Ciente de que a primeira imagem é a que fica, Ma’Ma Queen levou o ditado popular a sério quando a primeira temporada de Drag Race Holland estreou, em 18 de setembro de 2020. Convenhamos: tem mais algo mais drag do que uma drag queen grávida?
Logo no primeiro episódio, “Land of the Queens”, apesar de ficar entre as três piores, Ma’Ma Queen continua prendendo a atenção do público com seu debute na passarela, na qual a categoria pedia uma homenagem a sua rainha preferida. Nas redes sociais, ela relembra deste dia:
“Aí está ela, a Virgem Maria Holográfica, carregando um recém-nascido holográfico, com um coração de diamante, uma auréola multicolorida e uma peruca de 50 polegadas. Minha roupa é iridescente, estou representando quem eu fui, quem eu sou e quem eu vou me tornar. Acredite em Ma’Ma, nas minhas filhas e no Espírito Holográfico. Como uma mãe orgulhosa da House of Holographic Hoes, ninguém nunca nos perguntou: “Quem é o papai !?” A religião pode ser uma cruz pesada para carregar, mas use sua imaginação para visualizar e transformar seu próprio sistema de crenças em realidade”.
De fato, no episódio dois, “Give Face!”, Ma’Ma prossegue demonstrando, através da moda, seu ponto de vista particular sobre religião e religiosidade. Antes do programa, sua mãe a aconselhou a interpretá-los de forma pessoal. O momento chegou neste desfile, cujo foco era o rosto e maquiagem e para o qual esta drag apresentou algo baseado no mundo espiritual.
“O conceito desse visual é baseado na experiência quando o tempo não é cronológico. Sou capaz de manter e abraçar meu eu passado e futuro. Eu criei este look sabendo que meu futuro eu o apresentaria na passarela de Drag Race Holland. Enquanto criava este visual, ficava repetindo: “Eu te amo, estou orgulhoso de você”, sabendo que meu eu futuro caminharia pela passarela com essa energia. Na passarela, me lembrei de meu eu do passado criando esta roupa e disse ao meu eu do passado: “Eu tenho orgulho de você, eu te amo”, explica no Instagram.
Mais à frente, em “Drama Queens”, terceiro episódio, exibido em 21 de outubro de 2020, Ma’Ma garante sua única vitória após um desafio principal de atuação, um remake de um programa holandês. Para o desfile ela preparou algo bem inusitado.
“Ma’Ma Maconha. Estou super orgulhosa de ter vencido usando esse espartilho e coroa que criei com folhas de maconha. Do fundo do meu coração, quero agradecer à minha querida amiga e colega irmã de Drag Race, Miss Abby OMG. Na sala de trabalho, quando ela viu minha roupa da passarela de Miss Holland, ela veio até mim com duas lindas perucas com cachos e tranças que tinha feito à mão com sua sogra. Ela me deu suas perucas e disse: “Aqui, Ma’Ma, acho que essas perucas vão melhorar seu look”. E assim foi! Também quero agradecer a Janey Jacké que me deu a linda pulseira que combinava com a joalheria que eu mesma criei. Por último, mas não menos importante, quero agradecer a minha primogênita Rita Book por criar as tatuagens que completaram toda a roupa. Dedico este look à irmandade e à comunidade! Para sempre grata”, afirma Ma’Ma em postagem online.
De fato, ser fiel a si mesma ajudou Ma’Ma. Adepta de “um baseado, e outro e outro e outro”, ela defende a maconha como uma alternativa para ansiolíticos e antidepressivos. Poder gerar um debate sobre o uso da cannabis sativa e ainda lhe fazer um tributo, no principal programa sobre drags mundial, representa uma meta alcançada.
