“Rainhas de cor são menos celebradas que nossas contrapartes brancas. Mas é assim, temos que trabalhar duas vezes mais para conseguirmos metade do reconhecimento”, diz Shea Couleé.
Mesmo que o mini-desafio agrade e o grande prêmio seja considerável, uma das coisas mais impactantes de RuPaul’s Drag Race é a sua plataforma.
Isso ficou claro apenas em um episódio da 10ª temporada, quando Vanessa Vanjie Mateo nos deu sua agora famosa saída “Miss Vanjie”, deixando uma impressão no zeitgeist cultural sem nunca ganhar um centavo. Mas, para algumas drags, essa plataforma e a horda de fãs que a seguem representam uma faca de dois gumes que pode se transformar rapidamente, especialmente se você for uma pessoa de cor (nesse caso pessoa de cor equivale para queens não-brancas, sejam elas negras, mestiças, latinas ou asiáticas).
“A maior coisa [que você recebe de Drag Race] é realmente a exposição aos fãs”, disse Shangela, concorrente de várias temporadas, à Billboard por telefone. “As pessoas ao redor do mundo conseguem ter uma noção de quem você é através do reality show. Elas estão tão envolvidas com você que, se elas o amarem, elas o apoiarão por toda a vida”.
E tendo feito parte do show desde a segunda temporada, fazendo um reaparecimento na terceira temporada e depois chegando ao top 4 na terceira temporada de RuPaul’s Drag Race All Stars, Shangela certamente viu o amor desta comunidade. Ela, junto com sua ética de trabalho ininterrupta, construiu para si uma carreira que a levou a se apresentar em seis continentes e ser escalada para o próximo remake de A Star Is Born, com Lady Gaga e Bradley Cooper. Mas essa mesma comunidade também pode se tornar incrivelmente cruel.
Em maio de 2017, enquanto a 9ª temporada estava passando, Shea Couleé (que foi finalista naquela temporada) se viu bloqueada de suas contas nas redes sociais. Seus perfis foram hackeados e o hacker estava postando imagens racistas. “[O hacker] achou que seria apropriado postar fotos de escravos dizendo que eles eram da minha família e incluíam #niggers [gíria ofensiva para designar negros] no post”, diz Couleé. “Foi o resultado direto das opiniões racistas de alguém sobre mim. Alguém que eu nunca havia conhecido”.
Mas as histórias continuam: depois que Bebe Zahara Benet eliminou Aja do All Stars 3, a queen de Camarões recebeu muito ódio racial, e Jasmine Masters também teve seu quinhão depois de deixar a 7ª temporada. Aja também passou por isso.
“Eu acho que não tem sido tão difícil para mim como tem sido para outras drags de cor, porque eu sinto que sou um pouco racialmente ambíguo. Mas para aquelas pessoas que são reconhecidas por etnia ou raça, foram ditas muitas coisas racistas”, explica a queen do Brooklyn. No passado, as pessoas enviavam para as queens imagens suas photoshopadas para se assemelharem a um gorila, que é um artifício frequentemente usado para degradar pessoas de cor.
Isso não quer dizer, claro, que o ódio do fandom da Drag Race é reservado para as drags de cor. Muito tem sido escrito e dito sobre como o comentário em mídias sociais assumiu um elevado senso de maldade. As próprias queens se manifestam em suas redes sociais para defender suas irmãs, repreendendo seus próprios seguidores para não serem odiosos. Mas o ódio racial é uma marca específica de ódio, geralmente elevada, reservada a um subconjunto de concorrentes no programa.
Nem sempre é tão flagrante quanto epítetos e imagens específicas. “Eu sinto que o fandom meio que se inclina a ser mais favorável às rainhas que são brancas ou que são lidas como brancas“, continua Aja. “Eu acho que as rainhas de cor recebem mais de uma reação mesquinha quando se trata de coisas como ter um problema de atitude”.
O sentimento de que as queens negras são mais duramente criticadas por coisas semelhantes (as das queens brancas) é algo que tem ecoado nos tópicos de subreddit de Drag Race, e por Katya Zamolodchikova, competidora da 7ª temporada, em seu Periscope. Na 10ª temporada, as evidências pareciam surgir nas mídias sociais: depois de uma série de cenas mostrando The Vixen sendo sincera, sem frescuras, ela é conhecida por ser de Chicago, alguns fãs nas redes sociais a chamavam de “raivosa”. Foi uma avaliação curiosa de alguém que simplesmente corrigiu algumas mentiras que Aquaria estava contando.
Mas a mídia social foi rápida em apontar que não faz muito tempo, os fãs estavam criticando o programa por não ter o “drama” no qual The Vixen se envolveu.
Esses dois pesos e duas medidas se aplica ao que os fãs celebram também, de acordo com Couleé.
“Rainhas de cor são menos celebradas do que nossas contrapartes brancas”, diz ela. “Mas é assim, temos que trabalhar duas vezes mais para conseguir metade do reconhecimento. Só porque você está na TV não significa que as pessoas vão mudar a forma como foram treinadas para pensar e sentir”.
A experiência de Shangela, contudo, tem sido diferente de outras queens de cor. “Pela minha experiência, é tudo sobre o que você faz com ela”, diz a queen. “Não é sua cor é ou como se dá com os fãs, é quem você é e qual personalidade você tem”. Independentemente disso, a raça pode desempenhar outro papel importante quando se trata de fandoms.
“Sempre que tenho a oportunidade de conhecer um fã que é pessoa de cor e eles dizem que minha drag os inspira, ou os faz sentirem-se confiantes, isso é muito recompensador”, diz Couleé. “Especialmente quando é uma mulher negra que diz ‘você me inspira a ser a melhor mulher que eu posso ser’. Como um homem é tão dignificante e surpreendente”.
Outras rainhas como Valentina também falaram sobre isso, observando como sua raça e a maneira como ela se manifesta em sua drag cria laços fortes com seus fãs. Na reunião da 9ª temporada, Valentina disse que para muitos de seus fãs ela é uma representação de chicano (mexicano da primeira geração e talentosa) e disse “eles são superprotetores com isso e vão lutar com qualquer um”.
“Eu tenho que dizer que eu realmente fiquei muito chocada – porque eu ainda estou em Bed-Stuy [bairro], e tem havido momentos em que eu estou andando por comunidades extremamente periféricas, mesmo bairros que talvez não sejam os mais seguros, e eu vi crianças e, tipo, até mesmo os bandidos, basicamente vêm até mim e dizem coisas como ‘eu vi você na TV e realmente acho que você está representando nossa comunidade corretamente’ ”, diz Aja. “Eu sei que eles não estão falando sobre a comunidade gay, eles estão falando sobre pessoas de cor e comunidades periféricas.”
Shangela também vê isso como positivo.
“É ótimo que tenhamos tantas pessoas de diversas origens na família da Drag Race. Há algumas pessoas por aí, especialmente na comunidade LGBTQIA, que estão procurando modelos ou pessoas para se inspirar em nossas comunidades, e estou feliz em dizer que somos algumas dessas pessoas”, concluiu a queen.
Matéria original produzida pela Billboard, original aqui.