Hoje nós vamos começar falando dela, a orquídea de Singapura. Não, espera aí. Não me refiro a flor nacional deste país. É quase isto. Salam, sisters, porque Vanda Miss Joaquim é a convidada especial desta edição da Who’s That Queen?
Vanda ficou conhecida em âmbito mundial a partir de 11 de janeiro de 2019, quando a segunda temporada de Drag Race Thailand fora ao ar. Independente de seu destino neste programa, somente sua entrada já lhe garante uma menção eterna: é dela o título de primeira drag muçulmana a participar de um reality show, o que nos leva as suas origens.
Nascido no dia oito de junho de 1989, em Singapura, Azizul Mahathir estudou, de 2002 à 2015, na Hougang Secondary School. Neste período, que começa com seus 12 anos de idade e vai até 2015, um ano no calendário é mais especial do que os outros: 2008, quando teve seu primeiro contato com drag queens.
Apesar do encontro com este novo mundo, Azizul não se sentiu fisgado de cara. Para ele, até então, drag se resumia a homens vestidos de mulheres, usando vestidos e dublando. Esta impressão aconteceu quando Jada, a quem ele espirituosamente chama de “prima distante”, fez uma performance. Até aí nada de estranho, com exceção de que era a primeira, de drag, que Azizul presenciara.
Dois anos depois, em 2010, adivinha quem vence o Drag Superstar de Singapura? Ela mesma, a rainha que vai te polinizar enquanto faz a fotossíntese, Vanda Miss Joaquim, batizada com este nome em homenagem à orquídea que representa seu país.
Agora com uma carreira como drag iniciada, Vanda participa como jurada de competições na Singapura e naturalmente vive a vida de rainha que merece e então… Não, este começo não foi fácil por um motivo: a mãe de Vanda, malaio-muçulmana.
Para começo de conversa, na Singapura, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é proibido. Na verdade, o contato íntimo entre homens é vedado, com detenção de até dois anos. Esta lei arcaica existe desde 1930, quando a Singapura era uma colônia. E é neste contexto que a relação familiar de Vanda acontece.
Em 2009, nos primórdios de sua carreira, uma foto de Vanda, usando uma saia, foi veiculada no jornal malaio Berita Harian, o primeiro popular do país, publicado desde primeiro de julho de 1957.
Sua mãe viu a foto, em um bom tamanho por sinal, e obviamente desaprovou o que seus olhos insistiam em não enxergar. Atualmente ambas trabalham para uma relação melhor, mas, neste período, ela preferia que Azizul tivesse outro ofício.
Mais a frente, Vanda se radica em Vancouver, no Canadá, em 2011, se mudando também para Yeosu, na Coreia do Sul, em 2012. A partir de novembro de 2013 ela começa a trabalhar no Tantric Bar & May Wong’s Café (Singapura), local no qual permaneceria até 2019, quando Vanda viveu aquela experiência que segue com você até a morte: a participação em um reality show.
Em Drag Race Thailand, logo no episódio um, “Re-born This Way”, Vanda fez de sua entrada o que ela deve representar para todo artista que está aparecendo para o público pela primeira vez: memorável. De burca, despertou e prendeu a atenção dos telespectadores, que a acompanharam até as três piores desta estreia.
Na sequência, nos episódios dois, três e quatro, Vanda ficou apenas safe para, então, no episódio cinco, vencer o mini-desafio, ao lado de Tormai, e o desafio principal, de atuação em um remake de filme de terror, com o grupo internacional, formado por Angele Anang, Bandit, Genie e Mocha Diva. O outro grupo foi formado por Kana Warrior, Srimala, Tormai, Miss Gimhuay e Maya B’halo.
No episódio seis, “Power of Speech”, Vanda continua sua boa fase ao vencer o desafio principal da passarela, na categoria “Miss Star of The Galaxy”. Infelizmente, em seguida, ela protagoniza, no episódio sete, “Food Lover”, a segunda dublagem tripla da história de Drag Race Thailand, ao lado de Tormai e Genie, que acaba sendo eliminada.
Viva para lutar mais uma semana, Vanda acaba novamente entre as três piores no episódio oito, com o desafio do Snatch Game of Love. Sua Cardi B foi logo esquecida no nono episódio, “Thai Musical”, no qual ficou safe. A suposta segurança é colocada a prova mais rápido do que você pensa: pela segunda vez entre as duas piores, Vanda elimina Srimala no episódio dez.
Fechando a temporada, competitivamente falando, esta drag tem seus nervos e cílios colocados em teste em “White Elephants”, décimo primeiro episódio. Aqui Vanda tomou para si todas as emoções possíveis de uma vez só: ela compôs, gravou e dançou para o Rumix de “I Will Survive” e ainda serviu seu melhor elefante branco para a passarela, no entanto, não foi o suficiente para lhe salvar de sua terceira dublagem, novamente tripla, agora contra Angele Anang e Bandit. Mais importante de tudo: valendo uma vaga para a final que, você sabe, não aconteceu, mas quem se importa?