Avançando na competição, chegamos ao quarto episódio, “Dancing Queens”. Para seu próprio espanto, visto que Ma’Ma não se considera uma rainha do shade, ela vence o mini-desafio ao lado de Sederginne, o tradicional ler é fundamental, onde as drags abrem a biblioteca e leem umas as outras. Mais tarde, junto a Madame Madness e Miss Abby OMG, este trio protagoniza a primeira dublagem tripla da história de Drag Race Holland, ao som da clássica “I Wanna Dance With Somebody”, de Whitney Houston. Madame Madness acaba levando Sashay Away e Ma’Ma sobrevive para arrasar na semana seguinte, que seria tão difícil quanto…
Como ninguém passa impunemente ao Snatch Game, infelizmente Ma’Ma amargou um lugar entre as três piores como consequência de sua performance no desafio principal do episódio cinco. Mais memorável do que sua personificação da cantora holandesa foi sua habilidade de suscitar outro debate através do mundo da moda:
“A passarela desta semana deveria ser sobre mostrar o seu alter ego drag e a pessoa por trás desse alter ego. Como a ideia de mostrar um lado masculino e um lado feminino era muito difícil para mim como uma pessoa não binária, decidi mostrar outro alter ego que é uma parte muito importante de mim e me permite ser Ma’MaQueen. As críticas dos jurados realmente me afetaram e percebi que muitas pessoas que assistem ao programa também sentiram isso. Foi apenas cerca de 5 anos atrás quando eu mesma aprendi sobre a identidade não binária. No minuto em que li sobre isso, soube que esse era o conhecimento que perdi por toda a minha vida para expressar como realmente me sinto. Acho que quando expliquei minha escolha aos juízes, alguns deles nunca tinham ouvido falar da identidade não binária antes. Este confronto com os juízes é realmente um exemplo do que tenho de enfrentar em tantas situações do meu dia-a-dia. Naturalmente, gostaria de não ter que me explicar novamente como tive que fazer tantas vezes na minha vida, mas acho que para muitas pessoas que assistiram ao programa, isso permitiu que eles também soubessem que há mais para gênero do que a ideia de ‘homem’ vs. ‘mulher’ que nossa sociedade tem”, refletiu em publicação feita em 17 de outubro de 2020.
Novamente entre as três piores, Ma’Ma contorna as dificuldades de sua colocação baixa ao protagonizar um belo momento no temido “Makeover”, para o qual montou, pela primeira vez, seu pai, a GrandMa’Maqueen: “Pai, obrigada por estar ao meu lado, por me ouvir, por me deixar viver minha vida e fazer minhas próprias escolhas. Quero agradecer por seu amor incondicional e apoio ilimitado. Você sempre me disse que sou de um tipo único. Mas ao colocar os saltos, a peruca, os seios, o vestido, a barriga, os brincos e a maquiagem, você mostrou como você é único. O primeiro pai de Drag Race de todos os tempos! Minha própria Ma’Ma!! Eu me senti verdadeiramente reconhecida quando você saiu da sua zona de conforto para fazer o que eu faço. Durante esta transformação eu me vi em você e te encontrei dentro de mim. Este é o poder do drag! Jamais esquecerei essa lembrança que fizemos juntos. Este é o melhor dia da minha vida. Eu te amo”, afirma.
Devidamente revigorada, Ma’Ma enfrenta sua segunda dublagem no episódio sete, no qual o desafio era “Maxima – The Rusical”. Aqui ela ajudou novamente a escrever parte da história de sua temporada: junto com Miss Abby OMG, elas ostentam o único Shantay duplo de Drag Race Holland, um bilhete da sorte que as ajudariam na próxima parada da viagem: a final.
Exibido em seis de novembro de 2020, o oitavo e último episódio consistiu de uma performance com base em músicas de RuPaul e uma passarela final com sua melhor drag. Ma’Ma garante o terceiro lugar e, apesar de não dublar pela coroa, fez de sua saída de cena algo a se comentar por anos: “Para meu visual final na passarela, estou apresentando Ma’MaQueen em todo o seu potencial. Eu sou a filha amorosa de Alexander McQueen, Mugler e Maleficent. Os dois designers mais icônicos e meus favoritos pessoais unidos em uma fantasia feroz de conto de fadas. Estou usando um vestido de veludo de seda Ma’Ma Queen original com um par de leggings de salto alto combinando. As asas e o capacete foram criados por Claire-Lune e Gregory Isidora e Julie e a linda peruca azul água foi um presente das minhas filhas. Nem o céu é o limite e estou pronta para abrir minhas asas e voar!”, pondera.
