Se ser bonita é um crime, ela está condenada a pena de morte, afinal, trata-se de uma rainha que não usa filtros, apenas beleza orgânica. Não sabe a quem eu estou me referindo? Veja se isto lhe ajuda: “Estamos falando de castores ou… EEEWWWWWW!”
A frase acima, dita por Madame LaQueer, ficou famosa mundialmente quando esta drag queen participou da quarta temporada de RuPaul’s Drag Race, exibida de 30 de janeiro à 30 de abril de 2012.
Nesta competição, Madame garantiu um safe logo na estreia para, em seguida, no episódio dois, “WTF!: Wrestling’s Trashiest Fighters”, ver sua estrela brilhar ao vencer o desafio principal: uma luta livre inspirada em Gorgeous Ladies of Wrestling, programa conhecido como Glow.
Para este desafio, as 12 drags restantes foram reunidas em grupos por Chad Michaels, Phi Phi O’Hara e Willam, o trio de vencedoras do mini-desafio. Madame fez parte do grupo de Chad, também composto por Milan e Sharon Needles, aqui, conhecidas como “The Knockouts” (Os Nocautes).
Em dupla, Madame e Chad viraram as “Bitch Kickers” (vadias jogadoras). Incumbidas de encenarem uma luta livre, elas criaram as personagens Chaderella Chainsaw Michaels e Madame LaCrush. A investida deu certo e garantiu uma vitória para ambas: “Oh, meu Deus, me sinto tão bem! Eu certamente provei que eles estavam errados sobre me escolher por último”, disse Madame, na época.
Em seguida, no episódio três, “Glamazons vs. Champions”, no qual o objetivo principal era a feitura de comerciais para estes álbuns de RuPaul, infelizmente Madame foi parar entre as três piores, ao lado de Dida Ritz e The Princess. O estresse de não ter sido escolhida de primeira por Kenya Michaels ajudou nisto? Talvez sim, entretanto, livre do bottom dois, ela podia suspirar pela semana seguinte, mas até quando?
Em “Queens Behind The Bars”, o quarto episódio, e último de Madame, após vencer o mini-desafio ao lado de Willam, ela amarga sua primeira dublagem depois de um desafio de atuação onde a proposta se resumia a dois episódios diferentes de uma sitcom.
Líder de seu grupo por ter vencido o mini desafio, Madame dublou “Trouble”, da Pink, contra Milan. A felicidade de quem estava comemorando o fato de finalmente não ser escolhida por último teve como desfecho um Sashay Away, precoce, por sinal, para Madame, a quarta eliminada desta temporada: “Meninas, continuem humildes… As pessoas vão para cima… Vocês vão para baixo”, disse, em sua mensagem no espelho.
De fato, assim como você, que está lendo estas linhas que arrisco agora, eu também fiquei e fico descontente com a saída prematura de Madame da competição, porém, aqui entre nós, sabemos: a vida antes de RuPaul’s Drag Race existe, não é? Exato. E é sobre a vida desta Rugirl que falaremos hoje na Who’s That Queen?
Carlos Melendez nasceu em Carolina, região metropolitana de San Juan, em Porto Rico, no dia cinco de outubro de 1982. Em 1999, após seu baile de formatura da escola, ele visitou pela primeira vez um lugar que faria parte de sua vida por todo o sempre. Chama bar gay.
Mais à frente, no ano 2000, aos 18 anos, quando dirigia uma peça na faculdade que falava da vida noturna gay, o teatro passa a lhe interessar. Como presente de 19 anos, Carlos se deu o seu primeiro show movido por uma nova paixão: drag.
O nome artístico, Madame, é o mesmo da vilã de uma série dos anos oitenta porto-riquenha do canal Telemundo. O sobrenome tem dois motivos: Queer as Folk, um de seus programas prediletos, e o duplo significado que esta palavra carrega por si só. Junto ao “La” temos algo que brinca com as dualidades de gênero. Batismo feito, vamos em frente,
Voltando a terra natal de Madame, Porto Rico, foi exatamente neste local que ela, por mais de três anos, apresentou o show amador de drag “Queen of The Night”. Rainhas como Kandy Ho e April Carrión participaram deste evento, além de Lineysha Sparx, da quinta temporada de Drag Race, uma de suas inúmeras filhas drags.
Fora do âmbito “drag familiar”, Madame tentou, por três vezes consecutivas, entrar em uma outra família que atende pelo nome de Rugirls. Testes foram feitos para a segunda, terceira e quarta temporada, até ela finalmente entrar nesta última. Após a exposição em rede mundial, Madame radicou-se no sul da Califórnia, em Orange Country, em 20 de abril de 2013.
Atualmente, Madame concilia a vida de drag com os afazeres acadêmicos, visto que ela estuda, desde o último dia oito de março de 2020, um novo projeto que é fruto de interesses antigos: “Só queria compartilhar isso com todos vocês. Como seres humanos, prosperamos quando nos sentimos completos. Alcançado. Devemos a nós mesmos o crescimento que aspiramos. Eu escolhi começar um bacharelado em Ciência e Produção cinematográfica. Tem sido minha paixão e sonho perdidos desde criança. Não será fácil. Não será confortável. Mas esse é o meu destino. P.S: Eu não vou desistir de drag”, conta, no Instagram, em publicação de 24 de julho de 2020.
