novembro de 2019 estreou a por ora, única temporada de Queen Of Drags, competição drag alemã, exibida pela ProSieben, com apresentação de Heidi Klum, Bill Kaulitz e Conchita Wurst. Além de apresentadores, este trio forma o júri que, após seis semanas, sempre ao lado de um jurado convidado, definiu a primeira Rainha das Drags. Neste caso, um elenco formado por dez drag queens oriundas da Alemanha, Áustria e Suíça.
Para Janisha, o primeiro dia de filmagem foi muito emocionante. Como é espanhola e não sabia falar alemão, teve que aprender o idioma sozinha, afinal, o medo de falar algo errado ou se expressar mal rondava seus pensamentos com frequência.
Em relação ao restante das competidoras, com exceção da já citada Aria Addams, Janisha conhecia algumas delas previamente, como fora visto no episódio um, “The Art of Drag”. Logo de cara as rainhas foram desafiadas a mostrarem quem são com uma performance no palco principal.
Janisha dublou Disturbia, de Rihanna, mas o que entregou não agradou aos jurados e acabou ganhando sete pontos, três deles dados por Heidi Klum, a maior nota recebida por ela neste primeiro desafio. “Estou desapontada comigo mesma. Obrigada por me deixar estar aqui”, disse após sua eliminação.
Se por um lado a participação de Janisha em Queen of Drags foi rápida, por outro ela pode orgulhar-se de ver sua mensagem de mais amor e menos plástico alcançar um número maior de pessoas. Neste programa seu objetivo era celebrar e ao mesmo tempo tornar drag algo normal, por tabela, ajudar a diminuir o preconceito sobre a forma de arte para a qual teve que aprender a se maquiar sozinha.
Findado este capítulo na vida de Janisha, quase dois anos se passaram desde a exposição mundial em Queen of Drags. Recentemente, ela disse que pensou em fazer um teste para Drag Race España, mas não o fez, ao que tudo indica. Será que tem outras novidades vindo aí? Descubra na entrevista abaixo, disponível na íntegra. Confira!
Como foi seu processo de inscrição para a primeira temporada de Queen of Drags?
Eles me contataram via Instagram e depois me pediram para fazer uma ligação. Conversamos sobre mim e a competição em torno de 15, 20 minutos, e depois eles me pediram para fazer um show e entrevista ao vivo para me conhecer melhor. Seis meses depois, parece que estou dentro!
Já se passou um bom tempo desde que sua temporada foi ao ar. Quando você pensa sobre sua participação no programa, qual é a primeira lembrança que vem a sua mente?
Para mim não foi um bom momento. No mesmo dia em que voei para Los Angeles para começar as filmagens, minha mãe teve que entrar no hospital porque estava com câncer de uretra. Foi um momento muito sombrio para mim e minha cabeça não estava disponível para fazer o trabalho que eu tanto precisava no palco de Queen of Drags. É por isso que minha primeira apresentação não foi a melhor e é por isso que eu tive que ir primeiro. Depois da eliminação foi bem fácil, pude ligar para minha mãe e após a cirurgia ela estava se sentindo bem e melhor a cada dia.
Não ficou claro para mim: você nasceu em Barcelona, Espanha?
Sim, vim de uma pequena cidade chamada Palamós, perto de Barcelona. São 17.500 pessoas na Costa Brava.
Quando você se mudou para a Alemanha? Por que isso?
Me mudei para a Alemanha em 2013, não tinha muito a perder na Espanha e havia acabado de terminar com meu namorado de 5 anos, então, precisava de uma mudança e assim fiz.
Quais são as principais dificuldades enfrentadas por quem faz drag em Munique, na Alemanha?
Munique é uma cidade realmente conservadora, o que me surpreende porque há 30 anos Munique era um lugar seguro para Freddie Mercury e suas famosas festas aqui, mas agora as festas em Munique estão ficando chatas. As pessoas são ricas aqui, porém, não querem nos pagar, drag queens, de maneira adequada, logo, é como uma pequena guerra que temos que superar. Depois, você sabe que as pessoas certas estão realmente melhorando, contudo, acho que fazer drag em Munique não é tão fácil.
O que fazer para conseguir ter uma carreira?
Ter uma carreira custa muitos nervos, talento, trabalho e paciência, mas se você trabalhar em si mesmo todos os dias, você ficará cada vez melhor e, em algum momento, poderá começar a construir uma carreira.
Infelizmente você foi a primeira eliminada de Queen of Drags, mas quais são seus três momentos favoritos no episódio de estreia?
Conhecer Conchita Wurst.
As conversas com a Samantha Gold, ela me ajudou muito com a coisa com a minha mãe.
E a maconha legal em LA.
A segunda temporada de Queen of Drags acontecerá. Se você pudesse escolher as drags do elenco, quem faria parte do programa com certeza?
Pasta Parisa, Dean Deville e Pinay Colada são as melhores de Munique! Então eu pegaria Absinthia Absolut de Berlim, Rachel Intervention de Stuttgart, Metamordkid de Viena. Marcella Rockerfella é uma grande cantora de Colônia.
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais três drag queens, quem você escolheria e por que motivo?
Acho que seriam minhas duas melhores amigas, Pasta Parisa e Dean Deville. A quarta, Conchita?
Boa escolha! Mudando de assunto: a arte drag chegou ao mainstream, mas mesmo assim ainda é alvo de muito ódio. O que causa estas reações negativas, Janisha?
As pessoas que não têm a mente aberta. A homofobia. A transfobia, mas, principalmente, a ignorância.
Para finalizarmos: o que eu não perguntei nesta entrevista que você adoraria dizer às pessoas?
Crie arte, não fale muito, às vezes as pessoas falam sem sentido. E sempre há algo que você pode fazer melhor.
Obrigado pela sua disponibilidade, Janisha. Beijos brasileiros!
Obrigada pela sua paciência!
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