Vanda não levou a coroa e o cheque para casa, porém, ela pode se orgulhar da criança que foi, imaginativa, sonhando ganhar o mundo como cantora, em grandes palcos. O pai não a colocou para fazer aulas de canto, mas de alguma forma as coisas aconteceram, seja com o apoio de Jada, a quem ela credita sua carreira como drag queen, ou com a responsabilidade de chefiar a House of Miss Joaquim, com suas muitas filhas drags.
A Vanda de hoje, apaixonada por cinema, daquelas que pegam inspiração para performances em longas-metragens, afirma que nós, seres humanos, somos as músicas que ouvimos, os filmes que assistimos e os livros que lemos.
Em cena, Vanda aprecia provocar, no bom sentido, sua plateia. Como faz isso? Indo na direção oposta do que o público espera, contando histórias através de sua drag, drag esta que, apesar de ter causado revolta nos singapurenses com sua participação em Drag Race Thailand, com grupos religiosos a acusando de perversão, também serviu de inspiração para jovens LGBTQIA+ e, de quebra, inseriu a Singapura no mapa-múndi da arte drag. Por fim, agora eu te convido para ler, na íntegra, minha entrevista com Vanda Miss Joaquim, logo abaixo. Confira!
Vanda: são 13 temporadas americanas de RuPaul’s Drag Race, cinco All Stars, duas inglesas, uma canadense, uma holandesa, uma Australiana e outra espanhola chegando. Por que a pessoa deveria assistir à segunda temporada de Drag Race Thailand?
Drag Race Thailand temporada dois consiste em diversos grupos e várias personalidades do drag. Temos representações de rainhas da Tailândia, Filipinas, EUA e Cingapura. Todas neste show têm uma personagem forte e suas histórias para contar. Eu seria capaz de me relacionar com sua crueza de emoções. Os altos e baixos da competição eram dignos de ficar passada.
Nem me fale: drag desqualificada, duplo Shantay, rainhas retornando. Um enredo de série.
Esta é uma prova para mostrar que, apesar da barreira do idioma, todas estão bastante sincronizadas umas com as outras.
Penso que, quando duas pessoas querem se comunicar, elas dão um jeito.
Além disso, estou em Drag Race Thailand, por isso é obrigatório assistir.
Como alguém nascida em Singapura foi parar na Tailândia? Quando você mudou de um lugar para outro?
Drag Race Thailand abriu audições para todas as nacionalidades e gêneros e eu estava determinada a agarrar essa oportunidade depois de fazer drag por dez anos. Eu queria compartilhar minha história para o mundo. Foi uma jornada e tanto voar para frente e para trás, Singapura para a Tailândia, apenas para ter certeza de que eu teria dinheiro suficiente para sustentar o processo de filmagem. Eu ainda estava trabalhando entre as filmagens. Deus sabe os baixos que passei, mas valeu a pena saber que lutei até quase o fim da competição. Eu tinha que compartilhar meu ofício e deixei minha existência clara para o mundo. Eu não me mudei completamente para lá. Ainda estou morando em Singapura, mas durante o período Pré-Covid eu estava viajando muito para a Tailândia por causa do vínculo que as outras meninas e eu tínhamos. É como uma irmandade e eu me atenho a isso. Às vezes, viajava para Hong Kong, onde Mocha Diva reside, para performar com ela. Eu gosto de pensar que elas são todas pokémons lendários e eu tenho que pegá-las todas em cidades e cidades diferentes.
Pouco se fala e se sabe sobre o processo de inscrição para Drag Race Thailand. Como foi o seu: difícil? Fácil? Insano?
O registro foi fácil. É a parte de viajar que foi um fardo. Foi cansativo, mas com orações e determinação e todo o apoio da família e amigos em Singapura, passei por isso. Eu tinha que ficar me lembrando: sucesso nunca é fácil. É uma situação sem desculpas. Eu decidi fazer isso então eu tive que aprender a dançar através da tempestade e tudo valeu a pena no final. Faça dar certo!
Que interação sua com Art Arya e Pangina Heals não foi mostrada no programa e você adoraria que o público tivesse visto?
Eu acho que há imagens brutas no YouTube, especialmente o episódio que eu fui enviada para casa. Art Arya entrou na sala de trabalho para ter um momento comigo e Bandit. Essas duas pessoas são muito humildes, gentis e são como uma mãe e irmã mais velha para nós. Tínhamos uma conexão pessoal uma com a outra. Nunca me senti negligenciada por elas durante o processo do programa. Mesmo depois ainda mantemos contato porque somos uma família como um só.