Agora que você já sabe que a Madame LaQueer continua na ativa, feroz e próspera, confira logo abaixo, na íntegra, minha entrevista com ela, até mesmo porque nós não viemos aqui fala de castores… EWWWWWWW!
Uma curiosidade que me ocorreu agora para começarmos esta entrevista, Madame: você conhece o Brasil? Qual é a sua relação com o meu país?
Conheço muito poucas coisas como a língua, a bandeira, algumas referências culturais, eventos de alto perfil e status políticos. O que você define como relacionamento?
Me refiro ao que você sabe mesmo sobre o Brasil. A situação política é ruim, muito ruim por aqui, especialmente para a nossa comunidade LGBTQIA+.
Sim. Tenho acompanhado isso. Seu líder é outro fascista.
Chama Jair Bolsonaro. Ele é o diabo, como o Trump.
Ele é pior que Trump. Trump é um idiota. Bolsonaro não é. Isso é realmente assustador.
A família dele vive envolvida em escândalos políticos. Bolsonaro é um escroque que odeia a diversidade.
Lamento que seu governo nos odeie por sermos quem somos. Isso é tão triste. Sobrevivemos a 4 anos de Trump. O ideal ainda está vivo para algumas pessoas ainda.
O lado bom é saber que você está por dentro do que acontece politicamente com os brasileiros.
Comparado com alguém que visitou, sei muito pouco.
O que mais você conhece daqui?
Eu sei sobre uma ativista que foi assassinada há alguns anos.
A Marielle Franco, em 14 de março de 2018.
Sim.
Ela é um ícone e representa milhares de pessoas na luta por um mundo mais igualitário. Maravilhosa! Jamais será esquecida.
Absolutamente. Ela morreu como uma heroína. Que pena falar contra a opressão em um país que é comandado pela milícia.
Além disto, como se não fosse suficiente, o atual governo também odeia especialmente pessoas trans. Você sabia que o país que mais mata transgêneros no mundo todo é o Brasil?
Ah, não! Isso é tão triste. Todos devem estar seguros em suas casas, sendo quem são, felizes. Eu não sabia sobre essa estatística. Porto Rico é também muito perigoso para LGBTQIA+, especialmente para a comunidade transgênero. As histórias que vi nas redes sociais são assustadoras. A quantidade de ignorância é alucinante. Tanta falta de compaixão pela vida humana. Sinto muito que tenha que viver de guarda todos os dias.
Sim, mas vamos falar de outra coisa: você realmente precisa ser mais conhecida e amada pela base de fãs brasileira.
Muitas pessoas do Brasil ainda estão bravas comigo e eu não os culpo. Eu estava fazendo uma entrevista com John Polly na Logo nos dias da minha sessão promocional. Era um jogo de associação de palavras. Eles falaram uma palavra e eu tive que dizer rapidamente algo que viesse à minha mente. Eles disseram Brasil. Eu disse “eles fedem”. Pedi desculpas, pois não estava pensando claramente no dano que poderia causar ou como isso afetaria minhas relações com alguém deste país.
Estou surpreso. Nunca tinha escutado nada a respeito.
Eu tenho uma história que acompanha isso. Era verão de 1998. Eu estava em Paris, França, em uma viagem escolar. A final da Copa do Mundo de Futebol foi naquela mesma noite. Foi jogo Brasil x França. Ricky Martin estava cantando lá. No hotel que eu estava hospedado havia muitos jogadores da seleção brasileira. Eu, um garoto de 16 anos, fico preso dentro de um elevador com dois jogadores suados, que infelizmente estavam muito suados, e cheiravam a cebola grelhada tão intensamente. Talvez 15 minutos. Mas nunca me esqueci disso. Por alguma razão durante esse jogo de associação de palavras, o primeiro, o que me veio pela cabeça foi que Drag Race se tornou internacional naquela época, e eu fui explodido pelos brasileiros por causa disso. Como eu disse nas minhas desculpas, se alguém dissesse que os porto-riquenhos fedem, eu também ficaria louco. Foi impensado. Mas eu divago, eu entendo se o povo do Brasil não gosta de mim. Eu realmente entendo. Sempre que encontro alguém deste país, me lembro e me sinto muito envergonhado por não repensar minha escolha de palavras.
Já há algo de bom no que você está me dizendo: você reconhece que cometeu um erro, aprendeu com ele, e se compromete a não o repeti-lo mais. Isto é bom, maduro, mostra um monte de coisas para mim.
Entendo o que quer dizer e, novamente, agradeço por me considerar. Não há nada que eu adoraria mais do que poder contar minha história e compartilhá-la com seu belo país.
Você entende algo da nossa língua portuguesa?
