Para começarmos nossa conversa de hoje, imagine o cervo Bambi. Sim, o veado mais famoso da Disney, estrela do longa-metragem homônimo, lançado 78 anos atrás. Agora deixe de lado a tristeza pela orfandade de Bambi e pense na imponência de Freddie Mercury. Isto faz algum sentido para você? Bom, para a minha entrevistada de hoje, sim.
Bambi Mercury ficou conhecida internacionalmente ao integrar o elenco da primeira temporada de Queen of Drags, reality show alemão exibido pelo canal ProSieben de 14 de novembro à 19 de dezembro de 2019: “Eu sou um conto de fadas glitter barbudo Club Kid drag queen pokémon”, afirma Bambi no Facebook.
Nesta competição, apresentada por Heidi Klum, Conchita Wurst e Bill Kaulitz, Bambi fora confinada, por algumas semanas, junto a mais nove drag queens, em uma mansão de Los Angeles.
Naturalmente, a convivência acirrava os ânimos, porque, a cada semana, os três apresentadores principais, acompanhados sempre de um jurado especial convidado, pontuavam as participantes com notas de dez a um após a apresentação delas no palco principal. A mais votada sagrava-se a vencedora da semana. A menos votada arrumava as malas de volta para casa.
Neste processo, Bambi pode orgulhar-se de sua trajetória conquistada. Além do apoio das irmãs drags Aria Addams, Candy Crash e Katy Bähm, as quais ela já conhecia antes do programa ser gravado, Bambi foi a quinta eliminada e, de seis episódios, aparece em cinco.
No primeiro deles, “Art of Drag”, Bambi faz uma releitura opulenta de Freddie Mercury, seja no vestido com ar de obra de arte ou na dublagem de música do Queen marcada pelo uso das bandeiras do orgulho LGBTQIA+ e transgênero.
Em “Future Universe”, episódio dois, a homenagem vai para a princesa Leia, de Stars Wars. Segundo Bambi, foi a primeira mulher forte que viu na televisão e sentiu-se apaixonada por ela. Na sequência, outra referência cultural em “Fairytale”, o terceiro episódio: aqui Bambi faz Úrsula, vilã do filme Pequena Sereia. Ao som de “Sweet Dreams”, do Eurythmics, sobrevive para mais uma semana.
No quarto episódio, “Divas and Icons”, Bambi presta seu tributo a Klaus Nomi, cantor alemão morto em 1983 devido a complicações geradas pelo vírus HIV/Aids. Para sua performance, devido aos direitos autorais, teve que utilizar a versão cover de “Total Eclipse of The Heart” da banda Rosenstolz. No Instagram, ao relembrar deste dia, Bambi também comemorou o fato de ter conhecido Pabllo Vittar.
Em seguida, no dia 12 de dezembro de 2019, a jornada da drag barbada no Queen of Drags encerra-se. No episódio “Grusel und Horror” ela não conseguiu usar a fantasia originalmente planejada, então, se viu forçada a trocar os Freds: de Freddie Mercury para Freddy Krueger. Caracterizada como esta estrela do mundo do terror, Bambi fechou um ciclo para começar outro.
Mas não pense que a caminhada até aqui foi fácil. Nascido em 28 de agosto de 1987, Tim conheceu a homofobia desde cedo, quando era criança, no jardim de infância, no começo dos anos 90, em Ribnitz-Damgarten, cidade alemã.
Na primeira vez em que tentou assumir-se como homem gay cisgênero, não fora levado a sério. Na segunda tentativa, confidenciou a amigos próximos. Na terceira é que veio o entendimento sobre quem era de verdade. Ele também pensa que não importa a cor da sua pele, se você tem uma deficiência, qual a sua fé ou se a pessoa é gay, bissexual, transgênero ou não-binária. É como Kylie Minogue canta: “Love is love, it never ends” [amor é amor, nunca acaba].
E é neste clima de amor que Bambi vem construindo sua carreira. Como drag ela começou em dois de novembro de 2014, em Frankfurt. O primeiro contato com esta arte acontecera por meio do grupo “Glitter Explosion”, baseado no filme “Party Animals”, de 2003, aqui no Brasil conhecido como “O Dono da Festa”. Seus dois primeiros anos nesta profissão foram mais focados na estética club kid. Pansy Parker foi a primeira pessoa a lhe dar uma oportunidade para performar no palco: “Criamos um lindo monstro”, diz Pansy.
Algo bom de constatar quando você sabe que Bambi recebeu duras críticas quando começou a fazer drag, sendo chamada de feia e boba por algumas pessoas. Porém, a mesma artista descreditada continuou trabalhando até, por exemplo, ganhar sua primeira competição, no ano de 2017, em Frankfurt, cidade na qual vivera por dois anos.
Atualmente radicada em Berlin, Bambi gosta de dizer que as pessoas podem ficar à vontade para lhe agendar para casamentos, funerais, Bar Mitzvá ou exorcismos regulares. Independente de qual deles seja o seu preferido, uma coisa é certa: na entrevista abaixo eu te ajudo a decidir melhor.
Bambi, para começarmos: já faz quase um ano desde que a primeira temporada de Queen of Drags foi ao ar. Neste momento em que eu cito o programa, qual é a primeira memória que vem a sua mente?