Sou apaixonado pelo episódio musical em que vocês fizeram uma versão de “I Will Survive”. Como esta experiência a marcou? Qual é a sua primeira lembrança ao gravar o videoclipe? Infelizmente, a música não está nas plataformas digitais.
Estou surpresa que seus ouvidos não estejam sangrando! Hahaha!
The shade. Amei.
Para ser honesta, não sou uma boa compositora. Acho que criei meus versos em 10 minutos?
Jura?
Eu gostaria de ter passado mais tempo pensando em letras melhores, mas, neste estágio, estávamos todas exaustas. Honestamente não tenho medo do desafio, pois tenho experiência em canto e experiência em dança. Eu fiz videoclipes em Singapura, então, todo esse passado me preparou para esse desafio específico. Devo dizer que o produto final ficou bom!
Eu já assisti no YouTube milhares de vezes. As pessoas tinham que conseguir baixar a música.
Sim, não está nas plataformas digitais e não acho que eles tenham intenção de fazer isso, mas você pode agradecer aos downloaders do YouTube online! Hehehe.
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por que motivo?
Você quer dizer do programa ou…
Podemos começar desta forma, Vanda. Vamos lá, rainha!
Se for do programa eu definitivamente vou ter que escolher todas elas.
As 13 drags? Uau!
A única regra é que elas terão que seguir minha liderança, minha coreografia, minhas instruções. Meu Deus. Sou uma dominatrix?
Ao que tudo indica, sim.
Também por que todas elas? Só porque a força em números e essas garotas são um grupo incrível. Se é fora do programa, definitivamente minhas meninas da House of Miss Joaquim com minhas 7 filhas ecléticas.
Eu me pergunto como funciona o dia-a-dia da sua casa drag e como as sete rainhas que fazem parte dela acabaram nela.
São sete meninas e eu as escolhi com base em suas personalidades, talento e potencial para crescer. Eu não queria que elas se parecessem exatamente comigo, mas sim encontrando sua força em suas drags e liberando todo o seu potencial.
Prepará-las para que elas consigam dar 100% de si.
Todas nós somos adultas que trabalham, então, não é como se nos víssemos todos os dias, mas quando temos shows, é quando a mãe está no comando. Vou me certificar de que elas façam seus movimentos, look correto e a estética correta. Elas virão até mim se tiverem seus próprios shows agendados. Elas virão em busca de conselhos sobre o aspecto visual da apresentação ou até mesmo a escolha da música. Agora, estou feliz em dizer que elas são indivíduos fortes e um dia espero vê-las em uma plataforma maior e levando drag para outro nível, com a vontade de Deus.
Aqui no Brasil existe uma mulher transexual chamada Glamour Garcia que interpretou uma personagem de destaque em uma novela na TV. Novela é o produto mais assistido pelos brasileiros, tem alcance gigantesco. Uma mulher trans tem sucesso ao participar de uma. Que mensagem isto passa, Vanda?
Para mim, é um grande salto. Olha o quão longe chegamos! É algo para nós celebrarmos que nossas irmãs LGBTQIA+ estão finalmente recebendo o reconhecimento do seu talento que merecem. Precisamos de mais representação. Laverne Cox em Orange Is The New Black é outro bom exemplo.
Preciso voltar a assistir esta série, inclusive. Boa lembrança!
Eu realmente espero ver mais dos meus irmãos e irmãs fazendo aparições na TV sem serem julgados por sua cor de pele, orientação sexual ou mesmo tribos.
Você esteve na maior plataforma drag do mundo, aquela que te leva ao próximo nível, mas nem todo mundo tem essa oportunidade. Para quem não participou de RuPaul’s Drag Race e enfrenta milhares de dificuldades por dia para fazer drag, que mensagem você tem para dar?
Sou grata por ter me dado essa oportunidade. Para quem sonha em estar no programa, mesmo que você não consiga entrar no programa, não se considere uma falha! Siga perseguindo sua drag. Continue compartilhando seu ofício para o mundo. Talvez sua família, seus amigos, seus vizinhos o odeiem por fazer isso, mas você ama a si mesmo. Se coloque em primeiro lugar. Você vai se expressar neste ofício. Ninguém pode te impedir. Você é seu próprio herói no final do dia.
Para finalizarmos, Vanda, minha última pergunta: o mundo vai acabar hoje. O que você fará enquanto ele ainda está inteiro?
Antes que o mundo exploda vou ficar em casa com minha mãe, meu parceiro e meu gato. Quero passar meu último momento com meus entes queridos porque as pessoas tendem a esquecer que drag queens também são humanos.
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