Encerrando o capítulo Drag Race Holland, Ma’Ma ainda foi eleita a Miss Simpatia da temporada. Mais do que isto, estamos falando de uma drag que, na falta de uma drag mãe no começo da carreira, se autointitulou como tal exatamente por isto. E não é só. Tem mais.
Dennis Bijleveld é a pessoa por trás da rainha. Nascido no dia 15 de maio de 1990, em Rotterdam, Holanda, ele também tem um irmão e uma irmã que, somados a seu pai e mãe, formam seu núcleo familiar e base de apoio para a lida diária, seja ela na vida profissional ou pessoal. E para ambas nada foi fácil.
Os pais de Dennis são originários da vila holandesa Achterhoek. Tradicionais e de criação religiosa, nunca deixaram de apoiar o filho, porém, durante algum tempo, sua identidade sexual fora um tabu dentro de casa. O pai em especial é o avesso da atual vida de Ma’Ma: emprego fixo das nove às cinco, rotina e uma aversão aos holofotes. Antes de Drag Race Holland, ele só havia visto o filho em drag no máximo três vezes.
Quando participara do programa, fazendo dupla com Dennis, eles não puderam assistir ao episódio juntos. Com coronavírus e em quarentena, lhe restou conferir tudo na companhia da esposa enquanto a outra filha divulgava Ma’Ma massivamente nas redes sociais.
Mas, voltando a falar de Dennis, ou mais especificamente de sua vida antes de drag, foi quando fez moda na Academia Willem de Kooning que ele começou a entender melhor a si mesmo ao passar a se identificar como uma pessoa não binária. Benditas aulas de estudos queer e de gênero!
A partir daí, com mais clareza sobre seu lugar e posição no mundo, as oportunidades naturalmente apareceram, em vários aspectos, seja como embaixatriz do orgulho de Rotterdam ou como estrela de um curta-metragem sobre ela mesma, intitulado com seu nome, feito por Esmée van Loon. Ainda no mundo cinematográfico, Ma’Ma também participou do documentário premiado de 2017, “Genderbende”.
Indo mais a fundo, o grande sonho de Ma’Ma Queen é poder engravidar. Ela afirma que grande parte das pessoas não a leva a sério quando sabe disto, porém, isso não a abala por um motivo simples: grandes feitos concretizaram o que a maioria achava impossível, então, para Ma’Ma, é só uma questão de tempo até que ela possa revolucionar a história e gerar vida dentro dela: “Não estou presa na sua realidade, estou livre em minha fantasia”.
Enquanto o primeiro parto de Ma’Ma Queen não acontece, eu lhe convido para ler, logo abaixo, na íntegra, minha entrevista com ela. Confira!
Faz pouco mais de cinco meses desde que a primeira temporada de Drag Race Holland terminou. Quando você se vê lá, que análise você faz hoje em dia?
Olhando para trás em todo o processo, desde os preparativos até a execução, estou super feliz! Eu me mantive fiel a mim mesma durante toda a competição e não me arrependo de nada.
Imagine a seguinte situação: você faz parte da equipe que vai decidir o elenco da segunda temporada de Drag Race Holland. Quem com certeza fará parte do casting?
Qualquer uma das minhas filhas drag da House of Holographic Hoes. Eu adoraria ver uma de minhas filhas seguir meus passos.
O debate sobre pessoas não binárias no programa, protagonizado por você e ChelseaBoy, é muito importante e bonito de ser visto. Se você pudesse enviar uma mensagem agora para alguém que está se descobrindo como uma pessoa não binária, qual seria?