Eu posso entender um pouco de português. Tive conversas completas com pessoas que falam português e eu respondendo em espanhol. É lindo como dois idiomas se relacionam.
Concordo com você, mas mudando de assunto: já se passaram nove anos desde que a quarta temporada de RuPaul’s Drag Race foi ao ar, então preciso perguntar o seguinte: como é a vida depois do programa? Ele ainda interfere no seu trabalho?
Se não fosse pelo show, eu não teria a vida que tenho agora, isso é certo. A vida pós Drag Race tem sido muito esclarecedora. Você começa a se ver na tela grande, e há um monte de autorreflexão que acontece. Me mudei para a Califórnia e comecei uma busca sem fim para melhorar a mim mesma. Ser uma pessoa melhor, por dentro e por fora, tem sido meu principal objetivo nos últimos nove anos. Eu realmente não estava feliz com algumas das coisas que eu vi na TV, então eu decidi fazer algo sobre isso. Eu tive que olhar para a minha saúde emocional e física, e me dar uma base mais sólida. Tive que me preparar para o sucesso. Do meu ponto de vista, minha corrida no Drag Race foi apressada e prematura. De forma alguma eu estava pronto para uma competição dessa grande escala, que é algo que eu não percebi então. Independentemente dos meus obstáculos, dei o meu melhor. Mas foi meu 100%? Eu sabia no meu coração que não era. Ainda sou grata por estar no show. Mudou minha vida para melhor.
Você fez o teste para RuPaul’s Drag Race três vezes, até entrar na quarta temporada. O que você fez diferente para conseguir na terceira tentativa?
Faça um vídeo melhor. Risos!
Muitas pessoas não conhecem seu lado acadêmico e gamer. Você é formada em programação de computadores. De onde vêm estes interesses?
Eu tenho um diploma técnico em Programação de Computadores de 2005 (se a memória me serve direito) que, para ser honesto, eu não fui além porque eu não era realmente apaixonado por isso. Estou estudando produção de filmes. Agora que estou absolutamente amando.
Imagine a seguinte situação: haverá um grande festival apenas com drag queens de Porto Rico. Se a escalação do elenco dependesse de você, quem certamente se apresentaria neste festival?
Cada uma das rainhas porto riquenhas. Ninguém fica de fora. Será inesquecível.
Quando você se lembra da sua participação na quarta temporada, quais são seus três momentos favoritos por ordem de importância?
1°) Definitivamente o episódio dois. Trabalhar com Chad, Sharon e Milan foi animador. Sinto que formamos uma equipe muito forte. Essa sinergia não tinha preço.
2°) Vencendo esse desafio e comemorando.
3°) Lip sync com Milan.
Quatro concursos porto-riquenhos já foram vencidos por você na categoria plus. Pode nos contar uma história incomum ou engraçada que aconteceu durante um deles?
Minha primeira vez na Miss Eros Plus. Competição de vestido de gala. Eu era a primeira participante. Estávamos todas em fila esperando sermos chamadas. A garota atrás de mim (a segunda na ordem), era claramente a vencedora na categoria. Nenhum dos outros trajes, incluindo o meu, se comparavam à beleza e a habilidade técnica do vestido dela, e do look em geral. Não que eu estivesse feia, mas ela estava muito melhor. Um amigo me deu um monte de guardanapos para eu secar minha testa e tirar o brilho. Eu percebo o rosto da favorita suando um pouco, então eu divido meus guardanapos com ela. Infelizmente, pra ela, a linda esqueceu de descartar o guardanapo antes de entrar em cena, e desfilou o tempo todo com um guardanapo na mão. A assistente dela estava puta. Ela entregou a competição de traje de gala, por acidente, pelo guardanapo que eu dei pra ela
Suas mixagens já foram tocadas em desfiles de moda, concursos e vários outros eventos. Nunca pensou em lançar um single?
Minha voz não é algo de que me orgulhe, mas produzir música pode ser algo que verei mais cedo ou mais tarde.
Se você pudesse formar um grupo pop de garotas com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por qual motivo?
Será o esquadrão das rainhas carecas. Os membros serão Nina Flowers, Sasha Velour, Ongina e Miss LaLa Ri. Nosso primeiro single será intitulado como “My Hair is Just Not There”.
Você tem feito drag por 21 anos, já teve cerca de 16 filhas drags, se tornou mundialmente famosa, fez turnês variadas e conheceu países. O que ainda falta conseguir com a sua drag, Madame?
Um recomeço no All Stars e uma visita ao Brasil.
Haha, boa! Obrigado pela sua disponibilidade e gentileza nesta entrevista.
Obrigada a você por tirar um tempo para falar comigo e ouvir minha história. Isso foi muito bom e parece que você sabe o que está fazendo.
Eu te agradeço pelo carinho.
Como se diz “your welcome” em português?
Muito simples: de nada.
Jura? É como a gente fala em espanhol, exatamente. Risos!
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Auxílio na tradução das respostas: Celo Carvalho.
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