Foi legal enquanto durou. Após as escolhas mais chocantes do último episódio, acho que descobri o problema desta temporada: estamos sofrendo gaslighting da produção de Drag Race, América! Esses são os fatos. Aviso de spoiler a partir daqui.
Para ficarmos todos na mesma página, vejamos como a wikipedia define gaslighting: É uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. Em outras palavras, tal ação tem o intuito de fazer uma pessoa duvidar da própria sanidade através do uso de manipulação psicológica.
Substitua “manipulação psicológica” por “produzir e editar” e você tem exatamente o que Drag Race fez conosco durante o 11º episódio da S11. O episódio deixou todos nós atolados, não necessariamente porque essas eram as escolhas erradas (toda a arte é subjetiva, henny), mas porque tais decisões estavam totalmente em desacordo com a história que a temporada está tentando passar – especificamente neste episódio em si!
Em vez de serem roteirizados por uma sala de escritores, reality shows como o Drag Race são “roteirizados” por produtores e editores. Ninguém está dizendo a essas rainhas exatamente o que dizer, apesar de você saber que os produtores preparam as drags para receberem perguntas bem íntimas, especialmente se já chegamos ao episódio três, por exemplo, e uma rainha sem destaque ainda não falou sobre sua trágica história de vida. Mas os produtores e editores sabem quem são as estrelas e identificam as histórias que desejam seguir. Isso destrói um pouco a ilusão, ao saber que você está assistindo artistas se apresentarem em um cenário mais parecido com o de um filme tipo O Show de Truman do que com as Olimpíadas? Faz, mas só se você perceber.
Drag Race está em seu melhor ambiente quando é controlado como O Show de Truman, mas parecendo-se com as Olimpíadas. Mas agora a narrativa se tornou tão descontroladamente inconsistente que faz os espectadores se sentirem loucos. No episódio 11 (da S11), pareceu que Brooke conquistou sua vitória no lugar de Vanessa Vanjie Mateo, pareceu que Nina caiu no bottom 2 no lugar de Yvie Oddly, e pareceu que Silky Nutmeg Ganache de alguma forma recebeu o shantay mais desleixado da história do show.
Deus sabe que todos nós amamos diferentes rainhas por diferentes razões, e as preferências dos jurados são cristalinas, quantas vezes Michelle Visage implorou a uma rainha alternativa para fazer um visual glamouroso, apenas para elogiá-las quando elas finalmente rompem com sua estética assinatura para agradar a melhor amiga de Ru? A noção de um show de competição construído em torno da arte é meio maluco, só para começar. Drag Race exige que as rainhas sejam muito boas em coisas bem específicas, por isso drags fantásticass como Trixie Mattel e Jasmine Masters foram mal em suas temporadas iniciais devido a dificuldade em se enquadrarem em formatos específicos de representação de suas artes.
É aqui que entram os editores do programa. O trabalho deles é organizar todos esses pequenos defeitos antes do julgamento, estabelecendo os critérios da semana, forçando comentários obscuros com efeitos sonoros carregados ao fundo. Sim, isso significa que os espectadores sabem quem vai estar no topo e no bottom, porque são sempre as pessoas que mais tiveram tempo de tela no episódio. É assim que esses shows fazem sentido. É assim que eles contam uma história durante uma competição.
Isso não aconteceu no décimo primeiro episódio da season 11. Todas as regras que a competição mostra que os espectadores sabem subconscientemente procurar, porque nossos cérebros são treinados para reconhecer padrões, foram quebradas. O show foi editado de uma forma muito clara, mas entregou um resultado exatamente oposto.
Com base na edição e no roteiro principal da temporada, Vanjie merecia ganhar. Ponto. A história está aí: a rainha que saiu precocemente e inesperadamente se tornou uma fábrica de memes ambulante, retornou para outra temporada, começou no topo, depois atingiu uma série de bottoms, culminando em várias dublagens consecutivas. A edição nos deu aquele conto de azarão, especialmente pelos desfiles com looks questionáveis. Rainhas são criticadas em desafios de transformação por não transformarem seu parceiro num clone. Não uma irmã, um clone. Vanjie e Ariel Versace eram idênticas ao ponto em que eu não conseguia distingui-los a princípio. Este foi o momento de Vanjie brilhar e Brooke conseguiu a vitória.
