Em 2019 publiquei aqui uma série de denúncias de abuso sexual contra Soju. E agora uma nova vítima da participante da S11 de RuPaul’s Drag Race usou suas mídias sociais para expor o que viveu ao se relacionar com a drag. Em seu twitter o usuário identificado como Kiev escreveu na legenda da sua carta aberta “Alerta de gatilho, abuso sexual. De janeiro de 2016 a janeiro de 2018, eu fui abusado sexualmente e manipulado mentalmente por Soju inúmeras vezes”. Confira o conteúdo da carta na íntegra a seguir.
Parte 1 da carta:
“Depois de três anos, Eu finalmente em sinto forte e estável suficiente para compartilhar algo que tenho escondido por vergonha e medo. De janeiro de 2016 a janeiro de 2018, eu fui abusado sexualmente e manipulado mentalmente por Soju inúmeras vezes. Minha intenção de expor isso não é mandar ódio para Soju. Eu faço isso porque depois de ouvir e falar com várias pessoas que também foram vítimas de Soju, é hora dele finalmente ser exposto por seu abuso. Soju causou dor e trauma não apenas em minha vida, mas nas vidas de outros, e é uma dor que espero que ninguém mais passe.
Eu tinha 17 anos quando conheci Soju, ou melhor, Tony. Ele tinha 24 anos. Era janeiro de 2016 e nos conhecemos pelo Grindr e concordamos em nos conhecer pessoalmente e fazer [sexo] oral. Porque morávamos perto na época, nos vimos várias vezes. Todas as vezes, ele insistia bastante para fazermos sexo com penetração. Uma noite, enquanto ficávamos, ele ficou mais insistente que nunca. ‘Você faz isso todas as vezes’. Ele usava da culpa como se eu devesse algo para ele. Eventualmente, eu cedi. Afinal de contas, eu sabia que me sentia desconfortável sobre isso, mas eu não permitia a mim mesmo acreditar que algo errado tinha ocorrido. Então, continuei a vê-lo.
Isso se tornou o círculo de abuso, manipulação e lavagem cerebral que Soju me submeteu por anos.
Em outubro de 2016, ele me levou para sua casa quando eu tinha apagado de tanto beber. Eu tinha 18 anos. Tony tinha 25. A única coisa que me lembro daquela noite foi sair do meu apartamento e ir para seu carro e nada mais. Na manhã seguinte, eu não me lembrava de tê-lo encontrado ou de ter transado com ninguém, até perceber o quanto estava dolorido e ler nossas mensagens de texto. Quando perguntei a ele se usamos camisinha, ele me humilhou completamente. ‘Você é nojento. Você estava tão desleixado. Você é uma grande puta. Você estava tão bêbado que mal podia andar’. Apesar de tudo isso, ele ainda me levou para sua cama e transou comigo. Ele me fez sentir tão envergonhado e cheio de culpa pelo que rolou, quando fui o único que foi abusado.
Não nos falamos durante um ano, até janeiro de 2018. Eu tinha 19 anos. Ele tinha 26. Ele me mandou mensagem dizendo que vivia em outra cidade agora, mas que estava na região e queria me ver. Ele disse que queria criar amizade, se desculpar e tentar consertar a forma com que as coisas terminaram entre nós na última mês. A gente ia e voltava”.
Parte 2 da carta:
“Toda vez que eu o rejeitava, ele se tornava mais persistente. Eu o ignorei por algumas horas, até que tarde da noite ele me disse que havia esperado tanto tempo para tentar me ver. ‘Isso é loucura minha?’ Ele perguntou.
Só sei que depois ele estava a caminho do meu apartamento. Ele disse que a gente podia sair apenas para uma volta de carro e conversar e que ele somente queria me ver por um momento. Ele me disse que a gente não precisava transar. Eu acreditei nele.
Assim que entrei no carro, ele caiu na estrada. Assim que ele entrou na rodovia, eu me arrependi e disse a ele que estava arrependido e queria voltar para casa. Isso foi quando ele colocou o pau para fora e me obrigou fisicamente a chupá-lo. Não me lembro muito bem do que rolou depois disso, mas eu lembro vividamente da forma que ele me olhou. Eu lembro da fúria em seus olhos, exatamente antes dele pegar meu pescoço e me forçar para baixo. A outra coisa q lembro vividamente foi quando ele estacionou em algum lugar e não me levaria embora até que ele terminasse.
No dia seguinte, ele me disse que ficou muito chateado pela forma que nossa noite se desenrolou. ‘Esta não era a forma que eu queria que nosso primeiro encontro fosse’. Eu o xinguei e ele respondeu. ‘Eu nunca te forcei a fazer nada. Você me dizia que curtia [sexo] violento’. Ele fez eu sentir que queria aquilo por ter entrado no carro. Ele então pediu para me ver de novo e que me compensaria por aqui em um almoço, como se nada tivesse acontecido. A forma que ele me culpou e casualmente se esquivou fez eu sentir que estava louco e inventado tudo na minha mente. Eu o bloqueei e não nos falamos desde então.
Nos meses que se seguiram, eu dissociei [tal experiência] completamente da minha vida. Eu não me lembro muito bem daquela época, a não ser o tanto que eu me sentia entorpecido, quebrado e vazio. Eu me tornei uma casca de pessoa. Eu raramente saía do meu apartamento e pedir total contato comigo mesmo e tudo e todos ao meu redor. Eu nem mesmo pensava ou lembrava da agressão sexual”.