A princípio eu estou de boca aberta que vocês tiveram a chance de assistir no seu país! Como isso é incrível. Além disso a Srta. Leclery também é do Brasil. Bem, mudou muito e eu aprendi tantas coisas novas sobre mim. Este show foi uma experiência bem legal, eu não quero perder nada.
O que ninguém sabe até hoje sobre sua participação em Queen of Drags e você adoraria contar?
Hum, pergunta difícil. Mas sim! Nada foi roteirizado e havia tantas coisas incríveis e engraçadas que não apareceram na TV. Mas boas lembranças para nós 10. Além disso, toda a equipe foi incrível e amável com a gente.
Muitas pessoas dizem que reality shows competitivos são a melhor plataforma para revelar novos talentos, porém, vamos imaginar a seguinte situação: a drag não tem experiência com televisão, está nervosa e naturalmente desconfortável, então, é mesmo a maneira mais eficaz de tirar o melhor de um artista?
Tenho que dizer, você não pode mostrar seu verdadeiro talento a maior parte do tempo. Cada talento é diferente. Especialmente para drag, porque todo mundo tem seu próprio estilo e também a maneira como executar. Eu normalmente tenho ótimos cenários e corto todas as minhas músicas em uma história. No Queen of Drags nós tivemos apenas 60 segundos, esta é normalmente a minha introdução para entrar no palco. Acho que as pessoas que trabalham para as empresas de TV precisam aprender um pouco mais. Drag é muito mais do que apenas colocar uma peruca e pular do lado esquerdo para o direito do palco. Mas a coisa toda pode mudar muito e você pode dar aos espectadores outra perspectiva sobre drag. Alguns deles não se importam muito com essa forma de arte.
Se você pudesse montar um grupo pop com mais quatro drag queens, quem você escolheria e por qual motivo?
Eu não faria isso. Somos todos inspirados por muitos artistas. Digamos Britney Spears. A melhor lip-syncer do nosso tempo. Ela mal canta a vida. Uma drag queen incrível, hahaha! Ou também Pabllo Vittar está mostrando ao mundo como a guerra pode vir com você se você faz o que ama.
Eu tenho uma playlist especial só com cantoras drag. Eu gostaria que você conhecesse esta música aqui e me dissesse o que você acha dela. É da Potyguara Bardo, “You Don’t Exist”.
Ah, nossa! Uma grande voz! Incrível. Há um monte de drag cantoras com músicas de merda. E algumas pessoas com talento real se perdem. Apoie suas drag queens, drag kings e artistas locais. Eu também sou DJ e às vezes eu amo tocar esse remix (Vanessa da Mata – Ai Ai Ai (Felguk & Cat Dealers Remix)
Vanessa da Mata é uma grande cantora brasileira. Esta música anima qualquer pista de dança até hoje. Ou animava até o Corona entrar na festa sem ser convidado. Você sabe o que diz a letra? Os versos são muito interessantes!
Canção da Vanessa da Mata? Sim, deixe tudo para trás e fique com alguém. Amo esta versão dançante.
Ela, assim como você, também tem filhos. Falando nisso: muitos pensam que você adotou as suas crianças, as gêmeas Frieda e Victoria.
Não, nós não adotamos. Estas são nossas próprias filhas. Elas vivem com a mãe. Mas o mais importante é o amor pela criança.
Estamos em 2020, mas o preconceito contra as pessoas vivendo com HIV/AIDS ainda é enorme, com muitos associando esta doença aos gays. Como a sociedade alemã lida com pessoas nesta situação?
Bem, temos algumas organizações e artistas que estão falando sobre isso, fazendo prevenções e educando as pessoas. Temos a Deutsche Aids Hilfe (Ajuda Alemã à AIDS), também shows e galas (antes do Corona), onde eles coletam dinheiro para essas sociedades.
É notável a sua relação com a banda Queen. Quando você pensa no repertório deste grupo, é possível, entre tantas canções, escolher uma preferida para tocar como DJ?
Bem, normalmente eu toco pop, retrô (anos 80, 90). A única canção do Queen que eu toco às vezes é Bohemian Rhapsody. Não há muitas canções dançantes do Queen. Então, acho que só essa.
Se você tivesse que “vender” a cena drag alemã para um brasileiro que ainda não a conhece, o que você diria?
Eu moro aqui há 8 anos [Berlin]. Eu nasci no leste da Alemanha. É muito diferente, temos muitos artistas de qualquer forma. Às vezes, se você vai a um show de drag, você não sabe exatamente o que você vai ganhar, mas você nunca vai se decepcionar. Aproveite se você vier a Berlim.
Para finalizarmos: em alguns lugares da Europa, como a Polônia, há um orgulho terrível em ser anti-LGBTQIA+. Aqui no Brasil somos governados por um troglodita que odeia a diversidade chamado Jair Bolsonaro. Para aqueles que desconhecem o perigo do fascismo e o que ele pode causar, qual é a sua mensagem?
Estou tão triste que estamos vivendo em 2020. Temos esses problemas no Irã, Polônia, Rússia, tantos outros países e também muitas mulheres trans foram assassinadas, a lista continua e continua. Precisamos nos manter fortes e lutar por nossos direitos. Apoiem uns aos outros. Lá fora estão nossos irmãos e irmãs, família, amigos. Seja espalhafatoso e orgulhoso.
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