Conversa séria: Brooke e Plastique Tiara também pareciam perfeitas, mas esse não era o episódio delas. Sabendo que Brooke ia ganhar, deveríamos ter visto muito mais Brooke e Plastique trabalhando juntas, ou pelo menos algumas cabeças falantes na sala de trabalhos se sentindo intimidadas por essa dupla poderosa. Nós não tivemos nada disso. Pelo contrário, Vanjie foi roubada da vitória que parecia tão essencial para a narrativa desta temporada, que depois disso se tornou incerta de qualquer maneira.
Ainda mais sem noção foi a decisão de colocar Nina no bottom 2, em vez de Yvie. Como Brooke, Nina ficou apagada por quase todo episódio – algo que quase sempre indica que uma rainha estará salva. Em vez disso, tivemos que suportar uma disputa acalorada entre os rivais mais agressivos da temporada, Yvie e Silky, um passo que garantiu narrativamente que iríamos vê-los levando sua briga para o palco. Além disso, Silky e Yvie eram as duas rainhas mais lembradas quando Ru fez a pergunta obscura, mas essencial: “Quem deveria ir para casa hoje à noite?” A temporada inteira foi construindo para um final entre Silky e Yvie, e com as duas finalmente no bottom 3, em um episódio em que elas apenas atacaram uma a outra e todo o elenco as expôs no palco, nós finalmente veríamos o embate.
Não foi o que rolou. Em vez disso tivemos Nina.
Arte é subjetivo, e nesse caso a edição poderia ter forçado exageradamente porque Nina merecia ter caído no bottom 2 em vez de Yvie. Contudo, o show não fez tal artimanha. A edição não mostrou o modo como Nina fez a maquiagem de Shuga Cain, ninguém criticou as perucas da dupla na sala de trabalho, nós nem tivemos um comentário confessional do tipo “você está em perigo, garota”. O episódio inteiro foi construído em torno de Silky Vs. Yvie. E o embate delas nos foi negado.
Então fod*s! Tivemos Nina Vs. Silky dublando “No Scrubs” do trio TLC. Depois de tanto falar sobre como ela “está super pronta para dublar” e como ela queria enfrentar Yvie num lipsync, finalmente conseguimos ver a grande vadia Silky fazendo o trabalho dela. Ganache provou que era tudo papo furado ao entregar o que deve ser a pior dublagem na história de todo o show até o momento: sua roupa se desfez; houve uma revelação de peruca sem graça; a rainha abraçou a parede dos fundos para um efeito dramático que flopou… E depois rolou um desajeitado split no palco.
Nina não foi ótima, mas ela não foi tão ruim assim. Ela sabia as letras e serviu de carão. Ela não entregou Cirque du Soleil, mas fez uma dublagem bem típica das primeiras temporadas do show. Quando Ru respondeu às duas performances com um “Meh”, a primeira vez que rolou isso em Drag Race, fez todo sentido. Não houve gaslighting ali. Um duplo sashay teria feito total sentido. Eu até aceitaria um sashay duplo e um shantay surpresa para Plastique por ser a parceira de Brooke…
Mas não, Silky pôde continuar no jogo. Imagine se Valentina tivesse um shantay depois do seu chocante momento “I’d like to keep it on please” [eu gostaria de deixar, por favor]. Foi quase isso que rolou. Nós apenas assistimos a rainha mais bagunceira da temporada mais uma vez recusar críticas, perder um desafio, estragar um lipsync, e ainda permanecer na competição, porque o show tem predeterminado quem eles querem como as quatro finalistas.
Nos foi mostrado um episódio que narrativamente exigiu uma vitória de Vanjie e um duelo de dublagem entre Silky e Yvie (imagina que épico seria?!). Mas os produtores parecem mais contentes em manter isso para a grande final, mesmo que isso signifique quebrar a lógica interna do programa. Me entristece dizer que, neste momento, Drag Race precisa admitir que se tornou um reality show essencialmente bagunçado sobre pessoas queer gritando umas com as outras, ou que antes de mais nada é uma celebração do melhor que as drags tem a oferecer como forma de arte. Porque neste momento está tentando ser ambos e isso significa que o público e os produtores estão assistindo a dois shows diferentes.
Artigo escrito originalmente por Brett White para o portal Decider e adaptado para a Draglicious.