Parte 3 da carta:
“Eu sequer consigo descrever como foi um gatilho e traumático para mim ver Soju em Drag Race. Isso foi como eu ser atingido no rosto por um tijolo com todas as memórias e emoções que eu vinha bloqueando por tanto tempo. Imagina sofrer abusos e manipulação de alguém por anos, e então ver sua cara na Tv, em pôsteres de bar e por toda cidade, era o que eu sentia quando olhava por toda parte. Ver a cara dele, enquanto não conseguia compartilhar com as pessoas o que vivi, era como viver em um inferno constante. Eu senti que estava afogando em mim mesmo no meio do nada. Eu apenas confidenciei isso a poucas pessoas, pois até aquele momento eu tinha medo de ninguém, nem mesmo meus amigos íntimos, acreditarem em mim. Eu tinha frequentes ataques de pânico, eu perdia o sono, e quando eu conseguia dormir eu acordava tendo pesadelos terríveis, que me lembravam de tudo que aconteceu.
Esse foi o começou de meu transtorno de estresse pós-traumático que eu lido até hoje. Eu internalizes tudo que ele me disse, que eu trouxe isso para mim mesmo, que era minha culpa, e que ele não fez nada de errado. Tudo que ele disse para mim tem repetido na minha cabeça desde então. Eu ainda tenho pesadelos recorrentes em que sou atacado numa sala cheia de pessoas, em que todos me ignoram enquanto grito por ajuda. Até hoje, eu luto contra a voz na minha cabeça que diz que foi minha culpa.
Passei anos imaginando o que aconteceria se e quando eu expusesse tudo. Eu estaria mentindo se dissesse que não estaria com medo do que as pessoas poderiam dizer. Eu decidi há poucos meses em fazer isso. Eu não sei porquê, mas algo em meu coração disse que era hora. Desde que tomei essa decisão, eu tenho feito uma terapia de trauma intensiva duas vezes por semana para me preparar para o que viria. Enquanto eu sei, no fundo do meu coração, que minha decisão de falar sobre isso é, primeiramente e mais importante, para minha cura. Além do mais estou compartilhando minha verdade para combater as formas que os sobreviventes são silenciados devido ao medo, e sei bem, a possível repercussão por expor isto, especialmente por ser um abuso feito por alguém que está no olho do público.
Eu ainda conversei de forma privada com outros que tiveram experiências similares com Soju, experiências que incluem coerção, agressão e manipulação. Todos nós fomos levados a acreditar que Soju não fez nada de errado. Foi quando eu ouvi aquelas histórias, bem similares à minha, que eu soube que deveria expor tudo e me certificar que Soju não se afaria dos abusos e manipulações que ela tem se safado por tanto tempo”.
Parte 4 da carta:
“Apesar da dor que ele me causou, eu posso dizer de verdade, eu não me sinto mais uma vítima. Eu sou uma sobrevivente. Eu perdi tanto tempo com do que poderia acontecer caso eu expusesse minha história. Eu não consegui dizer isso para mim mesmo durante muito tempo, mas eu tenho orgulho de mim mesmo por onde cheguei desde a ultima vez que eu o vi, três anos atrás. Quando isso for publicado, será na verdade alguns dias desde a última vez que o vi.
Eu conheci Soju pela primeira vez em janeiro de 2016. A última vez que vi Soju foi em janeiro de 2018. Em janeiro de 2019, foi anunciado que Soju estaria em Drag Race. Agora, em janeiro de 2021, estou tomando meu poder de volta e expondo minha verdade.
O que antes foi algo terrível em minha vida, agora será reescrito como a época que eu fui corajoso.
Eu espero que isso traga para mim e outras vítimas algum timo de encerramento. Se você sentiu essa dor de alguma forma, saiba que não está sozinho, você não é fraco. E que não foi sua culpa. Eu prometo que você não está quebrado, mesmo que se sinta assim algumas vezes.
Obrigado por ler isto, Kevin”.
Shea Coulee demonstrou apoio a Kevin.
Shea: “Eu sinto muito. Foi tão difícil de ler, mas estou realmente feliz por você ter chegado a um lugar em pode se defender e falar sua verdade. Você deveria estar orgulhoso. Tenho certeza que você ajudou muitas pessoas. Esperançosamente, Soju pode encontrar dentro de si a capacidade de expiar seus danos”.
Kevin: Vindo do orgulho e diversão de Chicago isso significa o mundo para mim. Muito obrigado, Shea.
Um dos motivos para que essa denúncia seja levada à sério é a falta de suporte que Soju tem da comunidade queer de Chicago. Enquanto a queen é excluída de grandes eventos drags com RuGirls e ignorada nas redes sociais, outras rainhas que passaram por Drag Race, como Kim Chi, The Vixen, Shea Coulee, Naomi Smalls e até Dida Ritz (da S4) recebem maior apoio e destaque da cena local.
Até o momento Soju não respondeu às denúncias antigas e nem a recente de Kevin. Além disso ela desativou sua conta no Twitter e tornou sua conta no Instagram privada. Enquanto isso várias vítimas estão aparecendo e expondo os vários abusos que Soju lhes causou ao longo dos anos.
Atualização: Soju defendeu-se das acusações e avisou que fará uma pausa na carreira drag, leia a nota completa aqui.
Para ler as primeiras denúncias contra Soju clique aqui. Confira outras denúncias contra abusos sexuais de RuGirls aqui.