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Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas, aponta relatório

🕓 4 min de leitura

O STF (Supremo Tribunal Federal) voltou a julgar na última quarta-feira (22/02) a necessidade de criminalizar crimes, ofensas ou agressões cometidos contra a população LBGT (lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transgêneros). Não há consenso sobre a questão e projetos sobre o assunto se acumulam sem votação no Congresso. Dados aos quais o UOL teve acesso revelam, contudo, uma questão alarmante: 8.027 pessoas LGBTs foram assassinadas no Brasil entre 1963 e 2018 em razão de orientação sexual ou identidade de gênero.

Parte dos dados, inéditos, foram tabulados no ano passado por Julio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, e repassados ao UOL. Ele formulou o relatório a pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no final de 2018 e o entregou à AGU (Advocacia-Geral da União). Esses dados estavam em poder do governo federal, que nos últimos anos decidiu cancelar a divulgação dos relatórios sobre o assunto.

No documento, Cardia somou as denúncias de assassinato registradas entre 2011 e 2018 pelo Disque 100 (um canal criado para receber informações sobre violações aos direitos humanos), pelo Transgender Europe e pelo GGB (Grupo Gay da Bahia), totalizando 4.422 mortos no período. Isso equivale a 552 mortes por ano, ou uma vítima de homofobia a cada 16 horas no país.

Enquanto o Disque 100 anotou 529 denúncias de assassinato entre 2011 e 2018, a Transgender Europe informou 1.206 homicídios de transexuais e o GGB registrou 2.687 mortes.

O especialista também somou todas as mortes registradas pelo GGB (principal grupo LGBT do país) de 1963 até 2011, quando o grupo contabilizou 3.605 pessoas assassinadas por homofobia naquele período. Ao todo, nesse período de 55 anos (contando até 2018), foram 8.027 assassinatos.

Esse número equivale a pouco mais de 12 assassinatos por mês, ou 145 mortes todos os anos.

OUTROS CRIMES

O Disque 100 também registra outras denúncias além de assassinatos. Entre 2011 e 2018, foram 16.326 casos relatando 26.938 violações. No ano passado, por exemplo, 667 pessoas ligaram para o governo alegando ter sofrido violência física. É menos do que as 864 denúncias de 2017, mas superior às 561 de 2016.

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O canal também registrou 1.871 acusações de violência psicológica sofridas por LGBTs no ano passado, número maior apenas do que em 2011, quando 1.647 pessoas fizeram denúncias. Ainda em 2018, 170 pessoas teriam sofrido alguma violência em razão de sua identidade de gênero. Em 2017, foram 258; em 2016, 184; e, em 2015, foram 220 denúncias.

A violência física sofrida pela comunidade LGBT continua como uma das acusações mais frequentes: 667 no ano passado, contra 864 em 2017 e 561 em 2016.

VIOLAÇÕES DISPARARAM NAS ELEIÇÕES

“Durante o período eleitoral tivermos diversas denúncias relacionadas à violência LGBTFóbica”, afirmou Cardia ao UOL. “Os eleitores do candidato Jair Bolsonaro se sentiram empoderados para ‘fazer justiça com as próprias mãos’ devido a antigos discursos proferidos pelo ex-deputado federal.”

No mês de outubro, o Disque 100 anotou 330 denúncias, um aumento de 272% sobre as 131 feitas no mesmo período do ano anterior. “A violência dos meses de outubro e de novembro impactaram no aumento das denúncias do ano de 2018, que registraram um número apenas 2% menor”.

GOVERNOS BARRAM RELATÓRIOS

O relatório elaborado por Cardia foi entregue à AGU a contragosto do governo federal, que nos últimos anos – incluindo a gestão de Dilma Rousseff – cancelou a divulgação e/ou a formulação de um relatório anual sobre o assunto com base nos dados do Disque 100.

O documento, divulgado desde 2011, não teve anúncio em quatro ocasiões nos últimos cinco anos. “Os relatórios de 2014 e 2015 foram feitos, mas não foram divulgados. Em 2017 e 2018 não foram nem feitos”, afirma Cardia.

Na época, o governo federal gastou R$ 43 mil para que o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) auxiliasse na formulação dos relatórios dos anos de 2014, 2015 e 2016. “Lá dentro havia um certo desconforto com relação aos números de violência… Precisei entrar com uma denúncia interna por utilização indevida de recursos públicos”.

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Antropólogo da UnB (Universidade de Brasília), Francisco Miguel foi o especialista contratado pelo governo federal em 2014 para produzir o relatório com os dados de 2013. “A interrupção da formulação desse documento é grave. O governo se ausenta diante de tamanha violência”.

Miguel afirma que os números sobre homofobia estão subestimados, principalmente porque o Estado se ausenta:

“Lembro que, quando fiz o relatório, precisei juntar dados muito dispersos, quase sempre de movimentos sociais, para conseguir produzir um relatório oficial. Tentamos reunir os dados estaduais, mas poucos tinham alguma informação porque as delegacias não registram como violência transfóbica ou homofóbica, daí a importância da criminalização por parte do STF.”

Contrário à política de encarceramento, o antropólogo defende a criminalização da homofobia porque, “se as delegacias nos Estados tipificassem esse crime, teríamos uma aproximação do número real de vítimas, embora o critério sempre seja o do delegado”.

O julgamento no STF foi retomado. Para formar maioria, são necessários seis votos. Os ministros Celso de Mello e Edson Fachin, relatores no Supremo de ações sobre a discriminação contra gays, defendem a equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo.

Este é o primeiro item da chamada “pauta de costumes” do STF no semestre, quando também serão debatidos a descriminalização da maconha para uso pessoal e o aborto no caso de grávidas infectadas pelo vírus da zika.

Via UOL.

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