Se mantenha fiel ao que você sente, embora você ainda não tenha entendido tudo. Você vive em um mundo que não foi projetado para pessoas como você, então, quando sentir que não se encaixa, não lute contra esse sentimento. Encontre pessoas que sentem o mesmo, para que você se sinta menos solitário e seu mundo se tornará, lenta, mas seguramente, um lugar mais seguro.
Quais são, por ordem de importância, seus três momentos favoritos na competição?
Primeiro, meu pai e eu juntos na passarela. Segundo, falando sobre minha identidade não binária. Não foi um momento agradável do jeito que aconteceu, mas ainda olhando para trás, me deixa muito orgulhosa por me defender. O terceiro deve ser meu Ma’Ma Marijuana vencendo o desafio principal no terceiro episódio.
Eu entrevistei a Sederginne também e falamos sobre sua paródia de Cindy Lauper, da qual você participou no videoclipe. Como surgiu o convite?
Todas as garotas da minha temporada são muito próximas e temos um bate-papo em grupo. Sederginne perguntou quem estava disponível e quem gostaria de participar. Claro que adorei! Principalmente quando ela me pediu para ser uma médica maluca, haha!
Você pretende fazer música, lançar um single?
Talvez eu esteja pensando em fazer minha própria música para a próxima turnê Slay no Reino Unido em maio.
Se você pudesse montar um grupo pop de garotas com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por que razão?
Eu escolheria todos os membros da minha casa. Somos todas performers ferozes e eu não poderia me sentir mais segura e livre com ninguém.
É maravilhoso saber que você costurou todas as roupas que usou em Drag Race Holland. Como começou sua relação com a costura?
Desde jovem adoro moda. Minha mãe me deu um kit de design da Barbie quando eu tinha 7 anos e eu comecei a desenhar e projetar a partir daí. Na escola secundária vesti todos os atores de uma peça escolar. Mais tarde, terminei 4 diferentes cursos de moda. Então comecei a fazer drag e desenhar meus looks se tornou uma grande parte de sentir minha fantasia.
Imagine que um grande produtor realizará um festival e se interessa pela cena drag de Rotterdam, sua cidade natal, onde você mora até hoje, mas ele ainda não conhece muito bem as drags de lá. Por que ele deveria contratá-las para o festival?
Porque Rotterdam é depois de Amsterdam uma das maiores cidades. Temos um caráter direto e muito aberto e merecemos ter um palco tanto quanto qualquer outras rainhas. Não há muitos palcos de drag em Rotterdam, então, nós somos principalmente marcadas como estrelas em palcos de Amsterdam. Temos o orgulho e alguns festivais que mostram o drag de Rotterdam, entre as drags de outras cidades. A Holanda é um país pequeno e acho que nossa conexão de irmã realmente não tem competição com base em onde moramos ou viemos.
A The House of Holographic Hoes tem você como mãe drag. O que as pessoas não sabem sobre ela que você adoraria contar?
Para ser honesta, eu acho que as pessoas deveriam saber que eu sou uma drag mother basicamente porque faço drag há mais tempo. Nesse sentido, tenho mais experiência em ser uma rainha. Mas se se trata da conexão como uma casa, preciso dos meus filhos tanto quanto eles precisam de mim. Eu não seria Ma’Ma sem eles. Eles me deram o reconhecimento de crescer e desenvolver Ma’Ma na rainha estabelecida que sou hoje. Em nossas vidas pessoais, todos nós temos momentos bons e momentos ruins e precisamos uns dos outros para apoio emocional. Mãe, filhos, parece um sistema hierárquico, mas para mim não é assim. Somos uma espécie de grupo de conversação. Quando temos nossos jantares familiares mensais, fazemos duas perguntas uns aos outros: primeiro, como vai você? E em segundo lugar, há algo que possamos fazer por você? Somos todos iguais em termos de tempo para responder como nos sentimos. Espero de alguma forma que este seja meu legado, não minhas roupas ou meus títulos.
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