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A VH1 está arruinando, sem querer, RuPaul’s Drag Race?

🕓 6 min de leitura

Entre as trivialidades que RuPaul costuma usar para promover seu reality show de competição, ela enfatiza que RuPaul’s Drag Race é sobre a tenacidade do espírito humano. A declaração está em consonância com a marca da psicologia pop que RuPaul frequentemente demonstra no programa, mas depois de décadas como a mais famosa drag queen do mundo, ela tem uma perspectiva.

RuPaul’s Drag Race se incorporou como um farol do moderno zeitgeist*. As participantes do programa se consolidaram como nomes familiares para platéias que se apegam a suas personalidades, celebram seus talentos e se irradiam do triunfo das rainhas sobre suas, muitas vezes trágicas, histórias de vida. Então, sim, os fãs de RuPaul’s Drag Race amam suas rainhas, e uma grande parte disso é porque elas representam a tenacidade do espírito humano.

Pelo menos este é o alicerce no qual RuPaul’s Drag Race foi construído. Dez temporadas e quatro All Stars, o programa descobriu o truque para um nível de popularidade normalmente reservado para franquias como Harry Potter ou Star Trek. Isso pegou um nicho de singularidade e conseguiu atingir um nervo cultural decisivo, o suficiente para se tornar uma indústria de entretenimento. RuPaul’s Drag Race é um programa sobre ambição, engenhosidade, visibilidade e, claro, a tenacidade do espírito humano. Mas a história do seu crescimento centrou-se em torno do dinheiro.

Imagem promocional do All Stars 4.

RuPaul’s Drag Race e suas rainhas são o olhos do furacão em uma tempestade de potencial econômico.

Listar todas as oportunidades que trouxeram as rainhas de Drag Race para a consciência popular – ou pelo menos vizinhas à popularidade – seria uma tarefa substancial. Mas para citar alguns: As fanfavorite Willam e Shangela tiveram papéis no filme de Lady Gaga e Bradly Cooper, A Star is Born. A vice-campeã da 9ª temporada, Pepperminta, pareceu em Head Over Heels, tornando-se a primeira atriz abertamente trans a ter um papel principal na Broadway. Kim Chi, Detox e Shea Coulee estrelaram uma recente campanha de feriado para a gigante de cosméticos Lush.

Shangela no lançamento de A Star Is Born em Londres.

Para completar, há o RuPaul’s DragCon semestral, onde os fãs distribuem centenas de dólares pelas mercadorias de sua rainha favorita, além dos preços de entrada já caros, e esperam horas na fila para coletar selfies cara a cara. O mais recente Los Angeles DragCon, realizado no LA Convention Center, atraiu mais de 50.000 participantes.

Como a arte drag continua a tornar-se cada vez mais popular, a VH1, o canal que exibe RuPaul’s Drag Race, capitalizou o interesse crescente no programa e nas rainhas que ele exibe. Até o final de 2018, a VH1 terá transmitido três temporadas de RuPaul’s Drag Race, com a terceira temporada do All Stars, a 10ª temporada e a quarta edição do All Stars, todas em um único ano.

Abrangendo desde os dias do cinema simplório até Paris Hilton vivendo uma vida simples, reality show é uma das galinhas dos ovos de ouro da TV. Estes são programas que podem ser produzidos de forma rápida e barata, e quando as estrelas se alinham e um programa ressoa com o público, uma rede atingiu o ouro, assim como a VH1 fez com RuPaul’s Drag Race.

Tem sido animador ver o programa atingir seu nível atual de sucesso, mas ainda é chocante imaginar isso nesse contexto. Como evento anual, cada temporada de RuPaul’s Drag Race era motivo de comemoração. Cada All Stars foi um marco. Agora, como a frequência do show triplicou, é difícil imaginar que o programa não perderá parte de seu brilho. A indústria do entretenimento tende a expor demais suas estrelas mais brilhantes até que elas diminuam e se esgotem.

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VH1 exibiu consecutivamente o All Stars 3 e a 10ª temporada, levando a 22 semanas ininterruptas de Drag Race. Depois de apenas alguns meses fora do ar, o show retornará para sua quarta temporada de All Stars, com a décima temporada do reality esperado para ser exibida logo em seguida. Com este nível de produção, é inteiramente possível que o mundo sofra com a fadiga da “corrida drag”. Mas, as consequências de Drag Race perder seu público principal, sendo um programa que proporcionou oportunidades econômicas sem precedentes e transformou as estrelas em um elenco de pessoas marginalizadas, vão além de uma mera queda nos índices de audiência. Uma perda de interesse em Drag Race é potencialmente prejudicial para a comunidade queer (LGBTs) como um todo.

Oráculo, a personagem de Peppermint no musical Head Over Heels da Broadway.

Com o show sendo produzido em seu novo ritmo de trabalho, Drag Race arrisca sacrificar sua capacidade de elevar adequadamente as histórias e talentos de suas rainhas. Essa é uma perspectiva assustadora, já que a televisão ainda está nos estágios iniciais de entender como representar adequadamente as pessoas LGBTs.

A magia do show sempre se escorou  nas especificidades da comunidade LGBT. Foi, e continua sendo, um dos únicos programas na televisão com muitos gays, mulheres trans e indivíduos não-binários, em toda a sua vibrante complexidade. Uma identidade outrora marginalizada arrancada dos bastidores e trazida à atenção nacional, as rainhas de Drag Race surgiram como celebridades, modelos e deusas da comunidade, como personificações da alegria queer desinibida. No pior dos casos, muito Drag Race levará o show a perder seu poder de inspirar.

RuPaul e as várias rainhas que passaram pelo reality no segundo dia da DragCon LA 2018.

Embora, talvez, o futuro de Drag Race sempre tenha sido feito para ser das massas.

Pabllo Vittar se tornou uma grande popstar no Brasil, tornando-se a drag queen mais seguida no Instagram e trabalhando com nomes como Anitta, Diplo e Charli XCX. Ela aparece regularmente no horário nobre da televisão e faz turnês por todo o hemisfério sul, apresentando seus sucessos para multidões de adoradores fãs. Se uma drag queen pode seguir o caminho das maiores estrelas pop do mundo, por que um programa de TV sobre drag queens não se assemelha aos maiores reality shows do mundo?

Capa de Não Para Não, novo álbum de Pabllo.

Nunca haverá uma escassez de artistas drags talentosos que poderiam ser e merecem ser exibidos em RuPaul’s Drag Race. Por mais que a novidade ou a emoção de seu formato possam se desgastar à medida que o show continua a ser lançado em seu ritmo atual, o apelo de Drag Race sempre foi além de um simples reality show. Como um vislumbre de uma experiência, uma vez em quarentena para clubes noturnos encardidos ou para ser surpreendido durante paradas de orgulho, Drag Race tem sido uma embarcação na vida de suas rainhas para o público queer e não-gay.

A VH1 pode estar impulsionando o show a uma velocidade preocupante, mas enquanto as rainhas permanecerem na vanguarda – o fator que sempre foi e sempre será indispensável para o show – o contínuo sucesso de RuPaul’s Drag Race está praticamente garantido.

Artigo escrito por Michael Wu, para a Study Breaks.

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*: Zeitgeist significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. É uma palavra alemã. O Zeitgeist é o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.

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